Modelos prisionais fracassam

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Modelos prisionais fracassam

Reportagem visitou a Penitenciária Modulada de Montenegro, construída sob protestos de moradores e promessas do governo estadual, e onde a superlotação e a falta de efetivo contrastam com uma estrutura considerada modelo

Estado – A penitenciária vista modelo dentro do estado está superlotada. Inaugurada em 2001, a Modulada Estadual de Montenegro tem 889 presos para 588 vagas. Assassinatos, motins, fugas e suicídios foram registrados nesses mais de dez anos de fundação.

O número de agentes é insuficiente. Um servidor foi morto durante um resgate de preso realizado a poucos metros do portão principal, na estreita estrada de chão que circunda o local. A comunidade sempre foi contra a construção do complexo, distante 15 quilômetro do centro da cidade.

pNo período de negociação entre município e governo do estado, lideranças municipais tentaram, em vão, evitar a vinda da nova casa prisional. Argumentavam que ela traria insegurança para as comunidades vizinhas. Temiam um aumento nos índices de criminalidade na pequena cidade de 60 mil habitantes, no Vale do Caí, a pouco mais de 64 quilômetros de Lajeado.

Foi com uma série de promessas que o governo do estado acobertou a construção do complexo, que custou em torno de R$ 12 milhões. Pavimentação de acessos, aumento no efetivo da Brigada Militar (BM), asfaltos, iluminação pública e até a construção de um posto policial naquela região foram as principais ofertas de contrapartida. Moradores da Vila do Pesqueiro, onde se localiza a penitenciária, aguardam até hoje pelas juras dos governantes.

Além do descumprimento das promessas, com menos de um ano de funcionamento o local apresentou problemas na rede de água. Caminhões-pipas tiveram que abastecer o local por um determinado período.

Logo nos primeiros anos, surgiram denúncias de que o material utilizado na construção dos muros e galerias era de qualidade duvidosa. Um preso fugiu ao abrir, sozinho, um buraco na parede. “Colocaram areia no lugar do cimento”, brinca um agente.

Hoje, parte da estrutura interditada por problemas na rede de esgoto. Com isso, a superlotação da penitenciária diminui nos últimos meses. Mas o local chegou a abrigar 1,3 mil presos. Número superior ao dobro permitido. O problema atrapalha o bom andamento de trabalhos realizados pelos apenados em parceria com empresas da região.

Cerca de 80% dos apenados trabalham dentro do complexo. Há oficinas que fabricam chaveiros, bolas de futebol e até bombachas. Outros realizam trabalhos na cozinha e no pátio.

Os presos são divididos em quatro módulos. Cada um com salas de laborterapia e pátios para recreação. “Mas a superlotação impede que o trabalho seja melhor desenvolvido”, esclarece o vice diretor, Mairo Leandro Lavarda Canterle.

Agente penitenciário foi morto em 2005

O descumprimento de uma das promessas foi uma das causas da morte do agente penitenciário Jari Fiorim. Em janeiro de 2005, presos simularam uma briga e dois apenados foram levados às pressas para o hospital.

Na estrada geral do Pesqueiro, a poucas centenas de metros do portão, o veículo da Susepe foi interceptado por outros dois veículos. Os bandidos iniciaram o tiroteio. Fiorim foi atingido e morreu no local. Um desses fugitivos era Enivaldo Farias, o “Cafuringa”, que chegou a ser considerado o mais perigoso do estado em 2012.

Colegas lembram que Fiorim estava sem colete à prova de balas. A maioria dos agentes prefere não falar sobre o assunto. Hoje, o complexo mudou de nome. Passou a se chamar Penitenciária Modulada Estadual “Agente Penitenciário Jair Fiorin”.

Mesmo em número menor daquele considerado seguro – são em média 15 por turno –, os agentes penitenciários garantem que trabalham “tranquilos”. Existe um respeito mútuo dentro da prisão. Uma espécie de lei interna, respeitada pela maioria dos detentos. O agente responsável pelo portão principal do complexo garante que é mais arriscado do lado de fora do que dentro do complexo carcerário. ”Aqui eles não mexem com a gente, sabem que dessa forma perderão as regalias.”

Na tarde dessa quarta-feira, um dos agentes tentou contato com os soldados da BM responsáveis pela guarita. Durante uma hora, ele não teve retorno nas ligações. Segundo o funcionário, o ideal seria a presença de seis policiais por turno. Mas o número médio não ultrapassa três.

Crimes são comuns dentro do complexo

O problema de superlotação reflete na segurança dos presos. São comuns assassinatos dentro das celas, chamados de “queima de arquivo” pelos agentes. Em 2009, o detento Antônio Robinson dos Santos Trindade foi encontrado enforcado. Ele estava suspenso por um cordão de costurar bolas de futebol, material de trabalho dos detentos.

