Drama escolar

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Drama escolar

aA situação de 14 alunos do Ensino Médio de Forquetinha contrasta com a lei federal aprovada em 2009, que garante acesso ao transporte escolar gratuito a todos os alunos de zonas rurais. Ficou no papel.

Três anos após o anúncio, encontram-se no Vale do Taquari, casos como de Dionatan Luan Ludwig e Douglas Ivan Hepp, ambos com 16 anos, que percorrem a pé ou de bicicleta 12 quilômetros todos os dias para chegar a Escola Estadual de Ensino Médio Forquetinha. Enquanto outros, ainda mais distantes, aumentam a lista da evasão escolar na região, tão combatida pelo Ministério Público.

A reportagem a seguir descreve a superação de alunos e odrama de pais e jovens que veem sonhos sendo interrompidos em função da lei que existe, mas não é cumprida.

O relógio marca 18h. Dionatan e Douglas largam as enxadas e preparam a mochila: dois cadernos, um livro e uma lanterna. Afinal, a precária iluminação pública exige o aparelho, movido a bateria. O caminho de volta é escuro e cheio de imprevistos.

São três quilômetros de estrada de chão e outros três de asfalto. Trecho mal sinalizado. As pedras soltas, a poeira e o barro dificultam a passagem. “Temos que andar devagar e cuidar com os veículos. A rua é estreita e muitos motoristas abusam.”

Eles chegam na escola após 30 minutos de caminhada. O suor faz a roupa empoeirada grudar no corpo. A vergonha é superada pelo sonho maior: ser engenheiro mecânico e técnico agrícola, respectivamente.

O cansaço é inevitável e se concentrar nas explicações do professor Wolmir João Bockel fica difícil. Levam um tempo até se recompor.“Ficamos pescando (sic) durante um bom tempo até retomar o vigor”, observa Douglas. Bockel se sensibiliza e diminui o ritmo.

A aula termina às 22h45min, e eles tomam o rumo de volta. Caminham com pressa, afinal, cedo do outro dia acompanham os pais na labuta do campo. A atenção é redobrada. Cuidado nas lavouras de milho e à beira do mato: é comum a presença de cachorros soltos durante a noite. “Temos medo que aconteça alguma coisa. Podemos ser assaltados, mordidos e até atropelados.”

Esgotados, os dois chegam em casa às 23h20min. Atormentada, a avó de Dionatan, Seli Appel reclama de descaso com os alunos. “Quero ver o que farão e de quem será a responsabilidade se acontecer algo a eles. Isso é injusto”, reclama, enquanto espera solução das autoridades. “Se pudéssemos, pagaríamos pelo transporte, mas não temos condições.”

Dos 14 alunos com dificuldade em se deslocar à escola, três ainda não foram às aulas neste ano. Um deles é Marciano Forster, 16, que mora em Araguari, a oito quilômetros da instituição. Seu sonho é ser médico veterinário.

Seu pai Ildo se esforça para conseguir transporte. Oferece R$ 100 para quem levar o filho. Não existem interessados. “Como não temos carro, é inviável que o levemos para a aula.” Marciano se emociona, mas não desiste.

Motivado em busca de um futuro melhor para a família, a cada fim de semana visita os colegas para copiar os assuntos passados pelos professores durante a semana. “O jeito é fazer isto, não posso desistir”, comenta.

A mãe Irce Hermann sofre. “Meu filho quer estudar e chora todo dia porque não consegue.” Ela cobra uma solução da administração municipal e dos vereadores. Esbraveja, e diz que o filho não ficará sem estudar. “É um direito dele e queremos que seja cumprido. Ele estuda numa escola estadual, mas continua sendo de Forquetinha.”

Irce também reclama da atuação da Promotoria Pública. “Exigem que os jovens estudem até os 18 anos, mas como vamos fazer se não tem transporte. Levar de carroça ou nas costas?” Ela reforça que está na hora de exigir que o governo cumpra seu papel.

Ministério Público pressiona

A situação ocorre desde 2011, quando 21 pais foram acionados pelo Ministério Público (MP) devido à infrequência escolar dos filhos. Destes, quatro permaneceram sem estudar e as famílias foram multadas.

De acordo com a diretora do Ensino Médio, Andréa Regina Assmann, a lei exige que os jovens permaneçam estudando até os 18 anos e tenham 75% de frequência escolar. “Temos casos de alunos que sequer vieram para a escola neste ano e não é por culpa deles. Precisamos encontrar uma solução para que eles não sejam prejudicados pela incoerência de outros.”

A conselheira tutelar Ivone Heinrichs ressalta que uma das alternativas é conversar com empresas que façam linhas de ônibus para começar a levar os alunos. “O problema é que ninguém se responsabilizaria por três ou quatro estudantes.”

Nos primeiros dias, professores ofereceram carona para alguns alunos. Andréa diz que muitos jovens caminham até a escola, mas que os pais estão proibindo por medo. “Nós não podemos mais levar os alunos, pois se acontecer algum acidente, seremos responsabilizados.”

Outra solução seria implantar mais turmas de Ensino Médio durante o dia, pois haveria transporte. Falta de professores não seria o problema. Hoje, o Ensino Médio tem direito a utilizar apenas três salas de aula e não tem acesso ao refeitório.

