Medo e vandalismo arruínam o Ciep

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Medo e vandalismo arruínam o Ciep

Escola construída para ser referência, com aulas em turno integral para alunos do bairro Santo Antônio, o antigo Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) sofre com o descaso dos órgãos públicos e se mantém graças à dedicação dos poucos profissionais que encaram ameaças diárias.

aA insegurança nos ambientes da Escola Estadual Santo Antônio – antigo Ciep – dificulta o aprendizado das crianças e tumultua o ambiente de trabalho dos professores. Vidros quebrados, infiltrações, estruturas danificadas e até salas de aula utilizadas como moradia improvisada retratam uma realidade preocupante. Agressões de alunos a professores fecham o ciclo de desamparo que a comunidade escolar suporta há anos.

Nessa sexta-feira, havia uma viatura da Brigada Militar na entrada do local com mais de 4,5 mil metros quadrados de área construída no topo do bairro Santo Antônio. Os soldados estavam lá para ministrar as aulas do Programa Estadual de Resistência às Drogas (Proerd). A presença do veículo fez com que o ambiente em frente à escola ficasse tranquilo. Quase nunca é assim.

Os relatos de professores e funcionários mostram casos de indisciplina e vandalismo. Fora do ambiente escolar, dois veículos de educadores foram arrombados nas últimas duas semanas. Os criminosos levaram os rádios. A suspeita é que o destino dos aparelhos seja para comprar drogas.

Ao lado da viatura estava a Kombi escolar, com duas janelas laterais trincadas depois de ser apedrejada. Entre quatro a seis alunos são citados como responsáveis pelas depredações. Os horários com maior aglomeração de baderneiros em frente da escola ocorrem às 9h30min e no período da noite.

Outros carros tiveram suas latarias rabiscadas com canivetes. Foram inscritas ofensas como “vagabunda” e outras palavras de baixo calão. “Uma professora gastou R$ 120 no conserto. O equivalente ao que recebe pelo vale-transporte”, comenta uma educadora. Ela trabalha há cinco anos e pretende deixar a escola. No início do ano, pediu transferência.

Dentro do colégio, os mesmos arruaceiros agem sem respeitar os demais colegas, professores e funcionários. Pulam muros e invadem salas de aula fora de seus horários escolares. Ameaçam e até agridem professores.

O comportamento é típico de usuários de drogas. “Já ameaçaram professor com tesouras. Queriam a chave para sair da escola”, relata uma professora. Certa vez, um educador teve o celular quebrado por um dos alunos.

Muitos funcionários querem deixar a escola. As constantes intimidações e a falta de investimento do governo são as principais razões. “Aqui somos ameaçados todos os dias. É insuportável”, diz a educadora. Ela conta que na semana passada, uma colega foi empurrada contra as grades por alunos que estavam com pressa. “O respeito acabou.”

Desde 2006 na escola, a professora Kelen Giongo endossa as reclamações da colega. Seu carro foi riscado no ano passado. Cobra maior patrulhamento por parte dos órgãos de segurança. “Foram oito veículos riscados em 2011.”

Ela lamenta que outros adolescentes sejam prejudicados. “Há excelentes estudantes que estão pagando pelos erros de uma minoria. Isso desmotiva os professores.”

Família mora em sala de aula

Os órgãos responsáveis desconhecem a realidade dentro do prédio, o que evidencia a falta de fiscalização e de vistorias no local. Há dois anos, uma família mora no terceiro andar da escola. O acesso ao pavimento fica trancado por um cadeado durante o dia.

Duas salas de aula servem como quarto, cozinha e sala para Altemir Grilli, a mulher e três filhos. Natural de Pouso Novo, ele é funcionário de uma empresa de limpeza urbana e vigia o local no turno da noite. A família utiliza ainda o banheiro e a sala para depósito de material de limpeza.

Reunião define medidas

Os órgãos de segurança se reuniram com a direção da escola e com a coordenadora da 3ª CRE, Marisa Bastos, ontem. O encontro foi na Delegacia Regional de Polícia Civil (PC). Os participantes definiram uma série de medidas para coibir os atos de indisciplina e de vandalismo no colégio e nas ruas próximas.

Conforme a delegada Elisabete Müller, foi estabelecido um trabalho em rede, em que cada entidade pública terá uma responsabilidade. A PC identificará os usuários de drogas que frequentam as proximidades da instituição. O patrulhamento da Brigada Militar (BM) será mais efetivo na região, em especial nos horários dos intervalos, na entrada e saída de cada turno.

Outras medidas estão ligadas à conscientização dos pais e alunos. Estão programadas palestras com policiais. Os pais também serão procurados. O Conselho Tutelar terá de encaminhar pedidos de internação dos usuários de drogas e os afastamentos dos alunos indisciplinados ao MP.

