“Ninguém se incomoda em pagar a conta telefônica, mas o esgoto sim”

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“Ninguém se incomoda em pagar a conta telefônica, mas o esgoto sim”

O saneamen­to básico no país está lon­ge do consi­derado ideal pela ONU. A maioria das cidades está abaixo do ín­dice de 80% estabelecido. Para o presi­dente da Cor­san, Arnaldo Dutra cobra dos prefeitos a criação do Plano de Sa­neamento

A sociedade cobra dos ges­tores públicos investi­mentos em saneamento básico. Encurralados, os prefeitos transferem a responsabi­lidade à Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). O moti­vo: existe um contrato e a crença de que o serviço é de responsabili­dade da estatal.

Visão diferente tem a Corsan. Engenheiro agrônomo especiali­zado em saneamento básico, Ar­naldo Dutra preside a companhia desde 2011. Para ele, população e os poderes públicos precisam fazer sua parte.

Dutra tem experiência na área desde a década de 90, quando dirigiu o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), em Porto Alegre, e autarquias semelhantes em São Le­opoldo e Novo Hamburgo.

O dirigente o A Hora na tarde desta quarta-feira para uma en­trevista exclusiva sobre um dos maiores anseios da sociedade. E garante: grandes cidades em que a Corsan atua terão 50% de esgoto tratado em dez anos. Lajeado está na lista.

Mas, tem algumas condições. Uma delas é que os gestores façam do saneamento básico uma políti­ca de estado. Em vez de planejar ações para os próximos quatro anos, têm que ser para os próxi­mos 20. No mínimo.

Confira a síntese da entrevista:

A Hora – A Corsan é muito criticada pela falta de investimentos em saneamento básico. Lajeado manifestou, diversas vezes, a vontade de romper o contrato, e Estrela não renovou a concessão em 2010. Como isso ocorreu?

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Arnaldo Dutra – A Corsan passou por uma situação ruim. Era muito usada politicamente, com gestores de pouco conhecimento na área de saneamento. Precisava de alguém que pudesse ter um diálogo com os municípios e conhecer a área de saneamento básico.

Mas ainda sofrem críticas?

Dutra – A lei do saneamento (de 2007) trouxe mais clareza a todos os envolvidos no assunto. Antes, não se tinha plano de saneamento (hoje é obrigatório). Tanto que na maioria dos contratos da Corsan é só para tratamento de água. Dos 325 cidades atendidas, só 43 tinham contratos para tratamento de esgoto.

O que é esta lei do Saneamento?

Dutra – Ela define os papéis de cada um. Agora os prefeitos podem delegar o serviço para alguém executá-lo, mas o município continua responsável pelo serviço. Faz o plano, estabelece as diretrizes por no mínimo 20 anos e as estratégias para universalizar este serviço.

O que mudou?

Dutra – Criou-se maior estabilidade no setor. As empresas privadas começam a visitar os municípios oferecendo alternativas. Às vezes fantasiosas, dizendo que resolveriam o que não foi feito durante 50 anos em cinco.

E começaram as cobranças?

Dutra – Os prefeitos começaram a cobrar da Corsan. Talvez por não ter muito clara essa relação nova, de mais respeito com os municípios, a Corsan continuou do mesmo jeito. Os prefeitos não cobravam, e a Corsan fazia do jeito que queria. Os contratos iniciais não previam o esgotamento sanitário.

Aos poucos, se vê que essa mentalidade mudou. Como são os contratos atuais, como o de Lajeado, que ameaçou romper o acordo?

Dutra – No caso de Lajeado, agora tem esgotamento sanitário. É uma fantasia de que o setor privado é muito mais eficiente que o setor público. Na prática, não é tão superior assim. Temos um bom serviço privado e um bom serviço público, e coisas ruins também.

Com esses novos contratos, o município pode cobrar a Corsan?

Dutra – Pode cobrar, fiscalizar, multar. Está tudo escrito no contrato, que não tem mais quatro páginas. São, em média, cem páginas, com diversas cláusulas que estabelecem prazos para investimentos.

Mas, não é uma utopia solucionar o saneamento em 20 ou 30 anos?