De acordo com o secretário da Administração, Paulo Ströeher, construir uma nova sala depende de várias circunstâncias. Ele observa que o município não pode investir em um ambiente para o estado. “Hoje não podemos dizer que isso é viável, sobretudo pelas questões financeiras. Mais tarde o governo é capaz de construir um prédio só para a escola e teremos salas sobrando.”

Andréa aponta que o município possui um micro-ônibus escolar do Ensino Fundamental, que fica estacionado no pátio da escola durante a noite. Mas Ströeher descarta a possibilidade de utilizá-lo. Ele diz que o veículo foi comprado com recursos do Ministério da Educação, destinados apenas aos estudantes do Ensino Fundamental. Para ele, transportar alunos do estado é contra a legislação.

“Responsabilidade é do estado”

A administração municipal se isenta e alega que a solução não está na prefeitura. Conforme Ströeher, o compromisso do transporte escolar do Ensino Médio, de acordo com a Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB) é do estado.

Quanto às críticas do conselho tutelar, Ströeher ressalta que é politicagem de alguns conselheiros. O secretário observa que o município subsidia 25% do custo do transporte escolar do Ensino Médio, como forma de incentivo ao estudo.

Promotor Responsabiliza município

O Promotor Neidemar José Fachinetto, do Ministério Público (MP) de Lajeado, diz que recebeu a informações sobre o problema do Conselho Tutelar Municipal e aguarda a resposta de um pedido de informação por parte do Executivo.

Ressalta que como o município possui um convênio com o governo do estado para o funcionamento da escola estadual, a responsabilidade em oferecer suporte aos estudantes é da administração municipal. “Sabemos que é baixo o repasse financeiro feito pelo estado, mas tomaremos as medidas cabíveis para resolver o problema.”

O promotor observa que o MP faz uma investigação em todos os municípios que compõem a comarca de Lajeado sobre como está a qualidade do transporte escolar.

Para o secretário da Administração, Ströeher, o promotor parece desconhecer o conteúdo do acordo. “Quando negociamos com o estado, apenas nos comprometemos em emprestar o prédio se o governo pagasse a conta de luz. Sobre transporte não existe nada.”

3ª CRE acena com solução

Conforme a responsável pela 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Marisa Bastos, os alunos do turno da noite de Forquetinha serão transferidos para a tarde. Ela diz que a decisão é um acordo com a administração municipal. “Pedimos uma nova sala e um refeitório para os alunos, e fomos atendidos. Agora precisamos acertar alguns detalhes para a mudança.”

Não há prazo para a transferência. Segundo Marisa, são grandes as chances de isso ocorrer em duas semanas. É preciso registro de nova turma na Secretaria Estadual de Educação (SED), e aumento de carga horária para professores. A direção da escola e a 3ª CRE também estudam formas para os alunos infrequentes recuperem o conteúdo perdido desde o início do ano letivo.

Pais contratam ônibus particular em Estrela

A situação enfrentada por alunos de Forquetinha se repete no interior de Estrela. Em Arroio do Ouro, Linha Delfina e Linha Figueira o problema de 25 alunos foi resolvido devido ao esforço dos pais e da solidariedade de Dirson Hauschild, proprietário de uma pequena empresa de transportes.

Ele transporta os alunos em linha exclusiva e só cobra as despesas. “Não posso deixar essa molecada longe da escola.”

O acerto começou para alunos do noturno. Em 2011, com o aumento de estudantes pela manhã, houve necessidade de criar uma nova linha. Estudante do 1° ano do Ensino Médio, Micael Alan Esper, 15, trocou de horário para ter como chegar à escola Estadual Vidal de Negreiros, distante cerca de cinco quilômetros da casa dele. A família gasta cerca de R$ 120 por mês para garantir as passagens de Micael.

Morte de aluna em 2005 serve de alerta

No dia 1º de abril de 2005, Daiane Cristine da Costa, 14, saiu de casa por volta das 17h30min para cumprir a rotineira caminhada em direção à Escola Estadual Ana Néri, em Marques de Souza. A distância entre sua casa, à época localizada na comunidade de Linha Atalho, era de pouco mais de seis quilômetros. O percurso, realizado a pé, demorava em torno de duas horas. Inexistiam linhas de ônibus.

No caminho de volta, foi abordada por Cristiano Montiel. Eram pouco mais de 23h, e segundo depoimento do criminoso confesso, ele forçou a menina a pegar carona, sob ameaça de uma faca. A adolescente ficou uma semana desaparecida. “Foi uma angústia e uma dor que até hoje perduram”, lembra o pai, Ademir Alves da Costa, tenente da Brigada Militar.

No dia 7 de abril, Daiane, que completaria 15 anos em duas semanas, foi encontrada morta com dez estocadas no peito em uma valeta em Picada Flor, a cerca de cinco quilômetros de casa. Montiel foi preso e ainda assumiu a morte de outra menina. Ele segue no presídio.

Logo após a tragédia, Costa se mudou com toda a família para uma residência mais próxima do centro. O outro filho do casal nunca foi a pé para a escola. Hoje, ambos vivem na cidade de Portão. “Minha mulher não conseguia mais viver dentro da antiga casa.” A saudade da filha só aumenta. Ele cobra mais responsabilidade dos governos. “Nossas crianças precisam, no mínimo, segurança para poder estudar.”

Hoje, existe uma linha de ônibus municipal para levar os alunos daquela comunidade até a escola. Tarde demais para a jovem Daiane.

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