Conselho flagra crime de desvio de função no HBB

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Conselho flagra crime de desvio de função no HBB

Vistoria do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS) constatou que técnico de enfermagem exercia função de médico auxiliar durante cirurgia no maior hospital do Vale do Taquari

Lajeado – O Hospital Bruno Born (HBB) foi notificado por crime de exercício ilegal de profissão. De acordo com o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS), um técnico em enfermagem foi flagrado há cerca de duas semanas auxiliando nos processos cirúrgicos, tarefa que deveria ser cumprida por um médico auxiliar. Há suspeita de que a prática ocorra há mais de duas décadas. A direção do HBB nega o fato.

hConforme o presidente do Coren-RS, Ricardo Rivero, a entidade realizava uma visita de rotina ao hospital quando foi constatada a suposta irregularidade. A cirurgia averiguada, conforme especifica a legislação, deveria ser feita por dois médicos.

Um processo administrativo foi aberto contra o HBB, que recebeu prazo de 30 dias para apresentar a defesa. Rivero confirma que o Ministério Público (MP) será acionado.

O médico responsável pela cirurgia e a Coordenadoria de Enfermagem do HBB foram notificados. Segundo Rivero, o Coren-RS também comunicou o caso ao Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). “É uma situação grave. Sem uma pessoa habilitada para auxiliar o médico responsável, se coloca em risco a vida do paciente.”

De acordo com uma resolução do Cofen de 2003, é vedado a qualquer profissional de enfermagem exercer a função de auxiliar de cirurgia. “Imagina se o médico passa mal e desmaia. O paciente ficará nas mãos do técnico”, alerta Rivero. A interferência só é permitida em caso de urgência ou risco de morte iminente do paciente. Mas é proibida em situações previsíveis e rotineiras.

Caso seja confirmada a participação do técnico em enfermagem na realização da cirurgia, o HBB poderá responder a uma ação civil pública. O profissional corre risco de ter sua licença trabalhista cassada.

Os prontuários médicos serão analisados. Neles constam as assinaturas dos profissionais envolvidos nas operações. Qualquer alteração no documento acarreta crime de falsidade ideológica.

Rivero lamenta a situação e afirma que o fato é comum em hospitais de cidades menores. “No interior parece que o médico grita e todo mundo diz amém.” Comenta que muitos tecnólogos justificam o trabalho ilegal, afirmando serem coagidos a realizar o auxílio. Para ele, há falta de comprometimento da direção do hospital e dos profissionais da saúde. “Além da conivência dos técnicos.”

Cremers recebe denúncia contra o hospital

O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) recebeu, na tarde dessa quinta-feira, uma denúncia da Federação dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do RS (FEESSERS). No documento assinado pelo presidente Milton Francisco Kempfer, a entidade reitera a acusação do Coren a respeito do exercício ilegal da profissão dentro do HBB.

No texto há detalhes do suposto crime. Médicos cirurgiões estariam utilizando técnicos como auxiliares nos procedimentos. Um deles teria sido flagrado fixando parafusos em um paciente.

A federação questiona a maneira como é feita a cobrança dos honorários do médico auxiliar, pagos por convênios ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme informação do Coren-RS, esse profissional não estava presente no momento da cirurgia.

Em um dos trechos do documento, a entidade afirma que a irregularidade é comum, mas que há dificuldade de ser comprovado. O texto discorre dizendo que “ao longo do tempo inexiste punição aos profissionais e que por desconhecimento de profissão, má-fé, interesse financeiro ou por estarem subordinados ao profissional médico, acabam recorrendo a práticas ilícitas”.

A FEESSERS acusa a diretoria de intermediar negociações com técnicos de enfermagem para que cancelem seus registros junto ao Coren-RS e, assim, continuem trabalhando como auxiliares cirúrgicos nas operações. Segundo a federação, cada funcionário ganharia 20% de aumento no salário. A diretoria do Cremers foi procurada, mas preferiu analisar a denúncia antes de qualquer pronunciamento.

“É ilegal. Estão fazendo papel de médico”

Para o presidente do SindiSaúde do Vale do Taquari, Roberto Silva de Souza, a diretoria do HBB é conivente com a possível prática ilegal. “Os médicos usam a mão de obra dos técnicos, e o hospital, sabendo disso, nunca questionou os profissionais.” Segundo ele, o fato ocorre há mais de 20 anos no hospital.

