Lajeado – Duas horas de operação foram suficientes para escancarar a deplorável situação em que vivem usuários de drogas e alcoólatras no centro. Morando sob marquises, no mato à beira do Rio Taquari ou dentro de casas abandonadas, eles dividem espaços com lixo, restos de alimentos, fezes humanas e produtos de roubo.
Ontem, equipe da Brigada Militar (BM) e da Secretaria de Saúde (Sesa) visitaram esses locais e convenceram sete viciados a iniciar tratamento. A operação “Recuperando Vida” inicia após uma série de denúncias e reportagens sobre o aumento de ocorrências envolvendo usuários de drogas.
Execuções, prostituição, roubos e atentados ao pudor viraram rotina para moradores do Centro, em especial na beira do Rio Taquari e no campo do São José, no Cantão do Sapo.
O cerco aos viciados se iniciou por volta das 14h30min na Praça da Matriz. Em uma das mesas de pedra, um grupo de quatro homens bebia cachaça e preparava sanduíches no momento em que foram abordados. Entre eles estava o ex-jogador do Clube Esportivo Lajeadense, Adriano José Freitas da Silva, o “Adri”.
Com passagens por clubes europeus, como o Hertha Berlin da Alemanha – onde tem dois filhos – , ele admite o vício. “Sou alcólatra cruzado. Quero me curar, mas quando estamos nessa vida é difícil sair.” Adri afirma que tentou se recuperar, mas que “seu corpo precisa da droga”. Ele não aceitou o tratamento.
Próximo do banheiro do praça um casal dormia sobre um colchão improvisado. Ambos são conhecidos dos policiais e da equipe de psicólogos e assistentes sociais da Sesa. Junto deles, algumas sacolas plásticas carregando os poucos pertences, que se resumem a trapos de roupas e restos de alimentos. Ela foi encaminhada ao Hospital Bruno Born, na única vaga disponível no momento para tratamento de drogados.
Ciclovia cercada de prostitutas e viciados
A busca por usuários seguiu pela ciclovia da Rua Osvaldo Aranha. Em frente a um restaurante, um viciado em crack foi encontrado na beira do rio, debaixo de um vão da calçada. Cercado de lixo e roupas sujas, Gilberto Chagas, 38, não esboçou reação ao perceber a chegada dos policiais. Usuário da droga há dois anos, decidiu aceitar a ajuda dos profissionais da saúde.
Ele é natural de Viamão e hoje vive sozinho vagando pelas ruas da Lajeado em busca de drogas. “Não tenho lugar para dormir.” Diz que não lembra a última vez que tomou banho de chuveiro. Ao seu lado, havia um livro: “Orando em Família”.
Há duas semanas, esteve internado na Clínica Central, mas fugiu horas antes de ser encaminhado à sua cidade natal. Sob efeito da droga, Chagas sequer lembrava que esteve internado há poucos dias.
Pai de seis filhos, veio para Lajeado após se separar da mulher. Alega querer voltar a Viamão, mas a falta de dinheiro impede que compre a passagem. “Para o crack sempre dou um jeito.” Assim como os outros, diz que não é viciado e fuma por vontade própria. Depois de ser acolhido e levado ao ambulatório, decidiu ser outra vez internado. “Preciso de ajuda, quero voltar para Viamão, sinto falta dos meus filhos.”
Na mesma rua, cinco mulheres se negaram a receber ajuda. Alegaram que não era a hora e que, quando precisassem, procurariam tratamento. Vera, 33, alega ser dona de casa e diz ter o controle da situação. “Tenho minha casa e não preciso de ajuda agora.” Abordada na ciclovia, chorou após conversar com uma psicóloga. “Sei que preciso de ajuda, mas não quero agora.”
Prédio histórico vira reduto de drogados
A antiga casa onde morou Bruno Born, e que por muitos anos serviu como sede para o Deustche Bank, foi invadida por crakeiros e moradores de rua. Logo ao lado da residência, há uma creche municipal. É comum pais e crianças cruzarem com usuários naquela região.
Dentro da casa, em meio a muito lixo, fezes, preservativos, restos de comida e dezenas de seringas usadas, há cinco colchões sujos espalhados pelo térreo. A BM e a equipe da Sesa entraram no local.
Apenas uma mulher foi encontrada dentro dos cômodos escuros. Bastante debilitada e magra, apresentava dificuldades para falar e caminhar. Ela estava dormindo quando a equipe a encontrou e precisou de auxílio para deixar o prédio.
Brigas e sexo no meio da rua
Duas moradoras vizinhas a antiga casa de Bruno Born acompanharam a movimentação da BM. Uma delas afirma que não suporta a baderna. “Qualquer dia desses eu mesmo vou dar de pau (sic) nesses crakeiros.” Com quatro filhos pequenos em casa, teme pela segurança. Diz que o problema se iniciou há cerca de cinco anos. “Triste ver isso na parte mais bonita de Lajeado.”
Sua vizinha mora há 25 anos na rua General Osório, próximo da esquina com a Osvaldo Aranha. Afirma que é comum ocorrerem brigas entre os viciados. “Esses dias vi duas prostitutas brigando por um cliente. Se batiam com lâmpadas e cacos de vidro.” Segundo ela, é comum carros importados estacionarem no local. “A gente vê pessoas da alta sociedade buscando essas meninas. Depois levam doença para dentro de casa.”
Projeto terá sequência
O secretário de Saúde, Glademir Schwingel, acredita que um dos principais problemas da cidade começa a ser solucionado. Ressalta que será um trabalho a longo prazo, e que a ação conjunta com a polícia será importante. “ Sem eles o trabalho é inviável.”
Segundo o novo comandante de Lajeado, capitão Fabiano Dornelles, todo o efetivo da corporação está à disposição do secretário. “Nos próximos dias, continuaremos o trabalho”. Ele alega que se o município conseguir o local apropriado para internação, a BM fará sua parte.
Conforme a psicóloga e coordenadora do Ambulatório de Alcool e Drogas, Josiane Delazeri Hilgert, das dez pessoas recolhidas, três foram encaminhadas à Clínica Central, uma foi internada no Hospital Bruno Born e outra voltou para o Caps de Estrela. Outros dois dependentes aceitaram voltar para suas cidades de origem.
Dois fugiram. Após o encerramento da operação, a reportagem voltou aos locais fiscalizados. Na praça do Chafariz, um dos usuários recolhidos estava com outro grupo bebendo cachaça. Na ciclovia, quatro usuários de crak voltaram ao habitual ponto de consumo. Um deles perguntou sobre uma mulher levada ao ambulatório pela BM. Ao saber que ela havia aceitado a internação, proferiu: “logo ela volta”.