A possibilidade de transferir os restos mortais do cardeal dom Aloísio Lorscheider para uma sepultura na Arquidiocese de Aparecida, em São Paulo, incomoda a comunidade de Daltro Filho. O religioso está enterrado no Convento Franciscano São Boaventura desde 2007. A mudança depende da Ordem dos Freis Franciscanos nacional.
Os frades analisam um pedido da arquidiocese paulista, encaminhado há cinco anos, logo após a morte do religioso. Dom Aloísio atuou por nove anos na cidade de Aparecida, onde foi condecorado arcebispo pelo papa João Paulo II. Morto em 2007, vítima de falência múltipla dos órgãos, está enterrado no cemitério do seminário imigrantense.
Moradores refutam o pedido dos paulistas. Consideram uma falta de respeito, caso o pedido dos paulistas seja aceito. Uma das mais contrariadas com a situação é a aposentada Lori Helena Schwarzen Pozzebon, 72.
Amiga do religioso e responsável pela limpeza do túmulo, afirma que o cardeal manifestou diversas vezes o desejo de ser enterrado em Imigrante. “Ele sempre dizia que queria ser sepultado na mesma terra que os pais e a irmã.” A sepultura fica em uma pequena capela, construída próximo do convento franciscano.
O empresário Ari Rabaiolli, 58, prefere que o corpo permaneça em Imigrante. A comunidade reconhece o serviço que o frei prestou durante os três anos que morou no município.
Ademir André Jacinto, 38, administrador de empresa, espera mais respeito dos frades de Aparecida, referindo-se ao desejo de dom Aloísio ser sepultado na mesma cidade que os pais. “Para mim, eles querem transformar o corpo dele em comércio, vendendo lembrancinhas do Dom Aloísio”, opina Lori.
Religiosos contrários
Nada está definido. Enquanto uma posição oficial da ordem dos frades não for divulgada, os integrantes do Convento São Boaventura preferem o silêncio. Mas, confidenciam estar contrários à transferência do corpo de dom Aloísio. “Se deixarmos isso acontecer, é capaz de sermos queimados vivos pela comunidade”, ironiza um dos freis.
O assunto é tratado com cautela pelos demais. O conselho guardiano, composto por oito religiosos, se reúne para debater o tema, mas depende da decisão superior. A opinião dos moradores será ouvida antes da manifestação oficial.
A família de dom Aloísio quer que o corpo permaneça em Imigrante. Dos três irmãos, dois estão no Paraná e um no Mato Grosso. Lori tem contato direto com um deles. Conta que a irmã sempre disse que a família de Aloísio era a do convento e da comunidade de Daltro Filho.
Trajetória
Dom Aloísio nasceu em Linha Geraldo, Teutônia, em 8 de outubro de 1924. A família é de Imigrante. Ingressou na religiosidade aos 12 anos, no seminário de Taquari. Frei Gervásio Muttoni, 86, lembra a trajetória do amigo, um disciplinado que não gostava de futebol.
Os professores do seminário eram holandeses e queriam que os seminaristas praticassem esportes. O futebol era o preferido. “Dom Aloísio jogava mais por disciplina e respeito à decisão dos professores.” Em 1949, transferiu-se para Roma, onde estudou Teologia até 1952.
Retornou ao Brasil no mesmo ano, para lecionar no seminário de Divinópolis, em Minas Gerais, onde se reencontrou com Frei Gervásio. Considerada uma pessoa sábia, foi eleito o primeiro bispo da comunidade de Santo Ângelo.
Dom Aloísio teve participação ativa na defesa dos Direitos Humanos durante a ditadura militar. Manifestava-se contrário à tortura e, quando o regime ditatorial acabou, batalhou pela divulgação das informações sobre os torturados – um trabalho seguido pela Comissão da Verdade, instituída neste ano.
Também trabalhou por 20 anos em Fortaleza e foi nomeado arcebispo em Aparecida pelo Papa João Paulo II, em 1995. Renunciou ao cargo em 2004 e transferiu-se para Imigrante.
Hoje, dom Aloísio tem uma praça municipal em seu nome e um busto em frente à capela de Daltro Filho.