Região dos Vales – Construído em 1971 com o objetivo de ressocializar presidiários em regime semiaberto, a Cpava se transformou em uma colônia de férias para 140 detentos perigosos. Assassinatos, roubos e até estupros relacionados aos apenados assombram as pequenas comunidades vizinhas. Nessa quinta-feira, polícias Civil e Militar passaram o dia realizando buscas a corpos de criminosos desaparecidos nas imediações do complexo às margens da ERS-287.
A realidade é ultrajante. Em 2012, foram 237 fugas registradas. Em anos anteriores, o montante superava 500. Mas o número atual é superior ao divulgado. Segundo moradores vizinhos, todas as noites – e muitas vezes durante o dia – é possível ver os presos “passeando” pelas redondezas, realizando compras em mercados e até participando de pequenos bailes antes de voltarem às celas.
Alguns apenados são vistos armados. “Passam em grupo, às vezes correndo e com grandes sacolas. Mas é melhor nem comentar”, diz uma faxineira que vive há oito anos na Vila Estância Nova, ao lado do Cpava. Em frente do local, há uma escola estadual de ensino médio.
O dono de um mercado a 200 metros da frágil cerca de arame, que separa a rua e o pátio do instituto penal, tem medo de falar. Teme represálias, mas confirma que os presidiários são seus clientes diários. “Eles pagam tudo direitinho, não quero me queixar.” Duas casas vizinhas ao estabelecimento foram invadidas por foragidos.
Outro morador, que vive há 30 anos a poucos passos do portão de entrada da colônia penal, pede para não falar e insiste na “boa conduta” dos presos. Mas, no fim da conversa, desabafa. “Já fui ameaçado por eles com arma de fogo. Afirmavam que eu entregava eles para a polícia.”
Quase todos os presos são da região metropolitana do estado e respondem pela Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre. Após as seguidas fugas, a grande maioria se dirige ao pequeno vilarejo de Mariante, distante 12 quilômetros.
De lá partem de ônibus para a capital gaúcha e municípios vizinhos. São dezenas de ocorrências de furtos e assaltos atribuídos a eles. Entre os casos de maior repercussão está o estupro de uma aposentada de 69 anos em maio de 2008, cometido por um foragido.
Naquela ocasião, moradores das duas comunidades tentaram, sem sucesso, impor o fechamento da Cpava. Outra moradora de Picada Mariante também foi violentada por um presidiário.
Segundo a polícia, na maioria dos casos, os presos procuram dinheiro ou veículos para se deslocarem à Região Metropolitana. Taxistas comentam que é comum serem abordados por criminosos em busca de uma “corrida” até a capital gaúcha.
O porto-alegrense Luis Carlos Zucchelli mora há nove anos em Vila Mariante e passou por essa experiência. “Toda semana precisamos deixar o ponto para não sermos abordados por presos.”
O atual diretor da Cpava, Roque Valmor dos Santos, admite a inoperância dos agentes da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) perante os presidiários.
“A gente enxerga eles fugindo à noite, mas não há nada que possamos fazer. Na manhã seguinte, estão de volta na conferência (contagem dos presos).” O local acaba servindo como álibi de muitos criminosos. “Eles cometem crimes à noite, mas para a Justiça eles estavam presos.”
Crimes e até um “cemitério clandestino”
Em janeiro deste ano, uma revista realizada por 300 policiais confirmou a total insegurança na qual trabalham os funcionários. Foram encontrados pelo menos 15 armas de fogo, facas, estoques e cerca de 200 aparelhos de celular. Os números não surpreenderam as autoridades. “É normal”, avisa Limberger.
Em novembro de 2012, outra revista apreendeu armas (quatro revólveres e três pistolas), celulares, e drogas, CDs e DVDs piratas. Além de uma quantidade não divulgada de crack, maconha e cocaína. Em janeiro de 2010, houve troca de tiros dentro do instituto entre agentes penitenciários e presos.
Em junho de 2012, um foragido trocou tiros com policiais em uma pensão vizinha e morreu. Há registros de detentos presos por tráfico de drogas, com flagrantes ocorrendo dentro da própria Cpava.
Pelo menos outros dois foram mortos de forma cruel dentro do complexo carcerário nos últimos anos. Em abril de 2011, um preso foi assassinado a tiros no interior do albergue.
Um ano depois, outro detendo foi espancado e enforcado no mesmo local. Seu corpo foi escondido dentro de um latão de lixo. Há a suspeita de que os criminosos tentariam esconder ou enterrar o cadáver.
E são outras suspeitas semelhantes que alimentam os boatos de que exista um “cemitério clandestino” na extensa área de mato existente nos 99 hectares do instituto.
Ontem, a Polícia Civil começou a busca por corpos de presos que estariam enterrados na área externa. Operação semelhante ocorreu em setembro de 2012. Até o momento, nada foi encontrado.
Estrutura atual é precária
A situação dentro da área de 99 hectares da colônia penal é degradante. A horta, que deveria servir de laborterapia está tomada de mato e inço. “Só vi plantarem maconha aqui dentro. É normal encontrarmos vasos com plantinhas”, avisa uma agente, que trabalha no local desde 1993. A cerca de arame está repleta de buracos, e a própria direção avisa que as reformas são escassas.
Em 2008, o terceiro e o segundo piso foram interditados a pedido da Susepe. Mesmo assim, 34 apenados seguem utilizando um dos pavimentos condenados por falta de segurança. O restante está alocado no primeiro andar e no prédio anexo. Ambos estão em condições precárias.