Um outro encontro está marcado para o dia 13 de agosto. Na ocasião, serão avaliados os resultados da ofensiva dos órgãos contra a violência na escola.

Drogas na escola

Estudo da Secretaria Estadual de Educação vincula o consumo de drogas ao aumento da violência nas escolas. Conforme o coordenador estadual do Comitê Comunitário de Preservação à Violência nas Escolas, Alejandro Jelvez, é preciso dividir as responsabilidades.

No levantamento, foram constatados diversos tipos de agressões. As mais comuns são as morais. “As ofensas verbais fazem parte do cotidiano das escolas.” Segundo Jelvez, o desrespeito com os professores e entre os alunos se tornou uma postura normal nas salas de aula.

Outros problemas levantados são a falta de comprometimento com os estudos e a depredação do patrimônio escolar.

Para ele, é necessário criar redes de apoio, com participação de órgãos de segurança, MP, Conselho Tutelar, direção dos colégios e Círculo de Pais e Mestres (CPM). “As escolas têm de elaborar medidas de enfrentamento dos problemas.”

Jelvez ressalta que muitos casos de indisciplina ocorrem no entorno das instituições, que fogem do controle da escola. “A polícia precisa ser chamada para controlar essas situações.”

Está marcado para o dia 16 de agosto, o seminário de prevenção à violência na região. A CRE contatou a Secretaria Estadual de Educação para antecipar o evento.

“A responsabilidade não pode cair sobre os adolescentes”

Para o promotor de Justiça, Neidemar José Fachinetto, afastar os alunos baderneiros não resolve o problema. “A responsabilidade não pode cair sobre os adolescentes.” Acredita que o enfrentamento dessa situação de crise deve reunir as instituições de segurança pública, direção do colégio, MP e famílias. “Com essa rede de organizações, a tendência é que a escola supere as dificuldades.”

Avalia como positiva a postura dos órgãos em elaborar algumas medidas para coibir os atos de indisciplina.

Outro aspecto ressaltado pelo promotor é sobre a estrutura do colégio. Segundo ele, há informações de falta de professores e com relação ao cuidado com o prédio. Na opinião dele, é necessário tornar o espaço mais atrativo. Sugere que sejam criados novos projetos para manter os adolescentes mais tempo na escola.

Destruição, sujeira e abandono

A proposta da escola era ser um centro educacional em turno integral para os estudantes do bairro Santo Antônio. Um investimento de R$ 1,1 milhão que parece perdido em uma área próxima de casebres de madeira construídos em terrenos invadidos. Ao todo, são 50 funcionários trabalhando na escola. Destes, 45 são professores.

Hoje são 450 alunos, para um espaço que poderia receber o dobro. Logo no corredor de entrada é possível testemunhar o abandono e as marcas de vandalismo no prédio. É raro encontrar duas vidraças inteiras próximas uma da outra. Quase todas estão quebradas.

Dentro do colégio, o ambiente é frio e úmido. Em dias de chuva, a falta de vidros possibilita que a água entre e invada os corredores. A pouca iluminação torna o prédio sombrio. A maioria dos ambientes é resguardada por cadeados. Alguns trabalhos das turmas enfeitam as paredes. São mensagens de cidadania. “Converse ao invés de brigar” diz um cartaz. Os textos contrastam com as brincadeiras de luta entre os estudantes.

Chovia na tarde da sexta-feira passada, o que deixava o piso dos corredores cheio de poças de água. É impossível não encharcar os pés. “Ontem quebraram mais duas vidraças”, admite uma faxineira. O refeitório é quase todo desprovido de vidraças. Os banheiros estão em péssimas condições após corriqueiros atos de vandalismo.

Muitas salas estão repletas de entulhos e com os forros destruídos. Material escolar antigo, móveis quebrados, latas de tinta e até garrafas de cerveja vazias entopem a sala que deveria servir como almoxarifado. A segurança de todos está comprometida. Não há extintores de incêndio no local. Nas paredes, apenas três cilindros pendurados. Dois estão vencidos, o outro vazio.

A última grande reforma ocorreu em 2009. Foram feitas melhorias nos banheiros, na rede hidráulica e construído o muro em volta da instituição. O diretor Moisés José Berté diz que o dinheiro que a escola recebe é insuficiente para manter a estrutura.

Neste ano, a direção encaminhou o pedido de reformas emergenciais à 3ª CRE. “Queremos recolocar as vidraças e trocar algumas partes do telhado.” Segundo o diretor, algumas salas estão sendo pintadas por pais e alunos.

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