Dutra – É factível, desde que se tenha os recursos e uma permanência nos financiamentos. Esgotamento é bem mais caro que tratar a água. Preciso de alguém que forneça os recursos. Pelo PAC, são R$ 85 bilhões até 2014, mas está muito aquém da nossa necessidade, estimada em R$ 420 bilhões.

E como fica para o estado?

Dutra – A expectativa da Corsan é de buscar esses recursos. Temos um plano de R$ 2,8 bilhões para executar até 2015. Algumas obras concluídas e outras em andamento. São recursos do PAC e da Corsan. Estamos tentando mais R$ 1 bilhão. É bastante para uma companhia que fez investimentos deste porte em 46 anos.

Então esses aportes financeiros são necessários para conquistar a meta.

Dutra – Sim. São recursos da União, que não precisam ser reembolsados, e de financiamentos feitos pela Corsan. Temos 60% que é PAC ou GU e 40% que é de financiamento. Mas podemos nos endividar mais.

E também é preciso de uma conscientização de todas as esferas.

Dutra – Principalmente da federal. Porque o maior volume é deles. Se o governo achar que a prioridade é canalizar os recursos para outra obra, terá que deixar o saneamento.

Quais as chances disso ocorrer?

Dutra – Acho difícil. O Brasil hoje ocupa um espaço no cenário mundial, sediará a Copa do Mundo e as Olimpíadas. As empresas que se instalam escolhem onde tem tratamento de água. Se tiver esgotamento sanitário, o município ganha mais pontos.

Qual é a responsabilidade do prefeito?

Dutra – Se ele executa o serviço, tem que buscar recursos, se endividar e fazer as obras. No caso da Corsan, trabalhamos em conjunto. Constituímos um fundo de gestão compartilhada e parte da arrecadação é direcionado para ele. O prefeito define as obras que serão feitas. Ele cobra, mas também define as políticas que serão implementadas, como as tarifas pelo serviço.

Mas tem gente que reclama de pagar para ter o saneamento.

Dutra – Elas são obrigadas. É uma maneira que eu tenho de sustentar o serviço (que é caro). Se eu ofereço, eu posso cobrar, mesmo que as pessoas não se interliguem. A lei me ampara e eu posso ser cobrado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por renúncia de receita. Eu também quebraria a Corsan (se não cobrasse pelo tratamento de esgoto).

E o que falta para isso?

Dutra – As pessoas se conscientizarem. Há tempos, foi feita uma pesquisa sobre as prioridades da população. Saneamento é a quinta, atrás da telefonia celular. Ninguém se incomoda em pagar a conta telefônica, mas o esgoto sim. Ao mesmo tempo, querem uma praia limpa e um rio limpo. Cada um tem que fazer sua parte.

Exemplos no Vale

Lajeado

A Corsan intensificou, em abril, a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) no bairro Moinhos. O sistema coletará os dejetos dos bairros Moinhos e Florestal, interligando 1,1 mil economias. Com prazo de conclusão para mais 11 meses, representa 7% da população lajeadense com tratamento de esgoto. A obra custará R$ 4,5 milhões.

Encantado

A falta de recursos paralisou a construção da ETE no bairro Santo Agostinho. Iniciada em 22 de julho de 2009, a conclusão estava prevista para outubro de 2010. Orçada em R$ 2,5 milhões, foi reiniciada neste mês por pressão do governo federal. A ETE beneficia os bairros Planalto, São José, Nova Morada e Lambari.

Arroio do Meio

Os moradores do bairro Navegantes, convivem com um esgoto a céu aberto há mais de dois anos. Cobram o tratamento de esgoto no local, para evitar a proliferação de insetos e de animais peçonhentos na região. Os dejetos são despejados diretamente no Rio Taquari.

Estrela

Na rua Germano Hasslocher, um esgoto escorre a céu aberto. O mau cheiro prejudica moradores e comerciantes. O município anunciou, em 2011, um estudo para identificar os pontos críticos. O relatório será encaminhado para a Corsan. Negociam com a estatal um novo contrato – o anterior expirou em 2010 e ainda não foi renovado.

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