As semanas que antecedem o Natal são de tensão e emoção para os 170 pacientes do Asilo Pella Bethania. Fundada em 1892, em Taquari, a propriedade de 1,3 mil hectares também funciona como fazenda. Entre outros, tem 700 cabeças de gado, produz mel e mais de 1,8 mil litros de leite ao mês.
O retiro atende idosos, pessoas com problemas psiquiátricos e com álcool e drogas, a partir dos 18 anos e oriundos de dezenas de municípios gaúchos. A maioria é carente e vivia em Lajeado, Teutônia, Taquari e Venâncio Aires. O espaço ligado à Igreja Luterana é o único no estado a atender público misto.
Segundo a diretora Joni Roloff Schneider, mais da metade não mantém contato com familiares. Os demais se contentam com telefonemas e cartas, cada vez mais infrequentes. Nas oito casas em que foram divididos de acordo com a situação de saúde e comportamento, os atendidos tiveram ajuda de funcionários para preparar as árvores de Natal, doces e rezar em conjunto. A maioria dos moradores busca alento nas palavras da Bíblia e nas visitas de membros de comunidades
Desde o início do mês, os sábados são dedicados a celebrar a data. No mais recente, Papai Noel apareceu para distribuir brindes e camisetas personalizadas. “É o que podemos fazer”, diz Joni. “Para a saudade que sentem das famílias não há
Os 88 funcionários se revezam para visitarem as famílias no fim de semana. Com a equipe desfalcada foi decidido que para “não dar chance ao azar”, a festa de Natal termina logo após o jantar coletivo.
Este será o segundo Natal que Cleuza Peiter, 41, passa no Pella Bethania. Com problemas mentais, recebeu uma visita da mãe e duas ligações do filho desde sua internação. Natural de Maurício Cardoso, município nos arredores de Horizontina, acredita que esta é a época mais triste do ano para quem vive longe de casa. Concorda que para melhorar não pode dispensar os cuidados e a medicação. “Quero rever todos eles, mas preciso estar boa.”
Fé ameniza ausência dos parentes
Há quatro décadas Doralina Araújo Chaves, 56, mora no local e não mantém contato com familiares. Alguns continuam morando em Rio Grande, outros “se perderam pelo mundo”. Dorinha se tornou uma espécie de guia ali. Mesmo na cadeira de rodas, circula rápido e de bom humor pelo asilo ajudando funcionários e orientando pacientes.
Aos 13 anos, perdeu o movimento das pernas. Um ano depois, “entrevada em uma cama” na Santa Casa de Porto Alegre, uma freira que conhecia lhe arranjou a vaga custeada com parte do benefício da Previdência Social.
Esta é única forma que cerca de 90% dos atendidos tem de pagar pelo tratamento. “Uns choram, outros reveem a família, outros ficam esperando e não chega ninguém”, define. “Fico quietinha lendo a Bíblia e agradeço o que de bom aconteceu no ano.”
Ivanete Marques de Vargas, 34, chegou há cinco meses da cidade de Capela de Santana em função de um severo transtorno bipolar. Prepara uma carta de Natal para os pais e o filho de 4 anos com um relato sobre os dias no Pella Bethania e um pedido de desculpa pelos transtornos que acredita ter causado. “Sem os remédios tudo fica confuso”, diz. “Com eles, não dá para sentir nada.” Não receberá visita no sábado.
Longe de casa
Não haverá presentes ou festa para a maioria das cinco famílias que há mais de quatro meses estão abrigadas no Salão Paroquial ao lado da Igreja Matriz. Elas vivem na incerteza sobre onde passarão o próximo Natal.
Elas moravam em áreas alagadiças do Centro conhecido como Cantão do Sapo e na enchente de agosto precisaram deixar tudo para trás para recomeçar em lugar indefinido. Ao todo, 17 famílias foram atingidas, a maioria foi deslocada para outros pontos da cidade ou voltou para as residências interditadas.
As que esperam, celebram a data sem se reunir. O Natal dentro do pavilhão não terá pinheiro nem enfeites. Os 50 adultos não têm muito para comemorar. As mais de 25 crianças receberam lembranças da comunidade católica no sábado passado. “É uma situação sofrida, ainda mais para os pequenos. Eles não entendem o que aconteceu com as casas”, diz Graziela da Cruz.
