Motoristas levam menos de um minuto para compra drogas no “Cantão do Sapo”, bairro da região central de Lajeado. O processo é simples. Primeiro, passam com seus carros e motos em frente a um grupo de adolescentes, que aguarda clientes em uma “sala” improvisada no terreno baldio ao lado de um bar. Lá, eles têm até em sofá e cadeiras.
O pedido por cocaína, maconha ou crack é feito de dentro do veículo. Os traficantes fazem um sinal, orientando os usuários a darem uma volta na quadra, entre as ruas Francisco Oscar Karnal e Borges de Medeiros. Quando retornam ao ponto, é feito o repasse sem que o motorista precise desligar o veículo ou caminhar até os criminosos.
Próximo do local, os moradores do bairro centro assistem a tudo, enquanto tomam chimarrão na companhia de amigos e parentes. Poucos se arriscam a reclamar. Alguns, inclusive, já tentaram, mas na falta atitudes por parte dos órgãos públicos, desistem. O serviço telefônico 182, para denúncias anônimas, é pouco utilizado.
Casos semelhantes ocorrem em Estrela. Quando o relógio marca 22h grupos começam a se formar nas esquinas e se inicia o repasse da droga. No bairro Chácara duas jovens grávidas fazem parte do bando.
Como “zumbis” as duas caminham pela rua escura à procura de mais droga, uma das mãos alisa a barriga, e a outra segura um cachimbo de crack. Quando a droga acaba, seus companheiros fazem questão de comprar mais e abastecer o vício delas.
Na outra esquina um menino de 15 anos corria pela rua com uma calça e uma camiseta de marca. Ele havia furtado de um varal e tentava vender para comprar mais droga. Fissurado parava todos que passavam por ele na rua.
Presença da polícia
Na noite de quinta-feira, um rapaz aguardava sentado na esquina a chegada de clientes. Quando o carro para ele se aproxima e diz: “e aí amigo, posso ajudar?”. O sotaque é alemão e o receio nos olhos mostra que o rapaz é principiante no ramo.
O policial secreto pergunta a ele se tem algo para vender. O rapaz primeiro disfarça, mas logo em seguida diz que tem “pó e do bom”. Minutos depois percebe algo estranho e fala para os policiais: “vocês são polícia, acham que vô cai. Caio não (sic.).” e sai caminhando. Ele ficou perambulando pela rua por pelo menos 15 minutos.
A dificuldade da polícia
De dezembro de 2011 até abril deste ano foram mais quatro operações maiores das polícias Militar e Civil nos principais pontos das cidades para prender traficantes. Do total de detenções, pelo menos 30 eram menores de 18 anos.
Por falta de provas, a maioria é considerada como usuário e não como traficante. Assinam um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e são liberados.
Conforme o comandante do 22° Batalhão da Brigada Militar, major César Augusto da Silva, os traficantes escondem a droga em terrenos baldios, calçadas, buracos e até árvores. Isso dificultando o flagrante. “Eles guardam poucas quantidades e, quando pegos, são enquadrados como usuários.”
Muitos são presos por tráfico só depois de recorrentes apreensões ou por posse de grandes quantidades de dinheiro.
Silva alerta para o uso de menores na venda de drogas. Da lista de 26 apreendidos nos últimos cinco meses, alguns chamam atenção por terem sido pegos três vezes durante o período.
Em um dos casos, o menor foi recolhido vendendo drogas na manhã de uma quinta-feira e de novo na tarde do dia seguinte. “Eles sequer respeitam o policial. Como sabem que nada ocorrerá, agem até com certa arrogância.”
“Todos sabem que ali se vende droga”
O major comenta que muitos dos usuários abordados no Cantão do Sapo são de cidades vizinhas. “Todos sabem que ali se vende droga.” Afirma que todos os dias ocorrem abordagens naquela região. O principal ponto é a esquina entre as ruas Francisco Oscar Karnal e General Osório.
Ele diz que foram realizadas operações maiores de abordagem naquelas ruas. Em uma delas, o trabalho durou quase uma semana. “Depois que saímos, eles voltaram a ocupar os pontos de venda. Não adianta.”
Segundo Silva, a venda ocorre em outros pontos daquela região e em bairros como Santo Antônio, Conservas e Santo André. “Existem pontos de vendas em bairros mais nobres da cidade”, alerta.
Conforme o delegado da Polícia Civil, Sílvio Huppes, as investigações buscam encontrar os mentores, responsáveis pelo aliciamento dos menores e de outros vendedores chamados de “laranja”. “É complicado prender. Eles não manuseiam a droga e tampouco participam da venda. Usam adolescentes para isso.”
“É preciso ocupação pública nos pontos de venda”
O promotor Diefenbach lamenta a falta de serviços de urbanização no Cantão do Sapo. Para ele, a inércia do poder público contribui para o abandono do local e o acúmulo de traficantes e viciados. Segundo ele, muitos traficantes invadem pátios e terrenos para esconderem as drogas. “Muitos estão abandonando o bairro em função disso.”
Ele comenta que medidas simples poderiam amenizar os problemas naquela região. Entre elas, cita a instalação de cercas em volta do campo do São José; o reforço na iluminação pública; limpeza de terrenos baldios; corte e poda de árvores; identificação dos verdadeiros proprietários dos imóveis utilizados para comércio e uso de entorpecentes. “Faltam investimentos que levem segurança e circulação àquele local.”
O major Silva reforça a opinião do promotor. Diz que há poucos comércios ou empresas naquela região e que o fato de ser uma área de alagamento faz com que os investimentos em urbanização sejam mínimos.
Falta integração entre órgãos públicos
Responsável pelo Fórum Municipal de Enfrentamento à Drogadição, o promotor Diefenbach solicita maior participação dos órgãos públicos de saúde no combate à drogadição. “Muitos ainda pensam que a questão das drogas se trata apenas de segurança pública”, diz. Mas hoje o usuário não é mais preso, ele precisa de tratamento.”
Para ele, é preciso maior integração entre os sistemas de saúde e segurança para identificar os usuários em piores condições. Segundo o major Silva, a lista com os menores apreendidos nos últimos quatro meses não foi repassada aos responsáveis pelo tratamento de dependentes do Executivo. “Com certeza, é preciso uma maior comunicação entre todos”, admite Silva.
Recuperação é falha
O psiquiatra José Katz atende há 40 anos usuários de drogas e diz que o maior problema é a reincidência. Desde o início do ano se trataram com ele mais de 200 pessoas. Destas, 20% tinham passado por tratamento.
Katz é contra a punição de usuários e diz que ele são doentes e precisam de atenção. “A falha é nossa e de toda a estrutura.” Segundo ele, os usuários querem melhorar e escutam os conselhos, mas por outro lado quando estão em casa, o meio em que vivem os levam a repetir o consumo.