Marques de Souza – A omissão dos órgãos em atender o crime de trânsito envolvendo Ronaldo Cezar de Almeida, 19, irrita a comunidade de Tamanduá. Amigos e familiares organizam uma manifestação para amanhã, às 15h. Pretendem ficar parados no local do acidente por 50 minutos, tempo em que o jovem agonizou esperando o atendimento.
O incidente virou o principal assunto na cidade. Todos criticam a atuação das equipes de resgate e querem melhorias no serviço, mas os envolvidos sequer admitem falhas. Executivo, Sulvias, Brigada Militar (BM) e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) apenas se defendem e empurram as responsabilidades.
O acidente aconteceu às 19h20min, na Av. Expedicionária do Brasil, acesso à localidade de Tamanduá. Ronaldinho, como era conhecido pelos amigos, saia de Tamanduá com sua motocicleta CBX Twister quando colidiu de frente com a caminhonete F-1000 conduzida por Jackson Roberto Stacke, 25, morador de Linha Bastos.
Testemunhas relatam que os dois motoristas estavam embriagados. Ronaldinho estaria retornando da festa de vitória de um vereador e o motorista da F-1000 teria uma lata de cerveja aberta na carroceria da caminhonete. Ele se negou a fazer o teste do bafômetro e foi autuado por embriaguez por meio de prova testemunhal.
Amigo da vítima, Alex Roque Feronatto, 21, foi um dos primeiros a chegar ao local, cerca de 10 minutos depois da batida. E aguardou a chegada da ambulância do Hospital de Marques de Souza por 20 minutos segurando as mãos da vítima. “Ele respirava e estava consciente. Eu falava para ele apertar a minha mão e ele apertava.”
O rapaz morava há um ano em Lajeado, onde trabalhava como vendedor em uma empresa de materiais de construção. Ele visitava a família com frequência. Conforme a vizinha Glaci Pereira, 57, que acompanhou o crescimento de Ronaldo, o jovem era dedicado e queria crescer profissionalmente.
Protesto contra a omissão
Na mobilização de amanhã, os manifestantes, coordenados pelo bloco Super Genros, do qual Ronaldo era integrante, se reúnem no local do acidente. Com camisetas brancas, faixas e cartazes, ficarão parados durante 50 minutos, tempo em que Ronaldo permaneceu com vida à espera de socorro.
Uma das integrantes, Franciele Kunzler lamenta a morte do amigo e diz que o grupo precisava organizar um protesto tamanha a revolta das pessoas. A iniciativa visa solicitar uma ambulância permanente ao posto de pedágio de Picada May, na BR-386, e tem o apoio do Programa Vida Urgente e de moradores dos municípios vizinhos, como Pouso Novo, Progresso, Travesseiro, Boqueirão do Leão e Lajeado.
Diferentes versões sobre o caso
Sem equipamentos
A equipe ambulatorial do município foi a primeira a ser acionada. Embora a população afirme que o serviço foi chamado próximo das 19h20min, a secretária de Saúde, Maristela Seibel afirma que o pedido de socorro foi feito às 19h55min e que no mesmo momento se contatou o Samu.
Mesmo sem os equipamentos e profissionais adequados, a ambulância se deslocou até o local do acidente, sendo impedida de prestar o socorro pela Brigada Militar. Maristela alega que não há como manter um técnico ou médico trabalhando 24 horas para o serviço de atendimento móvel.
“Se fizéssemos o atendimento, teríamos que levar primeiro a vítima para o hospital de Marques, com o qual temos convênio, e depois transferir para Lajeado. Ele não resistiria.” A secretaria diz que a população poderia ter levado a vítima para o hospital, mas seria responsável pelo ato.
Impediram o socorro da administração
Nos registros da BM de Marques de Souza consta que o órgão foi informado do fato às 19h55min e chegou ao local às 20h. Na ocorrência, os policiais descrevem que viram Ronaldo gravemente ferido e logo solicitaram o resgate do Samu.
Em seguida, a ambulância da administração chegou ao local, e os policiais informaram ao motorista que não poderia fazer o resgate pela falta de estrutura, optando por aguardar o Samu, que havia sido chamado.
Depois que a equipe de socorro chegou, Ronaldo já estava morto. O corpo foi isolado até a chegada da perícia. Os policiais constataram que o condutor do veículo apresentava visíveis sinais de embriaguez.
Samu levou 20 minutos
O Samu elabora um relatório de serviço para comprovar o horário em que foi chamado para a ocorrência. A coordenadora do Consórcio Intermunicipal de Saúde (Consisa), Maria Beatriz Pegas salienta que o chamado foi atendido o mais rápido possível pela equipe técnica.
