MP confirma desvio

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MP confirma desvio

Presidente teria enganado cozinheira e funcionários para ganhar R$ 99 mil

aAcusações de desvio de dinheiro abalam o Centro Terapêutico de Tratamento do Alcoolismo (Central), que há um ano e sete meses quase encerrou as atividades devido às exigências sanitárias. Agora, o presidente Adagildo Escobar Brizola é investigado pelo Ministério Público (MP) por apropriação indébita de recursos da entidade e acusado de ludibriar e coagir funcionários. Conforme dados dos relatórios sobre os vales-refeição, pelo menos R$ 99 mil foram desviados da clínica em nove meses.

O promotor de Justiça, Sérgio Diefenbach analisa o caso há 30 dias. Ele encaminhou a prestação de contas da instituição para que seja avaliada pelos contadores da Promotoria de Porto Alegre. Em paralelo, solicitou à diretoria da Central que contrate uma auditoria interna para que haja mais comprovações técnicas.

A acusação mais grave contra o presidente é o superfaturamento do valor pago à empresa responsável pelo café da manhã, almoço e janta dos internos. Foram, pelo menos, R$ 12 mil cobrados a mais por mês.

Ex-interno da clínica por dependência em álcool e drogas, Adalgido assumiu o comando da entidade em junho de 2011, depois que Roque Lopes, com 25 anos na administração, deixou o cargo. Na época, a troca ocorreu porque o MP cobrou melhorias na estrutura e Lopes, insatisfeito com a interferência do órgão, decidiu se afastar.

O novo coordenador, então com mais de R$ 200 mil em caixa, fez as reformas solicitadas e adaptou todo o ambiente de atendimento, desde pintura do prédio e ampliação de equipe técnica até reestruturação do sistema de esgoto. Há pouco, comprou uma área ao lado da entidade para aumentar a estrutura.

“Eu sabia do erro, mas fiz porque me enganou”

A proprietária da empresa responsável pelas refeições confessa que aceitou a proposta do presidente, mesmo sabendo que era ilegal, e repassou notas fiscais com valores maiores para que os números do caixa da Central fechassem no fim do mês. Segundo ela, o presidente afirmou que o promotor estava de acordo com a negociação.

Segundo a mulher, quando a nova diretoria assumiu a entidade, chamaram-na para uma reunião na secretaria. “O Adagildo me disse que não trabalharia de graça, e o Ivan Pretto (vice-presidente) falou que estudou todos os lados e o único meio de ganhar dinheiro seria pelos vales-refeição.” Como a proposta veio dos chefes, ela pensou que assim teria seu emprego garantido. “Não pensei muito e jamais pensei que seriam R$ 12 mil por mês, achei no máximo que fosse R$ 2 mil.”

Depois de perceber que o valor era maior que ela imaginava, relata ter questionado o presidente se o promotor sabia do fato. “Ele me disse que o Diefenbach sabia e que estava procurando uma forma dele ganhar legalmente o ordenado.”

Funcionária afirma que manipula os números

Uma funcionária do setor administrativo confirma que adulterava todos os meses os números do caixa referentes ao vale-alimentação para que a soma dos valores retirados fechasse. Segundo ela, a empresa responsável pela cozinha recebe dois cheques por semana e, de forma intercalada, um deles é retirado por Adalgido. “Eram três mil de vale em uma semana, mais três em outra e assim desde que assumiu o cargo.”

Ela conta que sempre foi usada a mesma planilha durante os 25 anos da clínica e nunca houve adulterações de valores. “Quando fecha o mês, o sistema aponta que falta dinheiro no caixa, daí manipulamos os números até zerar.”

Conforme a funcionária, todos os gastos com lanches e gasolina do presidente e de outros membros da família que trabalham na entidade são pagos pela Central. “Uma média de R$ 200 por mês em picolés, refrigerantes e outras coisas.”

Promotoria investigará todos envolvidos

Além do presidente da entidade, serão investigadas a proprietária da empresa responsável pela alimentação e as funcionárias que auxiliaram na manipulação de dados. “Faremos um pente fino nos gastos para apontar a distorção”, diz o promotor.

Como a entidade é mantida com recursos repassados pelos municípios conveniados, a investigação, de acordo com Diefembach, será ainda mais minuciosa.

