Patrimônio Abandonado

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Patrimônio Abandonado

aAs lembranças da infância ao lado dos cinco irmãos e dos pais remontam anos de agitação para Ceser Zimignani, 28. A família trabalhava e morava no restaurante da Casa Branca dos Arcos do Morro – um dos patrimônios arquitetônicos mais conhecidos do Vale do Taquari.

Por mais de 15 anos, os Zimignani atenderam visitantes de todo o estado. A casa tinha uma vista panorâmica de 180 graus. Via-se lá de cima uma grande extensão do Rio Taquari, um pedaço de Lajeado e um vasto horizonte de vegetação nativa.

Hoje, as janelas estão quebradas, e as paredes destruídas pelos anos sem reformas. Ratos, gambás e urubus incrementam o aspecto de abandono do prédio. Ceser evita visitar os cômodos. “Fazia uns quatro anos que não entrava aqui.”

Fechado ao público desde 2003, o imóvel aguarda liberação da Caixa Econômica Federal (CEF) para ser restaurado. Desde o reconhecimento como patrimônio histórico, em dezembro de 2006, no mínimo três projetos foram anunciados. Os altos custos, poucas empresas especializadas no serviço e a burocracia são motivos apontados para falta de investimento.

Em 2008, o governo federal anunciou R$ 230 mil para a restauração. Mas o recurso não chegou aos cofres públicos. Em 2011, a administração municipal concluiu a licitação. Uma empresa apresentou proposta e elaborou um estudo sobre o imóvel.

O documento com 240 páginas foi enviado para a CEF. O projeto, orçado em R$ 346,7 mil, previa serviços de adaptação, limpeza e reforma. Sem liberação, outra vez a obra foi postergada, porque faltou o registro da empresa no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea).

Representantes do governo atual evitam falar sobre o assunto. A secretária de Planejamento, Adriana Schossler diz que não há previsão de restauração. Por enquanto, a ideia de transformar a antiga casa em centro cultural para receber turistas continua como promessa.

População descrente com reforma

Nos anos 70, a rua Juscelino Kubitschek – onde fica a Casa do Morro – era de saibro e com poucas construções, deixando o prédio mais atraente. O local era o principal ponto de encontro dos moradores.

A imagem atual entristece muitos cruzeirenses. Como a professora aposentada Clara Duarte, 69. Depois de o restaurante ser desativado, em 1992, ela, então secretária municipal de Educação e Cultura, tentou transformar o espaço em um museu, biblioteca e centro cultural.

Governos passaram, erros foram cometidos – como a pintura das peças do museu, alterando as cores originais – e as pessoas esqueceram a Casa do Morro. “Fico doente em ver o estado em que ela está”, comenta Clara.

Para ela, o descaso com a memória acarreta desinteresse das novas gerações sobre a história do município. A professora desistiu de brigar em defesa da casa, pois criou inimizades e indisposições com secretários, vereadores e prefeitos. “A cultura não está entre as prioridades dos políticos.”

Relembra a infância, nos anos 50. Com amigos, colhia frutas no terreno. Brincavam nos fins das tardes de verão após voltar do rio. “Fazia parte do lazer das famílias.”

Alguns objetos do museu continuam nos salões: estragados, queimados e despedaçados. As poucas visitas ao velho casarão são de usuários de drogas e de vândalos. Os moradores próximos pedem atenção da administração municipal. Desejam ver o projeto efetivado, mas poucos acreditam na restauração.

Casa é anterior à Proclamação da República

Construída depois da Guerra do Paraguai, entre 1874 e 1879, a casa foi encomendada pelo tenente-coronel Primórdio Centeno Xavier de Azambuja.

Dois contos tratam sobre o motivo da obra. O primeiro – e mais aceito pelos historiadores – retoma a enchente de 1873, quando as águas alcançaram a residência da família. Esse local hoje abriga a prefeitura.

Diante disso, o militar teria decidido construir a casa no alto do morro, longe de qualquer possibilidade de uma nova cheia do Rio Taquari. No segundo caso, a destinação do prédio seria para o tratamento de familiares com tuberculose, doença sem cura na época.

Com a morte de Primórdio, em 1898, a Casa do Morro foi alugada para Leocádia Vilanova de Azambuja. Em 1901, ela comprou o sobrado em leilão, onde morou com os nove filhos até 1914.

Depois disso, a casa foi alugada algumas vezes até ser abandonada. Na emancipação de Cruzeiro do Sul, em 1963, o casarão passou a ser patrimônio municipal. A primeira reforma ocorreu no terceiro governo, em 1973.

O prefeito daquela época, José Manoel Ruschel, mora na rua Juscelino Kubitschek. Conta que dois dos sete arcos estavam destruídos. Refez a estrutura, além de trocar o telhado e parte do assoalho. “Por pouco a casa não desmoronou.”

Segundo Ruschel, uma concessão pública foi feita para o uso do prédio para instalação do restaurante. Hoje, é com tristeza que ele visita o local.

Memória perdida

Professor de História e ex-presidente do Parque Histórico de Lajeado, Wolfgang Collischonn diz que a casa é um documento sobre o povoamento da região. Construída em área cedida pela Coroa Portuguesa à família Azambuja, lotes de terra do povoado de São Gabriel foram vendidos para imigrantes alemães que, depois de desembarcar na região do Caí, vieram para o Vale em meados de 1830.

Collischonn diz que a região é deficiente na preservação da memória. Como consequência, o turismo local é atingido. “As pessoas pouco conhecem sobre o passado e nossos marcos estão abandonados.”

Para o professor, esse processo de esquecimento pode ser revertido a partir das escolas e faculdades. Acredita que com isso, os estudantes serão incentivados a recuperar a história da região.

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