De acordo com os registros, o Samu foi acionado pela BM às 20h10min e chegou ao local às 20h30min. Maria conta que durante o trajeto, a ambulância fez uma parada para pedir informações sobre o local do acidente e que isso levou menos de um minuto.
O médico plantonista relatou em seu laudo que o rapaz teve hemorragia interna e que possivelmente não sobreviveria durante o socorro. Maria conta que o tórax do rapaz estava exposto e qualquer movimentação seria fatal. Ela diz que o Samu não é responsável pela demora no atendimento e que as pessoas que tentaram ajudar a vítima fizeram a escolha errada quando ligaram primeiro para o hospital em vez da polícia.
A coordenadora esclarece que os bombeiros e a polícia foram orientados a pedir ajuda direta para o Samu quando houver esse tipo de acidente. O serviço se chama regulação inversa. No lugar de ligar para uma central em Porto Alegre, em que são atendidos chamados de todo o estado, os policiais ligam direto para o número da sede em Lajeado.
Fora da área de concessão
Testemunhas alegam que contataram o resgate da Sulvias logo após o acidente, visto que a praça do pedágio fica cerca de dois quilômetros do local. Mas, nesse posto não há unidade móvel de saúde e teriam que deslocar uma equipe de Arroio do Meio.
Outra alegação é de que o acidente aconteceu fora da área de concessão. Porém, Ronado sofreu a queda cinco metros antes de acessar a BR-386, rodovia de responsabilidade da concessionária. De acordo com o contrato, a área de domínio da rodovia é de 50 metros, contando a partir do meio fio.
Família exige justiça
“Mãe, eu tô aqui, mãe”. Essa foi a última frase de Ronaldo para sua mãe Salete Maria de Almeida, 64. “Onde dói filho?”, mas não obteve resposta. Salete chegou cerca de 30 minutos após o acidente e encontrou o filho deitado no chão, enquanto a ambulância de Marques de Souza estava parada. “Ele estava jogado na valeta como se fosse um bicho e implorei para alguém tirar ele de lá. Quando tentei fazer isso, me impediram.”
Relata que almoçou com o filho horas antes da tragédia. No encontro, o jovem disse que estava progredindo na empresa de materiais de construção – onde atuava como vendedor há quase um ano – e tinha o interesse de comprar uma moradia em Lajeado por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Em função do trauma, Salete mora temporariamente com os filhos em Lajeado. Entre os familiares, o sentimento é de revolta. “Queremos justiça”, afirma o irmão Roberto, 28, que reclama da inoperância dos sistemas de atendimento.
O irmão questiona a demora da Samu e o fato da Sulvias não ter atendido logo a chamada porque o acidente aconteceu a cinco metros da BR-386. “Pagamos o pedágio mais caro do Brasil e não havia uma ambulância disponível para socorrer ele.”
A falta de sinalização no acesso a Tamanduá é outra queixa de Roberto. Ele destaca que faltam placas. Reclama que a Av. Expedicionária do Brasil é estreita. Os familiares exigem a punição ao motorista que se negou a fazer o teste do bafômetro, conforme o boletim da Polícia de Lajeado. “Ele matou meu filho e agora está solto pelas ruas”, desabafa Salete.
Ronaldo é o filho caçula da família Almeida. Tinha o sonho de ser jogador de futebol e chegou a passar duas semanas nas categorias de base do Grêmio. Criado durante toda a adolescência apenas pela mãe – o pai Otávio mudou-se para Osório –, Ronaldo se acostumou a trabalhar cedo. Com 12 anos, começou a atuar no restaurante de Lauro Stacke e, desde então, só parou no domingo.
Comunidade se une para protestar
“Essa situação é triste. Disseram que ele ficou mais de uma hora jogado na valeta e ninguém podia ajudá-lo. Nem a Sulvias veio logo, isso que estamos perto do pedágio. Nem vi o acidente, mas mesmo assim não consegui dormir à noite.” Reni Bottega, 37
“Esse é o comentário geral agora na comunidade e estamos todos revoltados, principalmente com a demora no atendimento. Acho que se o socorro tivesse vindo antes, ele teria sobrevivido.”
Jandir Brener, 46
“Nasci aqui e nunca vi um acidente em que demoraram tanto para atender. O rapaz estava vivo e não deixaram levar na ambulância. Os moradores estão revoltados, só que ele não vai mais voltar a viver.” Paulo Valmor Espich, 56
“Conhecia o Ronaldo desde que ele tinha 10 anos. Lembro que quando vinha da escola todo corcunda eu sempre pedia para ajeitar a postura e ele erguia o peito. A família passava muitas dificuldades e ele foi trabalhar em Lajeado para melhorar de vida. No dia do acidente, a Salete (mãe de Ronaldo) estava em choque. Ela só gritava, mas não chorou uma lágrima.” Glaci Pereira, 57