A escassez de chuva, que perdura há dez meses, agrava a cada dia o drama da falta de água para o consumo humano no interior. Até abril choveu apenas 434 milímetros, 54% a menos que a média registrada no mesmo período de 2011.
Em 38 municípios da região, o número de famílias que dependem do abastecimento de caminhões-pipa feito pela administração municipal chega a 764. A demanda começa a ficar maior do que a capacidade de atendimento.
A situação mais grave é verificada em Putinga, onde mais de 200 famílias em oito comunidades estão sem água há cinco meses. Na semana passada, cinco animais morreram em função da estiagem e da falta de pasto. Desolados, muitos moradores pretendem vender suas propriedades.
Para atender aos pedidos, além do caminhão pipa, o vice-prefeito Claudiomiro Cenci cedeu um caminhão particular que recolhe leite para ajudar na distribuição. Por viagem são carregados de dez a 12 mil litros.
Até o carro (Montana) da Secretaria de Obras é usado para o serviço. O secretário Mário Lume transporta mil litros por vez, distribuídos em bombonas.
O trabalho se inicia às 7h e se estende até as 21h, de segunda-feira a domingo. No caminho, a troca de pneus que furam pela precariedade da estrada virou rotina. “Todos os dias, o número de famílias sem água aumenta.”
Conforme Lume, há apenas um poço artesiano da Corsan, no centro, que abastece todas as famílias no interior. Para amenizar o problema e garantir água para os animais, foram abertos mais de 300 poços. “Pouco resolveu, a maioria secou dias depois.”
A 13 quilômetros do centro, no Sítio Salvador, famílias como a de Leci Maia esperam ansiosas pela água. Após três dias sem receber a visita do caminhão -pipa, guardou um resto de água numa garrafa PET para matar a sede.
Sobre o fogão a lenha fervida e água de uma sanga que antes era destinada aos animais. Se o caminhão não chegasse, este seria o único líquido para ser tomado.
Na casa, vivem ela, o filho Cássio, o marido Antônio e o avô. Há meses, o banho voltou a ser como antigamente, quando não havia chuveiro e era necessário o uso de bacias.
As sete vacas de leite que eram a principal fonte de lucro foram vendidas. Faltou pasto. Das 35 mil mudas de fumo plantadas, foram colhidas apenas 46 arrobas (uma arroba – 15 quilos). “Com chuva regular colheríamos 350 arrobas.”
Desiludidos, buscam compradores para as terras, pois se mudarão para o centro. A esperança é conseguir um emprego e água para as necessidades básicas, como tomar banho, lavar a roupa e cozinhar.
Sem banho e chimarrão
Orlando José da Silva, 66, a mulher Jovinilde, 60 e o irmão Domingos Comper, 68, sofrem com os problemas trazidos pela seca. Não tomam banho há oito dias. A roda diária de chimarrão cessou. A água para lavar a louça é reaproveitada.
Desesperados, se apegam à fé. As correntes de oração são constantes para que a tão esperada chuva chegue.
Em Lajeado Feio, na propriedade de Vivaldino Carlos de Lima, 69, o poço destinado ao trato dos animais e consumo humano secou pela primeira vez após 35 anos.
Hoje, depende do abastecimento da prefeitura para não morrer de sede. Os cães e o cavalo, emagrecem a cada dia. “Tenho fé em Deus que isso vai passar logo.”
O prefeito Valdir Possebon decretou situação de emergência por duas vezes. Porém, nenhum recurso foi liberado pelo governo. Diante do êxodo rural, prevê queda acentuada da economia, tendo em vista que 60% da arrecadação provém do setor primário.
Água é levada de carroça
Sem vertente nem açude na propriedade há cinco meses, o produtor Batista da Luz, de Alto Picada Serra, em Progresso, acorda cedo para buscar água num vizinho para o trato dos animais.
O consumo diário é de 300 litros. O poço artesiano que abastece a comunidade está quase seco. A água que ainda sai da torneira mal dá para fazer a comida. “Tomamos banho em dois minutos.” Destaca que há vários anos a administração municipal promete perfurar outro poço. “Até agora só fomos iludidos.”
Rosina Fernandes da Luz comenta que há 50 anos não é registrada uma seca tão intensa na comunidade. Afirma que os agricultores devem se prevenir e armazenar água nos períodos de chuva.
Recorda que antigamente todos tinham cisternas e calhas nas casas e galpões. “De um tempo para cá isso ficou feio. É mais fácil lamentar quando falta.” Critica a degradação do ambiente e o excessivo uso de agrotóxicos que estão poluindo as vertentes naturais.
Previna-se
Em um aviário de 1,2 mil metros quadrados é possível recolher 1.920 metros cúbicos de água, se calculada uma média de 1,6 mil milímetros de chuva por ano. Isso seria suficiente para encher 16 cisternas de 120 metros cúbicos cada uma. Esta reserva de água garante o trato de frangos por seis lotes (252 dias).
Criação de frangos será interrompida
O produtor Romildo de Jesus, de Pinheirinho, em Canudos do Vale, há três anos investiu quase R$ 200 mil na construção de um aviário para alojar 15 mil frangos.
