A construção civil é o setor que mais emprega apenados na região: cerca de 90%. A fim de intensificar essas contratações, a Justiça decidiu barrar a transferência dos presos desempregados do regime fechado para o semiaberto. A medida superlota mais as penitenciárias, mas força os condenados a procurarem trabalho.
A decisão partiu da Vara de Execuções Criminais de Lajeado há dois meses, por considerar alguns presos acomodados. Depois que cumpriam parte da pena prevista na Lei Penal, eram transferidos para o albergue, onde passavam o dia desocupados.
Preso há quatro anos e nove meses por tráfico de drogas, Éderson Luis da Rocha, 30, aguarda a troca de regimes. Isso só será possível quando tiver um emprego.
Ele tem cinco cursos de qualificação – dois de pintor, dois de informática e um de eletricista. Todos feitos dentro da penitenciária e ministrados por escolas de ensino profissionalizante. “Não quero voltar para o mundo do crime.” Contudo, as empresas negam oportunidades a ele.
Quando o preso trabalha – dentro ou fora da penitenciária – recebe o direito de remissão de pena. A cada três dias de trabalho, um é descontado de sua condenação.
Nos três presídios do Vale do Taquari – Lajeado, Arroio do Meio e Encantado – cerca de 300 detentos fazem algum tipo de atividade. Isso representa menos da metade dos apenados administrados por mês nessas casas prisionais.
Para conseguir um emprego, o condenado recebe três dias de liberdade. Ele contata com empresas e se houver interesse, encaminha uma carta de emprego à penitenciária. Esta avalia o local de trabalho e repassa para a Justiça, que autoriza ou não.
Conforme o administrador do Presídio Estadual de Lajeado (PEL), Luis Fernando Ferreira, a maior dificuldade é o preconceito das empresas. Elas negam emprego quando se trata de um presidiário.
A assistente social da penitenciária auxilia na procura. O setor administrativo tem todo o interesse que o preso trabalhe, pois reduz a superlotação, gera menos custos e ocupa o detento.
O Conselho da Comunidade Carcerária projeta para 2012 a construção de um pavilhão de trabalho. Isso facilitará a atividade prisional de quem está no regime fechado. As empresas contratam os serviços e os presos os executam na cadeia.
A vantagem em contratar um apenado é a mão de obra barata, fato desconhecido pela maioria das empresas da região. Os empresários analisam a ficha criminal dos detentos e querem os com a ficha quase limpa – inviável em uma penitenciária.
O governo criou um programa para atender a demanda carcerária – o Protocolo de Ação Conjunta (PAC). Ele existe há anos, mas é pouco usado na região por ser desconhecido.
O PAC é um contrato para empregar o preso. O empresário fica isento de quaisquer encargos sociais, como 13º salário, férias e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O apenado recebe, no mínimo, 75% do salário mínimo, sendo o restante pago ao Fundo Penitenciário.
Na Prefeitura de Santa Cruz do Sul, o convênio foi firmado. Servidores públicos, como garis e serventes são presidiários. Eles prestam o serviço, recebem pagamento e remissão de pena. A administração municipal não tem vínculos com o trabalhador.
Na semana passada, um projeto de lei semelhante foi aprovado pelos vereadores de Lajeado. Criada por Eloede Conzatti (PT), a proposta possibilita que a administração municipal contrate mão de obra prisional.
O ônus da empresa na contratação
O construtor Leo Katz, de Lajeado, soma mais de 50 presos empregados como serventes de pedreiro. Na maioria das vezes, se decepcionou. Mesmo assim, continuará contratando.
Katz afirma que o preso é um problema da sociedade, a qual deve absorver a demanda dessa mão de obra. Conforme ele, o empresário que contrata um apenado precisa lhe oferecer assistência emocional. “Não adianta pagar apenas o salário. Eles precisam de preparo e motivação.”
Afirma que o preso pode ser um ótimo empregado e diz que paga um salário maior para a mão de obra prisional. Ele não concorda com o sistema do PAC, porque acredita ser burocrático.
Quando um preso muda de regime
O preso consegue passar do regime fechado para o semiaberto se não tiver cometido falta grave na cadeia. Deve ter cumprido, no mínimo, um sexto da pena, em caso de crime comum.
Por exemplo, um ladrão condenado a cinco anos pode ir para o semiaberto depois de dez meses. Quem comete crime hediondo fica mais tempo em regime fechado: pelo menos dois quintos da pena. Um sequestrador condenado a dez anos tem direito ao semiaberto depois de quatro anos.
Benefícios de fazer um acordo
Apenado: remissão de pena, profissionalização, reintegração social, autoestima e renda mensal;
Empresário: isenção de todos os encargos sociais, custos menores de produção, competitividade, participação na reintegração social do preso e colaborador com a segurança pública.
Estado: redução de reincidência, cumprimento da Lei de Execução Penal e execução de política social reintegradora, humanização da pena e diminuição do déficit de vagas;
Sociedade: prevenção contra reincidência ao delito, segurança e ação integrada entre estado/Susepe/preso;
Cursos incentivam o trabalho
O presídio de Lajeado oferece cursos profissionalizantes para os presos há três anos. São parcerias firmadas com escolas como Senai e Senac, que ministram as aulas. A prefeitura auxilia no custeio.
Os cursos mais recentes foram de pintor, instalador predial e informática. Cada um custa, em média, R$ 2 mil por preso. Na semana passada, 33 apenados receberam seus certificados de conclusão. Todos aguardam carta de trabalho para serem transferidos ao regime semiaberto.
Segundo o presidente do Conselho da Comunidade Carcerária, Miguel Feldens, os cursos são um investimento na segurança pública. É a principal ferramenta para incentivar o apenado a querer mudar de vida.
Preso há três anos por tráfico de drogas, Elton José da Silva, 34, se formou como instalador predial nesta semana. Sua pena total é de nove anos e 11 meses e está prestes a progredir para o regime semiaberto.
Começou a fazer artesanato e a participar de cursos dentro da cadeia para que o tempo passasse mais rápido. “Quero mudar de vida e tentar tirar o rótulo que agora tenho como presidiário.”
Silva trabalhava como motorista antes de ser preso. Ele receia que não possa mais atuar na área e diz que os cursos em que se formou lhe darão uma base para voltar ao mercado de trabalho.
Preso vira empresário
Rodolfo da Silva, 45, de Lajeado, é dono de uma empresa de jardinagem. Ele é exemplo de que apenados podem superar os preconceitos depois de soltos.
Preso por matar um homem, Silva foi condenado a seis anos de reclusão. Depois de ficar dois anos e seis meses na cadeia, foi transferido para o regime semiaberto, fez um tratamento contra o alcoolismo e voltou ao antigo emprego de servente de pedreiro.
O chefe logo desistiu dele e Silva procurou emprego no ramo da jardinagem. “Meus erros do passado não fizeram com que deixasse de sonhar com um futuro diferente.”
Depois de alguns meses de trabalho, ele abriu a própria empresa. O ex-presidiário, que estudou até a 5ª série, hoje tem orgulho da profissão e dos trabalhos que aprendeu dentro da casa prisional. Para ocupar o tempo fez artesanato, trabalhou para uma empresa de chaveiros e participou de cursos.