Roberto informa que as atribuições do técnico de enfermagem não preveem aquilo que o Coren-RS confirma ter flagrado. “A função deles é entregar materiais para os médicos. Nem o enfermeiro pode realizar cirurgia.” Ele comenta que médicos estariam pagando pelo auxílio dos técnicos.

Ressalta que técnicos ajudam em todo tipo de cirurgia eletiva. Reitera que a classe não tem capacidade para realizar alguns serviços delegados a eles no HBB. Mas faz uma ressalva. “Alguns são capacitados e até melhores que médicos. Mas não justifica.” A formação de um técnico em enfermagem dura no mínimo dois anos e seis meses e o salário médio é de R$ 1,2 mil.

Funcionários reclamam de assédio moral

De acordo com o SindiSaúde-VT, alguns profissionais de enfermagem se queixam de assédio moral dentro do bloco cirúrgico do HBB. Souza diz que as reclamações são contra uma minoria de médicos pertencentes ao quadro de profissionais do hospital.

Comenta que o técnico é bem tratado só quando atende a tudo que o médico lhe pede. “Faz até o que não permite sua formação. Quando negamos, somos tratados como lixo.”

Palavras ofensivas e até assédio sexual são citados pelo presidente. “Teve um médico que disse para uma menina: Não está fazendo nada? Então vem fazer uma massagem em mim.” Outros teriam dito frases ainda mais constrangedoras.

Uma funcionária que trabalha próximo do bloco cirúrgico confirma os relatos do presidente do SindSaúde. Diz ser comum médicos debocharem de outros funcionários, inclusive em meio às cirurgias. “Tem paciente que escuta as piadas. É constrangedor.” As piadas teriam ligação com o fato dos técnicos serem inaptos para participar das cirurgias.

O assessor jurídico do HBB, Jorge Decker, admite o problema e informa que o hospital realiza ações para coibir o fato. Conta que a instituição assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério do Trabalho para melhorar a relação entre funcionários.

Até o momento foram realizadas algumas palestras e houve a instalação de uma urna de reclamações, além de um livro para registrar ocorrências.

Entre os casos mais notórios de assédio dentro da empresa está o processo contra o atual presidente do HBB, Claudinei Fracaro. Ele é acusado de assediar sexualmente uma ex-funcionária, que teria pedido demissão em função do constrangimento. Ele foi indiciado pela Polícia Civil e a audiência está marcada para maio.

Atribuições de um Técnico em Enfermagem

– Realizar e ficalizar a higiene do paciente (enfermaria);

– Monitorização da terapia;

– Administração de medicamentos prescritos;

– Auxiliar no controle e no uso racional de roupas, materiais utilizados pela enfermagem e pela equipe multiprofissional de cuidado ao paciente;

– Executar ações de assistência de enfermagem ao paciente, com exceção àquelas privativas do enfermeiro.

Diretoria do HBB está tranquila

A reportagem tentou contato com os diretores do HBB, mas quem respondeu às questões foi o assessor jurídico da instituição. Decker nega todas as acusações e diz que há divergências na legislação. Segundo ele, não se trata de uma questão nova. “O HBB foi notificado por situação semelhante há 20 anos, e o Coren perdeu aquele processo.”

Ele rechaça as acusações e garante que não houve flagrante. “Nenhum auto de infração foi lavrado. Aguardaremos e estamos tranquilos.” Decker garante que a diretoria cobrará perícia dos fatos caso o hospital seja autuado e afirma que é preciso uma definição mais clara sobre a necessidade de dois médicos em cada processo cirúrgico.

Para o advogado, inexiste necessidade de dois profissionais em todas as cirurgias eletivas. Diz que a diretoria acredita que os procedimentos podem ser supridos por profissionais de enfermagem. “Não é apenas o HBB. É assim em todos os hospitais.”

Nesta sexta-feira à tarde, haverá encontro entre diretores do Coren-RS, FEESSERS e SindiSaúde de Porto Alegre e Lajeado com a equipe administrativa do HBB e com funcionários. Conforme Rivero, o encontro servirá para alertar profissionais da área da saúde sobre os riscos do exercício ilegal da profissão no ambiente hospitalar. Uma nova fiscalização está prevista.

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