Na época construiu uma cisterna com capacidade de armazenar 300 mil litros de água. Era uma alternativa para a seca. Com problemas na estrutura, parte da água vazou.
Após quase um ano sem chuva, depende da água de fontes localizadas a quase dois quilômetros da propriedade para manter a criação. “Moramos a 450 metros acima do nível do mar. Perfurar um poço artesiano aqui é impossível”, comenta a mulher Tatiana.
O consumo de água dos frangos na fase de terminação chega a dez mil litros por dia. Se a estiagem persistir, o alojamento será interrompido.
Situação semelhante vive o avicultor Osmar Villa, de Alto Picada Serra. Para evitar a morte dos 15 mil frangos, depende do abastecimento diário de cinco mil litros de água do caminhão-pipa. O restante consegue recolher em sangas. “Isso aqui virou o Nordeste.”
O motorista Darci Deboben trabalha oito horas diárias levando água para várias localidades do interior. Por dia são percorridos em torno de 60 quilômetros e mais de 80 famílias atendidas. “Os pedidos por água só aumentam.”
Destaca que os maiores problemas são registrados nas comunidades de Selim, Morro Azul, Morro da Maça, Cabeceira de Tocas e Xaxim.
“Nenhuma gota é desperdiçada”
Para Maria Lídia Fernandes de Azevedo, de Canjerana, em Canudos do Vale, o drama é parecido. A família chegou a ficar quatro dias sem água. “A nossa única fonte foi uma vertente que hoje está seca.”
Observa que desde agosto de 2011 não chove para normalizar o nível das sangas e açudes. Cita que os agricultores que não têm cisternas tiveram que interromper a produção. “Nenhuma gota é desperdiçada.”
Ela destaca que projetam a construção de uma creche de suínos com capacidade de alojar mil animais. “Só podemos iniciar os trabalhos após a chuva.”
O fumicultor Luis Deboer iniciou esta semana a semeadura do fumo. Teve que puxar de carroça a água para encher as piscinas onde ficarão as bandejas com as sementes.
Nesta safra devem ser cultivados 45 mil pés de fumo. Teme que a qualidade da água prejudique o desenvolvimento das plantas. “Podem contrair pragas e doenças.”
Comenta que o poço artesiano que abastece a comunidade está com a vazão baixa. A água que chega é destinada à preparação de comida e para o banho.
Esta é a realidade de 15 famílias da Linha Paisandu, em Westfália, que são abastecidas pela rede da Associação da Água Silveira Martins.
A falta de chuva dificulta o bombeamento e obriga o Executivo a deslocar um caminhão-pipa para despejar água no reservatório todos os dias.
A quantidade é insuficiente para abastecer todos os moradores. Adecir Radavelli, 46, utiliza água de uma fonte própria para manter a produção de frango.
Alguns serviços básicos, como lavar roupa são feitos apenas três vezes por semana, se a água for suficiente.
O problema persiste há quatro meses e a comunidade, com o auxílio da administração municipal, construiu uma nova rede.
Festa é cancelada
Em Venâncio Aires, a estiagem fez a festa anual da comunidade de Linha Santos Filho, marcada para este domingo, ser cancelada. A localidade sofre com a falta de água há meses.
Conforme o secretário de Agricultura, Fernando Heisler, desde outubro, mais de 100 famílias dependem do abastecimento da água de um caminhão pipa para o consumo humano e de animais. O maior problema há nas comunidades de Vila Mariante e Estância Nova.
Ressalta que nas últimas semanas mais de 200 microaçudes foram abertos ou limpos para aumentar a oferta de água aos animais. Na última quinta-feira, foi solicitada a ajuda do Corpo de Bombeiros para distribuir água. “Temos dois caminhões que levam água para o interior.”
Nos próximos dias outro caminhão deve ser enviado pela Defesa Civil para fazer o transporte.
Postos de lavagem param
A falta de água para consumo em muitas cidades do Vale fez com que postos de combustível de Lajeado começassem um racionamento. Até que o nível do Rio Taquari não se normalize, permanecerão com a lavagem de carros parada. A medida deve receber a adesão de mais estabelecimentos na próxima semana.
Para o gerente do Posto Florestal, Paulo Claudir Dullius, a medida é apoiada por muitos consumidores, que entendem a importância do racionamento. “Não queremos que falte água para o consumo, por isso paramos.”
Com a medida, pretendem poupar até 30 mil litros de água em um mês. “Há quatro anos fizemos algo parecido e tivemos a adesão de vários postos.”
Juntos os dois postos lavam em média cem carros por dia.
Metsul prevê inverno mais chuvoso
Há previsão de chuva para a próxima quinta-feira. Os volumes podem chegar a 40 milímetros, conforme prognóstico da MetSul Meteorologia. A tendência é que as precipitações comecem a se regularizar só durante o inverno. É necesário chover mais de 200 milímetros para normalizar a situação.
A partir de julho está prevista a ocorrência de precipitação muito acima da média, podendo acontecer enchentes entre os meses de agosto e outubro.
O inverno será marcado por uma grande variabilidade térmica com extremos de temperatura e chuva. Haverá períodos quentes, mas ao menos um mês da estação poderá ser muito gelado.