Em julho de 2010, a detenta Gabrielli Antoniazzi Nunes estrangulou a também apenada Ana Paula Machado Parodes. No fim de 2012, uma visitante foi encontrada morta dentro da sala de visitas íntimas. Seu companheiro foi encontrado desmaiado e levado para o hospital. Ele sobreviveu ao envenenamento duplo cometido por ele mesmo. Em seu bolso havia uma carta, que descrevia com detalhes a traição da mulher.

Na última revista realizada nessa quarta-feira nos quatro módulos da penitenciária, foram encontradas pelo menos 19 facas artesanais (estoques), cinco celulares com acessórios e 21,5 gramas de cocaína. No dia 28 de novembro de 2012 os servidores retiraram 14 estoques das galerias.

No dia 13 de janeiro deste ano, após denúncia de outros detentos, foram encontradas diversas armas artesanais. Duas eram uma espécie de revólver, chamado no meio prisional de “trabuco”, feito com ferro e madeira.

Segundo agentes penitenciários, entre os apenados estão integrantes de facções criminosas como os “Balas na cara” e os “Manos”. “Volta e meia aparece um preso pendurado na corda dentro da cela. E o interessante é que ninguém vê o cidadão se enforcando”, comenta um agente. A maioria vem de cidades vizinhas e não pertencem à comunidade de Montenegro.

Alguns apenados são protegidos dentro da penitenciária. É o caso de Jonas Franco, condenado há 12 anos. Trabalhando na cozinha, ele já cumpriu dois anos e oito meses de sua pena por estupro. Distante de possíveis agressões de outros presos, garante que o ambiente da penitenciária está mais tranquilo em relação a anos anteriores. “Não tenho do que me queixar.”

Presos distantes das famílias

A falta de presídios regionais traz transtornos para familiares dos apenados. Muitos percorrem distâncias superiores a 200 quilômetros para visitar seus parentes. Na penitenciária de Montenegro, estão presos criminosos de diversas cidades da região metropolitana e dos vales do Caí e do Taquari.

Moradora de Taquari, Tereza de Almeida, viaja 98 quilômetros todas as quartas-feiras para visitar o filho na penitenciária. Acusado de estupro, ele está preso na cela de segurança para não ser agredido pelos demais apenados. Conforme a legislação, não poderia estar naquele local antes do julgamento. “Não sei por que trouxeram ele pra cá. Ele é inocente”, diz a mãe.

Ela lamenta a ausência de presídio em Taquari. Diz que o marido está doente no hospital e afirma que diminuirá as visitas ao filho em função da distância. “Preciso cuidar do resto da família também. É difícil.”

Outra mãe, Solange Concheski, moradora de Novo Hamburgo, percorre quase cem quilômetros duas vezes por semana para visitar o filho. Ele está preso há dois meses no local, acusado de realizar escutas telefônicas de forma ilícita. “Se Deus quiser, ele sairá daqui mês que vem. É complicado tanta viagem para visitá-lo.”

O aposentado José Lara viaja a cada 15 dias cerca de 110 quilômetros de Esteio até Montenegro. É ele quem traz a mulher e a sogra para visitar o cunhado, condenado pelo assassinato da ex-mulher. Preso há um ano, ficará mais 14 anos no local conforme a condenação. Ele comenta que seria mais fácil se houvesse presídio mais próximo. “Assim minha sogra poderia ir sozinha e mais vezes visitar o filho.”

Segurança no entorno

Apesar do senso comum de que a criminalidade aumentou após a construção do presídio, inexistem registros oficiais, pesquisas ou estudos que comprovem essa tese. Tampouco foram registrados furtos relacionados aos foragidos ou ex-detentos. Foram seis fugas em 12 anos. Apenas um foragido não foi mais recapturado.

Morador há dez anos da Vila Pesqueiro, Mateus Machado diz que nunca viu foragidos próximos de sua residência, localizada a 500 metros da penitenciária. “Só aparecem aqueles que foram liberados. Eles não incomodam, apenas pedem informações. Nunca ouvi nada sobre assaltos.” Reclama da falta de asfalto e da construção do prometido posto policial.

Luciano de Souza vive há 33 anos na Estrada Major Karpes, a 200 metros da Modulada. Dono de um minimercado, ele afirma que é normal ex-apenados passarem pela sua propriedade pedindo informações. “Nunca me incomodei, me sinto até mais seguro do que antes.” O comerciante afirma que as rondas policiais aumentaram após a construção da penitenciária.

Souza lembra das manifestações contrárias à vinda da Modulada. Confirma que era contra a construção, mas diz que mudou de opinião. “Na época não sabíamos como seria. Mas se fosse hoje, não iria me opor.” Hoje, o lucro de seu comércio aumentou. Diz que vende alimento e produtos para a Modulada e também para os funcionários. “Recebo familiares de presos como cliente, embora alguns sejam mal-encarados.”