Ela, seu marido e seis filhos dividem um quarto e sala, improvisado no canto direito do salão. Pela janela, aponta o coreto da Praça da Matriz. Desde o início do mês, o local serve de palco para apresentações artísticas que ecoam músicas típicas e movimento do público.
O prazo de permanência no local venceu há um mês, mas foi renovado pela comunidade católica por mais um ano. Este é o primeiro Natal que a filha de Graziela, Priscila da Cruz, 5, passará longe de casa. Mostra a boneca que ganhou no sábado e conta que gostaria de ganhar uma bicicleta que viu na TV.
Até a situação melhorar, terá que se contentar com o que os pais conseguiram tirar da casa antes da inundação. Suas outras bonecas “morreram no rio”, em agosto. Quem quiser ajudar as famílias desabrigadas, principalmente com materiais escolares para o próximo ano letivo, deve entrar em contato pelo telefone 9501-1705. “Ninguém aqui é mendigo, trabalhamos e não ganhamos nada de mão-beijada (sic)”, desabafa Graziela. Mesmo assim, toda ajuda para as crianças é bem-vinda.
Primeiro Natal em família
Em Travesseiro, os irmãos Luana, 17, e Willier Caldas Souza, 15, naturais de Turvo, no Paraná, celebram pela primeira vez o Natal com os pais adotivos Guerta e Décio Klein, ambos com 64 anos. Está tudo programado. No sábado, antes da ceia, vão à missa e, no domingo, abrem os presentes e visitam familiares.
A moça, assim como o irmão, aguarda a data com ansiedade. Conta que a maior diferença é que no internato havia mais crianças. Lembra que quando se aproximava o Natal, cada um escrevia uma carta. Depois de encaminhadas para São Paulo e Estados Unidos, alguns empresários respondiam e mandavam presentes.
Segundo Klein, as crianças estão se adaptando bem a cultura local, embora tenham vindo de um lugar e de uma situação de vida diferentes. “Difícil de explicar o que sentimos no coração”, desabafa. “Depois de anos sofrendo a perda de nosso filho, conseguimos reencontrar a alegria.”
O filho morreu aos 19 anos, em 2009. Em outubro de 2010, encaminharam o processo de adoção e em abril foram ao Paraná para buscar os adolescentes. O fato foi acompanhado pela reportagem do A Hora.
Luana conta que durante dezembro ficou encarregada de organizar os enfeites na casa. Ela diz que sabe os presentes que ganhará, mesmo assim está ansiosa para abri-los.
Reconstruindo a vida
O Natal da família Silva, moradora do bairro Planalto, sofreu um revés inesperado na tarde de segunda-feira. A casa de madeira com três dormitórios que o casal Santo e Maristane dividia com os filhos Jucemar, 30, Dionatam, 3, Jucemara, 14, e a nora Roseli pegou fogo, enquanto as crianças dormiam.
Acordados por gritos de vizinhos fugiram da residência em chamas. Em pouco mais de cinco minutos ela estava reduzida a escombros e cinzas. No meio dos escombros, sobrou uma Bíblia parcialmente queimada. Ela ficará como lembrança.
As chamas chegaram perto da residência de familiares no mesmo terreno. As perdas poderiam ter sido maiores, se uma equipe de pavimentação que trabalhava nas proximidades não tivesse controlado as chamas com o caminhão-pipa. Para Santo, que trabalha como pedreiro, este Natal será um misto de sentimentos.
O mais forte é o de gratidão pelos filhos não terem se ferido. Outro é a sensação de impotência frente ao suposto curto-circuito que desencadeou o incêndio. Mesmo com o apoio da administração municipal que doou roupas e móveis, é necessário buscar a ajuda da comunidade. Enquanto isso, ficam hospedados na casa de parentes.
A família precisa de materiais de construção para reerguer a morada com a ajuda de um mutirão de parentes e vizinhos. Ela foi construída desta forma há 16 anos, quando a família chegou de São José do Herval em busca de oportunidades fora da agricultura. “Será um Natal triste, mas acredito que as coisas sejam melhores em 2012.”
Quem deseja ajudar a família Silva doando materiais de construção, roupas e utensílios domésticos pode entrar em contato pelo 9534-8710.