Depois de comprovada a autoria, a pessoa será afastada do cargo. Porém, a Promotoria não poderá cobrar o reembolso do valor retirado, porque se trata de uma instituição particular. Isso terá que ser feito pelo conselho fiscal da entidade.

Diefenbach salienta que hoje o presidente da Central não pode ser remunerado. Seu trabalho de gerenciar a instituição deve ser voluntário, assim como o de todos os membros da diretoria. Outros valores e benefícios usufruídos pela entidade, como lanches e gasolina, foram definidos pelo promotor como gastos justificáveis.

Estrutura da clínica

A Central tem hoje uma Unidade de Desintoxicação (UD) com capacidade para 33 pessoas. São 27 leitos masculinos e seis femininos. No total, são 114 leitos com as enfermarias. Hoje há 22 funcionários para cuidar da estrutura.

No local há um refeitório para cem pessoas onde são servidos tanto os pacientes como os familiares. O auditório tem 196 lugares e é usado para as reuniões de Alcoólicos Anônimos (AA), terapias de grupo, seminários e programas familiares.

Há quatro salas de terapia, quiosque, academia de musculação e ginástica, biblioteca, sala de palestras, espaços para leitura e cancha de bocha. Hoje, são atendidos 62 pacientes, dos quais 35% por motivo de dependência alcoólica, e o restante por drogas ilícitas.

Presidente da Central, Adagildo Escobar Brizola nega as acusações

Jornal A Hora – Você é acusado de desviar dinheiro da Central por superfaturar valores da refeição. O que tem a dizer?

Adagildo Escobar Brizola – Quando me candidatei sabia que estava colocando minha cara a tapa, que sofreria acusações e que depois de um ano teria que prestar contas de todo o dinheiro que usei. Mas isso que estão falando não é verdade. Faço um trabalho voluntário aqui. Me acusam porque tenho uma outra área de terras em Estrela e sonho em construir uma fazenda para dependentes lá, mas é um serviço diferente da Central. E outra coisa, hoje está fácil cuidar da clínica. Olha o que fizemos na Central, olha o que ela é hoje. Querem assumir meu lugar.

– Nos relatórios dos vales-alimentação há erros de cálculos e valores pagos a mais. Você autorizou isso?

Adagildo – Aqui tudo é pago com nota. Só pagamos com nota. Tudo! Se eles deram a nota errada, é problema deles.

– Uma das testemunhas disse que você firmou parceria com a Promotoria para modificar o estatuto e ser remunerado. Isto é verdade?

Adagildo – Sim, exatamente… Bom temos que ser responsáveis no que falamos. Na verdade, conversei com o promotor para ver se posso receber salário, depois que estiver em uma fase terminal das obras na Central. Acho que é justo. Trabalho 24 horas aqui dentro, dou meu sangue aqui.

– Quantas horas você fica por dia na clínica? Ela é sua única renda?

Adagildo – Eu passo o dia todo aqui. Eu tenho uma loja de automóveis que meus filhos cuidam, porque passo o dia todo dentro da Central.

– Você fará a auditoria interna que foi indicada pela Promotoria?

Adagildo – Já estamos fazendo a auditoria interna. Mas não faremos só da nossa administração, queremos fazer a partir de 2009. O que estão me cobrando é se existe alguma irregularidade. Vai ser apurado, mas outras coisas também vão aparecer. Não há provas de nada, o próprio promotor me disse que são supostas acusações. Hoje, meu negócio é trabalhar.

A sociedade merece explicações

Nos 25 anos de funcionamento, a Central conquistou seu reconhecimento profissional. Hoje é uma das poucas clínicas do estado com liberação de todos os alvarás de licença e com uma Unidade de Desintoxicação (UD) organizada.

Contudo, todas essas qualificações estão postas à prova. A entidade passa mais uma vez por problemas. Primeiro, foram as normativas da vigilância sanitária exigidas pelo Ministério Público, que por pouco não levaram a Central a encerrar as atividades. E, agora, a suspeita de desvio de dinheiro.

A promotoria do estado terá a missão de passar um “pente fino” nas contas da entidade e esclarecer à comunidade o que ocorre. A discussão sobre os valores cobrados aos internos, tanto discutida na troca de presidência, agora se torna incoerente.

O valor do tratamento passou dos R$ 1,5 mil para R$ 3 mil. A justificativa era de que a entidade passava por dificuldades financeiras, mas hoje a prestação de contas mostra os desvios e gastos fúteis com o dinheiro da Central.

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