A sujeira e a depredação chamam atenção. A sala que deveria servir para atendimentos odontológicos é utilizada como depósito de cadeiras quebradas. Nos corredores, restos de alimento sobre as mesas servem de refeição para dezenas de gatos. Vidros e lâmpadas quebradas dão um aspecto ainda mais sombrio ao local.
São apenas 10 agentes penitenciários responsáveis pelos apenados. Há registro de confrontos e até tiroteios envolvendo funcionários e apenados. Hoje, segundo o chefe de segurança, Carlos Augusto Limberger, a situação entre eles é mais tranquila. “Eles respeitam somente porque sabem que podemos atrasar a liberdade deles.”
“O problema são os presos da região metropolitana”
O diretor comenta que são dois os principais problemas: a falta de segurança e o perfil dos presidiários. Santos afirma que apenas dois dos 140 detentos trabalham.
Uma agente penitenciária afirma que a realidade era diferente. Lembra que só homicidas eram enviados ao local e que hoje vem de tudo. “A colônia penal virou um “cadeião” para todo tipo de crimimoso.” Funcionários garantem que a maioria dos apenados nunca viu uma enxada.
O major Aílton Pereira Azevedo garante que a alta incidência de crimes registrados na cidade está diretamente relacionada ao perfil e as origens dos apenados. Diz que a transferência de presos da capital traz crimes para nossa cidade.
Afirma que a tendência é que o foragido cometa crimes na área onde estava encarcerado e garante que o fato damaioria dos presos pertencer a VEC de Porto Alegre acarreta problemas para a BM.
Todos os presos recebem do estado as passagens para visitar parentes em suas cidades e para comparecer às audiências. O custo dessas despesas ultrapassa R$ 10 mil mensais. A falta de iluminação na RS-287 preocupa. Entre os moradores próximos, ela recebe o apelido de “rota do crime”.
Prefeito aceita receber Presídio Estadual
Na última quarta-feira, o Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGI-M), composto por membros da Administração Municipal de Venâncio Aires, Ministério Público, Poder Judiciário, Brigada Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e representantes da sociedade civil organizada, se reuniu para debater a construção do presídio fechado.
Coordenador do GGI local, o prefeito Airton Artus, comenta que a construção da nova casa penal foi a solução apresentada para encerrar os problemas de insegurança naquela região.
O prefeito cobra obras de compensação ao estado. Segundo ele, a administração municipal aguarda por reforço no aparato policial da cidade, instalação de um Posto da BM em Estância Nova, regionalização da Vara de Execuções Criminais (VEC), nova Delegacia de Polícia e maior efetivo de agentes penitenciários.
Novo presídio pode beneficiar Lajeado
Orçado em R$ 22 milhões, a construção do novo presídio na área de 99 hectares foi confirmada em janeiro pelo secretário de Segurança Pública do Estado, Airton Michels. As obras devem se iniciar em junho, com prazo de oito meses para ser concluído. Serão 529 vagas para regime fechado e outras 150 para o semiaberto.
De acordo com a proposta, somente apenados da região serão encaminhados para o regime semiaberto. O fechado receberá presos da Região Metropolitana, auxiliando na realocação dos criminosos do Presídio Central, que foi interditado pelo Ministério Público do Estado. Serão aceitos presidiários de outras regiões, inclusive do Presídio de Segurança Máxima de Charqueadas (Pasc).
Segundo o superintendente da Susepe, Gelson Treiesleben, a nova estrutura pode beneficiar o Vale do Taquari, pois os presos de outras regiões poderão ir para Venâncio Aires em vez de ocupar vagas em Lajeado.
Como será construído em regime de urgência, a obra não precisa de licitação e licenciamento ambiental. A verba é do governo do estado, via Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).
Lideranças sugerem presídio regional
Durante a reunião do GGI, lideranças foram unânimes em relação ao fechamento do atual semiaberto e a construção de um presídio fechado e de um semiaberto cercado com muros dedicado apenas aos presos da região.
Hoje, cerca de 60 criminosos residentes em Venâncio Aires estão encarcerados no Presídio de Santa Cruz do Sul, que enfrenta problemas de superlotação.
Para o juiz da Comarca de Venâncio Aires, João Francisco Goulart Borges, a construção de um presídio estadual com 529 vagas pode resultar em problemas para a comunidade.
Ele defende a instalação de um complexo menor e com vagas só para detentos da região. Cita como exemplo ocorrência no presídio modelo de Dom Pedrito, que sofreu rebelião no primeiro mês de funcionamento.
Alguns moradores são contra a construção de um novo presídio na cidade de 69 moradores. Empresário no ramo de imóveis, e morando há cinco quilômetros da área da Cpava, Juarez Rodrigues, 50, chegou a confeccionar adesivos com os dizeres: “Não ao presídio estadual”.
Afirma que tem cerca de 600 assinaturas, e entende que cada cidade precisa ser responsável pelos seus presos. “Não temos nada a ver com os problemas da grande Porto Alegre.”
Segundo o promotor de Justiça, Pedro Porto, inexiste qualquer possibilidade da construção do presídio ser impedida. Ele endossa a opinião de que o presídio seja regional, destinado só para presos que vivem próximos. A mesma opinião parte de representantes do comércio, do Legislativo e do Judiciário.
Santos alerta que, caso não seja construído um novo presídio no município, cerca de 400 novos presos da Região Metropolitana serão encaminhados pela Susepe a Cpava. Antes disso, os prédios passarão por reformas nos três pavimentos, o que pode ocorrer nos próximos 60 dias. “Meu medo é ficarmos com 600 presos no semiaberto, quando somos incapazes de controlar 140.”