O dilema da educação

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O dilema da educação

Falta de estrutura, baixos salários e professores doentes são o cenário da educação. Como resultado, atritos entre educadores e estudantes transformam os colégios em ambientes que dificultam o aprendizado

aA importância da função do professor é percebida em todas as atividades. Na sociedade, representa o conhecimento que é propagado às novas gerações. Muitos fazem o papel de pai, mãe, psicólogo. Assumem responsabilidades que ultrapassam as salas de aula.

Diante da desvalorização do trabalho, dos baixos salários, da falta de estrutura nas escolas e da elevada carga horária, cada vez menos estudantes pretendem entrar na carreira.

Estudo realizado pela Fundação Carlos Chagas, “A Atratividade da Carreira Docente no Brasil”, mostra que apenas 2% dos alunos do Ensino Médio demonstram interesse em cursar Pedagogia ou alguma licenciatura, caminhos para a carreira de professor.

De 2007 até 2011, estatísticas da Educação Básica revelam que o percentual de educadores com menos de 24 anos caiu de 6% para 5,1% no país. Por outro lado, a proporção de mestres com mais de 50 anos subiu de 11,8% para 13,8%.

No estado, o quadro é o mesmo. Os professores mais jovens reduziram de 5% para 4,7% e os mais velhos avançaram de 16,3% para 18,1%.

Para o sociólogo César Brito Goes, professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), a baixa remuneração é o motivo para a pouca procura dos jovens.

Esse quadro de desestímulo é passageiro, na opinião dele. Avalia que a década de 90 foi a mais problemática para a educação. “Foi o período das greves mais longas em todo o país.” Diante do movimento dos professores, realça que os governos passaram a rever a profissão e a sociedade percebeu a importância de ter um ensino de qualidade.

Nota que o processo de valorização dos professores é lento, mas que há avanços, como o piso nacional. Mesmo que ainda não seja cumprido no estado, comenta que nos próximos anos é possível uma reversão. “Daqui a 20 anos, teremos uma condição melhor em termos de salários e a profissão voltará a ser atrativa.”

Poucos alunos nos cursos

Coordenadora do curso de Letras da Univates, Marlene Isabela Bruxel Spohr acredita que diversos fatores afastam o interesse dos mais jovens pelo ofício de professor. Para ela, o problema vai além do salário. “Falta estrutura nas escolas. Também o desrespeito dos alunos interfere nas escolhas dos novos educadores.”

Conta que alguns acadêmicos em fim de curso, quando vão para os estágios nas escolas e se deparam com o sucateamento do ensino público, desistem de continuar na área. Relata que há casos de professores formados que preferem ir para outra profissão, com salários muitas vezes menores, devido às condições precárias das escolas.

Na área de atuação da 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), quatro escolas têm o curso de Magistério. No ano passado, 75 professores se formaram para ensinar na Educação Básica. O número é considerado baixo pela coordenadora pedagógica da CRE, Sandra Ahlert. “Poderíamos formar entre 100 e 120 professores.”

Na turma formada em 2011, um total de 161 alunos iniciou o curso em 2008. Para Sandra, o resultado das desistências está vinculado à postura do antigo governo que pretendia extinguir esse tipo de formação.

Diz que a partir de 2011, a ideia mudou e houve um reforço nos cursos de Magistério, que incluem a possibilidade de formados nessa modalidade ingressarem como professores por concurso público.

Com matrículas abertas para os cursos de Magistério, a CRE espera um crescimento no número de matriculas entre 15% e 20%.

Empréstimos para formar professores

No país, estima-se que haja 710 mil vagas em aberto para professores. O governo aumenta a oferta de cursos de licenciatura e oferece bolsas de estudos em universidades particulares. De 2001 para 2006 houve crescimento de 65% na quantidade de cursos voltados à docência, mas a procura aumentou 35%. Com isso, há 55% de vagas ociosas nos cursos.

Na região, no curso de Letras da Univates, 155 alunos estão matriculados. O número é considerado baixo pela coordenadora Marlene. O mesmo é percebido em outras formações em licenciatura. Em História são pouco mais de 100 acadêmicos; Pedagogia em torno de 290 e Educação Física ultrapassa os 300 alunos.

Segundo Marlene, a cada vestibular há um aumento de 15% no número de alunos para as licenciaturas. Para ela, isso é resultado da oferta do governo em relação a financiamentos e de programas que incentivam a formação de educadores.

