Um porto à deriva

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Um porto à deriva

Pouco interesse de empresas privadas e falta de incentivo governamental ao transporte fluvial transformam área de 12 hectares em um sítio de ociosidade

E difícil encontrar funcionários em meio aos armazéns e silos instalados à margem estrelense do Rio Taquari. O abandono é visível e o silêncio comprova a pouca serventia do local. Após 35 anos de sua construção, o Porto Fluvial de Estrela movimenta menos de 20% da sua capacidade anual, que pode chegar até três milhões de toneladas. Prejuízo superior a R$ 600 mil por ano.

pHá duas décadas, 50 barcos faziam o transporte no estado. Hoje, o número de embarcações não chega a 20. Nos armazéns estão estocados quatro mil toneladas de fertilizantes e grãos – 8% da capacidade utilizada.

Na época de maior atividade, o porto chegou a ter 33 funcionários. Nos últimos 20 anos, caiu para 17 e nenhuma nova contratação ocorreu.

Em 2009, um seminário foi realizado no município com o Ministério dos Transportes para elaborar um plano de reutilização do porto. Três anos depois, nada saiu do papel.

Trabalhando há 24 anos no local, o chefe do setor de engenharia do porto, Homero Soeiro de Souza Molina desacredita em qualquer troca antes das próximas duas décadas. Afirma que a adoção do modelo hidroviário passa por uma mudança de mentalidade dos empresários e do governo.

Relata que as dificuldades de subaproveitamento do porto estão ligadas aos custos do transporte, que mesmo sendo em torno de 20% mais baratos do que os do sistema rodoviário, é mais demorado e sem prazos garantidos para entrega das cargas. “Se contabilizar tudo isso, descarga dos caminhões, embarque de produtos e o transporte, o preço será quase o mesmo dos fretes com caminhão.”

Para ele, as empresas deveriam ficar próximas dos rios. Isso diminuiria os custos e a quantidade de caminhões nas estradas. “

A distância de 188 quilômetros de Estrela a Porto Alegre pelo Rio Taquari leva cerca de 12 horas de navegação. Até Rio Grande, a viagem de 458 quilômetros é percorrida em no mínimo 36 horas. O custo depende do tipo de produto, mas a média fica em torno dos R$ 30 por tonelada transportada.

As tarifas do porto variam de R$ 1 até R$ 4,20 por tonelada movimentada. A estocagem por 15 dias custa R$ 1,50.

União pretende retomar transporte fluvial

Superintendente das Hidrovias do Sul, órgão ligado ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), e administrador do porto de Estrela, José Luiz Fay de Azambuja tem uma visão diferente de Molina.

Cita a projeção do governo federal de investir em projetos ligados aos transportes ferroviário e hidroviário. Segundo ele, essa postura motiva que entidades empresariais, como a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS), adotem ações para incentivar o uso dos modais.

Afirma que pelo Rio Taquari é possível transportar mais do que grãos e areia. Defende o uso de contêineres, o que permite levar diversos produtos, como móveis, fumo e frango para Rio Grande.

Mesmo com a lentidão das mudanças, ressalta que há uma nova consciência sobre a importância de usar o rio no transporte de cargas. Acredita que em pouco tempo o porto de Estrela voltará a ser mais aproveitado.

Município quer assumir o porto

O prefeito de Estrela e integrante do Conselho de Autoridades Portuárias, Celso Brönstrup, cita a pressão imposta por multinacionais como outra barreira ao transporte fluvial. “Nas últimas décadas, houve uma valorização da indústria automotora e muitos investimentos para construção de rodovias.”

Segundo ele, diversas reuniões foram realizadas. Muitas ideias surgiram e foram levadas a Brasília. Mas, depois disso pararam. Culpa a falta de interesse da União para reverter o quadro e transformar o modal hidroviário em uma alternativa viável às empresas.

Sobre a proposta de privatizar o local, pondera. Para ele, tanto o governo federal quanto o estado devem se posicionar e construir um plano prático para o uso. Diz que o porto poderia ser repassado ao município.

Com esse processo, seria possível licitar uma concessão privada para os próximos 20 ou 30 anos. Acredita que isso transformaria o posto, tornando-o uma plataforma de negócios.

Outra sugestão abordada por Brönstrup é uma política voltada à racionalização do uso de rodovias. Em vez de as carretas descarregarem as cargas e voltarem vazias, poderiam ser recarregadas com outros produtos no próprio porto.

Para ele, com a mobilização dos setores empresarial e político, aliada ao compromisso de órgãos federais e estaduais em adotar posições efetivas para a resolução do problema, é possível desenvolver um planejamento e adequar o porto às necessidades das empresas.

Plano de negócios

No dia 26 de junho, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) visitou Estrela. Na ocasião, empresários, políticos e a administração do porto mostraram os problemas que travam o uso da estrutura.

Depois disso, foi estipulada uma reunião com a presença de representantes do Dnit, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), do Conselho da Autoridade Portuária e entidades do Vale. O encontro foi marcado para o fim de setembro.

Na avaliação do presidente da Câmara da Indústria, Comércio e Serviço do Vale do Taquari (CIC/VT), Ordeno Ardêmio Heineck, a iniciativa busca elaborar um plano de negócios para ser implementado no intermodal rodo-hidroviário de Estrela.

Outro objetivo do encontro é fazer com que os órgãos públicos se comprometam em adotar medidas práticas para fortalecer o uso do transporte fluvial. “Queremos estabelecer parcerias na criação de projetos para o porto.”

Teste de transporte pelo rio falhou

Há quatro anos, a Fruki realizou algumas experiências para transportar as bebidas pelo Rio Taquari. Mesmo com custos 18% mais baratos, a avaria nas embalagens e nos produtos determinou a desistência no uso desse modal.

O gerente de logística da empresa, Alexandre Fraga, atribui isso à falta de embarcações adaptadas para levar produtos industriais. Outro aspecto são as limitações ligadas às condições do clima, como enchentes e secas. “A todo momento precisamos transferir cargas para manter o estoque nas filiais.”

Pouca profundidade para navegação

Uma empresa faz o transporte de cargas entre Estrela, Porto Alegre e Rio Grande. A principal dificuldade apontada pelo diretor operacional da Navegação Aliança, Ático Scherer, está no calado do rio.

Segundo ele, é necessário investir na dragagem para melhorar as condições de navegação. Conta que os problemas são mais visíveis no trecho entre o porto e a eclusa de Bom Retiro do Sul e de Taquari, com encalhes frequentes, as pedras na margem dificultam a navegação.

Afirma que com esse tipo de investimento, seria possível aumentar o número de viagens, que hoje, com o nível do rio em situação normal, chega a três por semana.

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