A insegurança ocorre no centro da cidade, onde o antigo presídio se transformou em um albergue de semiaberto. De lá, fugiu o maior assaltante gaúcho, Cláudio Adriano Ribeiro, o “Papagaio”.

“Penitenciárias ajudam a desenvolver a cidade”

Segundo Canterle, a construção de presídios traz benefícios ao município. Comenta que todas as viaturas da Susepe abastecem no município. A compra de alimentos, medicamentos, produtos de limpeza e contratação de serviços terceirizados também são realizados em Montenegro. “Os próprios agentes que trabalham aqui precisam gastar com tudo isso e mais o aluguel.”

O chefe de segurança, Peter Percoski, discorda da hipótese de que a construção de um presídio traria insegurança para o local. Comenta que a movimentação de viaturas da BM e da Polícia Civil aumentou na Vila Pesqueiro após a construção da penitenciária. “Antes quase inexistiam rondas aqui.”

Sobre os entraves na construção de presídios no Vale do Taquari, Percoski faz um alerta. Diz que o Estado precisa de novos locais, e que a demolição de casas prisionais é “utopia”. Segundo ele, o presídio de Lajeado está entre os cinco piores do Rio Grande do Sul. Ele critica a estrutura e a localização. “A sociedade precisa se mobilizar para exigir um presídio decente e não se mobilizar para evitar construção de presídio.”

Ressalta que o mesmo vale para a cidade de Venâncio Aires, onde o governo deverá construir um presídio para 529 presos, em substituição a Colônia Penal Agrícola. De lá, 237 fugiram em 2012. Critica a postura das lideranças que não aceitam presos de outras regiões. “Reclamam que não querem presos, mas mandam presos deles para cá. Aqui, temos muitos apenados de Lajeado e Venâncio Aires.”

Presídio de Lajeado entre os piores

O Presídio Estadual de Lajeado é considerado um dos piores do estado. Na tarde dessa quinta-feira, dia 28, um detento fugiu sem dificuldade ao pular o muro. Foi recapturado três horas depois na Av. Dos Quinze, bairro Florestal. Antes disso, foi alvejado próximo da rodoviária por um dos quatro tiros anti-motim disparado pela BM.

A construção de um novo presídio na cidade segue em estudo dentro da Susepe, segundo a Assessoria de Comunicação da entidade. O assunto é antigo, e entre 2008 e 2011 foi motivo de diversas reuniões e audiências públicas envolvendo lideranças regionais, órgãos de segurança pública e moradores dos bairros Santo Antônio, Jardim do Cedro e Nações. A maioria foi contra a obra.

Os constantes entraves distanciaram o investimento da região. Recursos superiores a R$ 20 milhões foram perdidos. Muitas lideranças afirmam que sequer havia dinheiro para o obra.

Hoje, a única casa carcerária da cidade segue superlotada. São mais de 300 presos para 122 vagas. Celas estão entulhadas com 12 presos, quando deveriam receber no máximo quatro. Sua estrutura inicial permanece a mesma. Mesmo assim, novos prédios foram agregados, como um albergue, canil e galerias. Uma ala feminina deverá ser erguida logo. Nos últimos meses, houve reforma e construção dos muros.

São diversas ocorrências graves nos últimos anos. Em 2007, presos incendiaram o albergue e foram transferidos para um ginásio sem segurança no centro da cidade. Em 2008, houve uma tentativa de resgate de presos com troca de tiros entre presidiários e BM.

Em 2009, a BM estadual encontrou drogas, celulares e armas brancas no presídio. Dias depois, agentes penitenciários encontraram explosivos em uma cela. Em abril de 2010, mais de 20 presos sem condenação porque a lotação excedeu mais de 210 presos. As celas feitas para abrigarem seis apenados, tinham 22.

Para o diretor, Andreo Quadros Camargo, a situação está melhor do que em anos anteriores. “Em 2012, não foi registrada nenhuma fuga.”

Parte do recurso reservado à Lajeado foi transferido para o município de Arroio dos Ratos, onde um presídio para 672 apenados foi inaugurado no ano passado. Menos de seis meses depois, em janeiro deste ano, surgiram denúncias de precariedade na estrutura, e no último dia 8, cerca de 80 detentos vindos do Presídio Central de Porto Alegre se rebelaram na recém-inaugurada casa penal.

Um dos principais argumentos de lideranças contrárias a instalação do novo presídio Estadual em Lajeado era a recepção de presos do Central. A maioria duvidava das promessas do governo do estado de investir em melhorias no entorno da nova casa prisional. Assim como em Montenegro, foram anunciados postos de polícia, pavimento de ruas e até investimentos na área da saúde.

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