Os vereadores de município pequeno podem ter de exercer a função sem receber subsídios. Está nas mãos do relator de Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, senador Aloysio Ferreira (PSDB/SP), a proposta que elimina a remuneração dos legisladores de cidades com menos de 50 mil habitantes.
O projeto de emenda à constituição (PEC) foi criado pelo senador Cyro Miranda (PSDB/GO) e encaminhada para análise dos demais em 30 de agosto. Depois do relatório final, será votado pelos 81 senadores. A data está indefinida.
A medida atingiria 36 dos 37 municípios do Vale do Taquari – só os vereadores de Lajeado continuariam recebendo os subsídios. A economia nos demais legislativos chegaria a R$ 8,6 milhões por ano.
Miranda critica a maneira como os vereadores exercem a função. “Eles estão transformando a atividade em uma profissão”, condena. Ressalta que a atividade ficou restrita à concessão de títulos honorários a moradores e à nomeação de ruas, em vez de fiscalizar as ações do Executivo.
Conforme o tucano, a proposta surgiu depois de uma conversa com alguns prefeitos no ano passado, durante a Marcha a Brasília. Cita alguns casos em que os gestores públicos reclamavam da falta de recursos para investimentos. O motivo: os subsídios estavam acima do trabalho realizado pelos vereadores.
“É inconcebível que em municípios com até cinco mil habitantes, tenham vereadores que ganhem R$ 5 mil para se reunir poucas vezes por mês.” Salienta que é comum em cidades pequenas as sessões do Legislativo se resumirem a um encontro por semana com duração de duas horas.
Miranda afirma que a proposta se estenderá às assembleias legislativas, à Câmara dos Deputados e ao Senado. Se esquiva de quando um projeto como esse será encaminhado. Justifica a escolha pelas câmaras de vereadores por ser o começo da carreira pública da maioria dos políticos.
“Sei que eles vão pressionar contra”
O projeto recebeu a assinatura de 30 dos 81 senadores e pode ser incluída nas votações – desde que aprovada pela CCJ. Miranda reconhece que haverá reclamação por parte dos vereadores. “Sei que eles pressionarão os senadores a votarem contra por ser uma matéria política.”
Para o tucano, a medida polêmica facilitará os investimentos municipais em setores como a Educação e a Saúde. Considera o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) irrisórios às cidades pequenas. Parte deste dinheiro é repassado ao orçamento da câmara.
Mudanças podem ocorrer a pedido dos demais parlamentares. Uma delas é a inclusão de algum tipo de benefício aos vereadores eleitos – como ganhar um ou dois salários mínimos por mês. Miranda é contra esta possibilidade, por acreditar que os subsídios podem voltar ao patamar atual.
Para a proposta se tornar válida, é necessária a aprovação de 54 dos 81 senadores. Depois, é encaminhado aos deputados federais e precisa ser aprovado por dois terços antes de ser encaminhado para a sanção da Presidência.
Líderes comunitários
Miranda defende a volta dos vereadores comunitários aos Legislativos menores. O trabalho era exercido até o início da década de 1970, quando só os das capitais recebiam uma quantia a cada fim de mês.
Os pagamentos de subsídios foram autorizados a partir de 1974, com uma alteração na Constituição. Foi nesta época que os vereadores de Lajeado começaram a receber para exercer a função.
O ex-prefeito de Lajeado, Cláudio Schumacher, foi vereador do município quando o Legislativo não recebiam subsídios. Para ele, a atividade era um prejuízo para os eleitos – em especial os de comunidades do interior.
“Alguns tinham que vir de ônibus a Lajeado um dia antes para participar das sessões.” Os encontros ocorriam nas manhãs de sábado e a única remuneração dos legisladores eram os churrascos de domingo.
O advogado Venâncio Diersmann é outro ex-vereador de Lajeado que considera a atividade naquela época causava prejuízos financeiros aos líderes comunitários. Cita a vez em que teve que consertar o Fusca com recursos próprios. Ele se dirigia ao distrito onde hoje fica Boqueirão do Leão quando o carro estragou.
Schumacher é contra a proposta do senador. Para ele, o ideal seria incluir uma ajuda de custo – no qual seriam pagos o combustível e outros gastos do vereador. A maior mudança seria na contratação de assessores: ele quer que o número de cargos disponíveis seja limitado.
“Fim da política de clientela”
O cientista político e professor da Unisinos, Bruno Lima Rocha diz que há um ponto positivo e dois negativos com a proposta. O benefício seria o de evitar o que chama de “política de clientela”, no qual os candidatos disputam a vaga apenas para receber o subsídio.
Concorda com Miranda, quando o tucano diz que hoje os vereadores estão mais propensos a nomear ruas e conceder títulos honorários do que fazer o papel fiscalizador que a função exige.
Sobre os prejuízos à comunidade, Rocha destaca a falta de representatividade caso os subsídios para os Legislativos de municípios pequenos sejam extintos. “Nestas cidades, o poder dos Executivos é forte, e a atividade dos vereadores ficaria mais restrita.”
Outro fator apontado é o enfraquecimento na busca por recursos federais, uma vez que poucos estariam dispostos a ser vereador. Para Rocha, o ideal seria a concessão de ajudas de custos, a fim de indenizar o legislador durante o exercício do cargo.
Promover o debate
Os senadores gaúchos Ana Amélia Lemos (PP), Paulo Paim (PT) e Pedro Simon (PMDB) assinaram a proposta de Miranda. Mas não significa que concordam com a posição do tucano.
Paim e Simon são contrários à proposta. Querem que o Congresso aproveite a PEC para ampliar a discussão sobre o assunto. Consideram a remuneração dos vereadores como necessária.
Para o petista, a proposta é “sem sentido”. Classifica como injusta para os candidatos mais humildes – os vereadores são os únicos agente públicos com permissão de trabalhar e exercer a função. “Como um pobre pagará para trabalhar?”
Simon acompanha a manifestação do colega gaúcho. Diz que o debate se estenderá para os agentes políticos das esferas municipais, estaduais e federal. “Tem alguns municípios exagerados, como no Centro Oeste, com vereadores ganhando mais do que deputado”, critica.
O que dizem os senadores
Pedro Simon (PMDB/RS)
“O documento foi assinado para iniciar uma discussão e revertermos essa história da remuneração da classe política. Os políticos precisam ter mais responsabilidade, o que falta a muitos hoje. Mas considero apropriado algum tipo de remuneração.”
Paulo Paim (PT/RS)
“Discordo da proposta. Ela beneficia quem detém o poder econômico e atrapalha os projetos dos com menor poder aquisitivo. Assinei o documento para que o assunto seja debatido pelos meus colegas. (O Congresso) tem que construir uma alternativa em comum acordo com os vereadores para estabelecer que tipo de remuneração terão.”
Cyro Miranda (PSDB/GO)
“É injusto alguém (candidato) dizer que lutará pela educação e pela saúde, se ele entra na política por causa do salário (sic). Vereador tem que atuar em prol da comunidade. Hoje eles fazem disso uma profissão. No futuro, a proposta incluirá os Legislativos nos âmbitos estaduais e federal, mas tivemos que começar pela base.”