Família distante da escola

O pouco comprometimento dos alunos está vinculado à atenção depositada pelos pais nos estudos dos filhos. Diretora da Escola Estadual Castelo Branco, em Lajeado, Sílvia Kuhn avalia que esse distanciamento é uma das dificuldades do aprendizado.

Como os pais têm cada vez menos tempo em casa, o reflexo é visível no comportamento dos estudantes. Para ela, quando há o convívio entre família e comunidade escolar, os aiunos se sentem motivados e se dedicam às atividades da escola.

Outro aspecto alertado pela diretora é a falta de estrutura familiar. “Na sociedade atual, é cada vez mais comuns filhos de casais separados ou que são criados por avós, tios e tias. Isso interfere na educação.”

A responsabilidade de educar

Professora de Sociologia há 12 anos, Magali Schnorr lamenta que as famílias tenham abandonado a educação dos filhos. Observa que os alunos não têm limites e que muitos desrespeitam inclusive os pais. “Imagina o que falam aos professores”, completa.

Cobra que as famílias tenham mais comprometimento com a educação para reverter a condição atual do ensino. Revela que já sofreu agressões verbais dos estudantes. “Às vezes, faço que não escuto para evitar mais problemas.”

Ela começou na profissão por acaso. Diz que nunca teve como plano de vida ser professora, pois almejava continuar como pesquisadora. Com o pouco mercado para a área, prestou concurso e foi aprovada.

“Aqui fazemos o possível”

Sem os mesmos recursos das escolas privadas, a professora de Filosofia, Ana Emília Messer, 31, utiliza as ferramentas que dispõe no setor público: folhas impressas, livros e o quadro negro. Manter os alunos com foco nos conteúdos é difícil. Fazê-los assimilar os conhecimentos sem os aparatos tecnológicos, um desafio. “Aqui fazemos o possível.”

O professor Backes confirma esse problema. Segundo ele, os poucos recursos transformam as aulas em momentos monótonos para os alunos acostumados aos ambientes virtuais. “Não temos onde passar filmes e alguns computadores na sala de informática é baixa para atender a todos.”

De gerações opostas, Backes e Ana concordam que a educação pode evoluir. Mas tudo depende do investimento governamental para melhorias na estrutura, na valorização e qualificação dos professores.

Professores doentes

O Sindicato dos Professores ouviu 3.166 profissionais em educação. Destes, 49,8% alegam sofrer algum tipo de transtorno psíquico e outros 72,5% dizem se sentir nervosos, tensos ou preocupados.

Diretora do 8ª Núcleo do Cpers do Vale do Taquari, Luzia Herrmann comenta que esses resultados estão ligados a diversos fatores. Para ela, a jornada de trabalho excessiva, as condições precárias de trabalho, os baixos salários e os casos de violência nas escolas são motivos que comprovam o quadro da educação no estado.

A pesquisa será apresentada à comunidade no dia 26 de outubro, na sede da Comunidade São José Operário, em Lajeado, a partir das 19h.

Meio século na sala de aula

O professor de Geografia João Frederico Backes, 73, está na carreira há 52 anos. Começou em 1960. Lembra que naqueles anos, ser educador era uma honra. “Éramos valorizados, o salário era bom e a sociedade reconhecia a importância da função.”

Para ele, a principal mudança está no comportamento dos alunos. Comenta que as famílias repassaram a obrigação de educar aos professores. Como resultado, cita a falta de limites e a indisciplina.

A autoridade do professor hoje também é diferente. As agressões verbais, corriqueiras na atualidade, não existiam quando Backes começou no ramo. “Os estudantes vinham educados de casa.”

Lembra que o compromisso do professor era com a construção do conhecimento. Há poucos meses de se aposentar, Backes critica a postura do estado. Para ele, a cobrança imposta aos professores para que aprovem os alunos vão no sentido oposto da aprendizagem. “Hoje temos muitos conteúdos, muitas disciplinas intercaladas e os alunos não conseguem acompanhar, então perdem a vontade e muitos desistem.”

Apaixonado pela profissão, afirma que nunca foi ameaçado ou desrespeitado pelos estudantes. Diz que continuaria educando se não fossem tantas as cobranças do sistema educacional. Avalia que a burocracia e as frequentes mudanças de conceitos na educação são problemas do sistema que desestimula os professores. “Pelos alunos, eu continuaria dentro da sala.”

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