A falta de fiscalização e a negligência colocam em risco a saúde da população em Lajeado. Farmácias vendem medicamentos e indicam dosagens de uso sem prescrição médica. O Ministério Público (MP) investiga a relação da venda ilegal com a entrada de medicamentos roubados na cidade.
Durante a semana, 11 estabelecimentos de Lajeado foram visitados. Em cinco, a compra de antibióticos sem receita foi fácil. Em menos de cinco minutos o cliente saiu do local com o medicamento.
Para burlar a fiscalização, que é ineficaz, a venda é feita sem nota fiscal. Em algumas farmácias, são reutilizadas prescrições de outros pacientes. Os envolvidos devem ser processados criminalmente por tráfico de entorpecentes e por prescrever drogas a clientes. A pena varia de cinco a 15 anos de prisão, mais multa.
Médicos confirmam a venda ilegal e dizem que já trataram pacientes doentes pelo uso incorreto de medicamentos. O ginecologista Ângelo Pedro Parizotto salienta que o uso inadequado pode provocar reações adversas e ineficácia do produto quando utilizado com frequência.
Investigação comprova irregularidades
Para comprovar a venda ilegal, jornalista do jornal A Hora, com autorização do Ministério Público visitou 11 farmácias de Lajeado. Em cinco comprou antibióticos.
A jornalista sem receita médica tentou comprar o medicamento à base de norfloxacino, um sal utilizado para o tratamento de infecção urinária, de tarja vermelha. Este pode causar reações como: náuseas, cefaleia, tontura, erupções cutâneas, pirose, cólicas/dor abdominal e diarreia.
No primeiro estabelecimento o remédio foi solicitado ao atendente. Como havia outro cliente no local, ele sequer questionou se havia receita. Apenas olhou se tinha o produto na prateleira e vendeu.
Era uma embalagem metálica sem caixa, lote específico, ou qualquer manifestação de proibição de venda sem prescrição médica. “É R$ 20 os 14 comprimidos. Dá um tratamento completo e tu precisa usar dois por dia”, indicou ele de forma ilegal.
Em uma folha de rascunho ao lado do computador o rapaz anotou a venda e o valor pago – uma forma de controle interno da venda ilegal do produto.
Minutos depois, em outra farmácia, mais uma compra foi efetivada. Ainda mais fácil. A farmacêutica do local entregou o produto indicando a dosagem, “dois comprimidos por dia e caso estiver com muita dor toma três” – ato também considerado ilegal, visto que um farmacêutico só pode informar a dosagem prescrita pelo médico.
Em um estabelecimento no centro da cidade a farmacêutica foi mais audaciosa. Negou o produto em um primeiro momento, mas depois puxou uma folha do bolso da calça e mostrou para a outra atendente. Era uma receita médica de outro paciente. Ela usaria o mesmo documento para vender o produto novamente.
A jornalista perguntou por norfloxacino, mas a farmacêutica entendeu fluoxetina – um medicamento controlado, tarja preta, antidepressivo. Ela também venderia o produto. A compra foi fácil e inclusive foi concedido desconto.
No quarto estabelecimento, as cenas se repetiram. A atendente sabia que era proibido, mas afirmou que se houvesse um no estoque o venderia. O que ocorreu.
Em outra, uma interpretação de dor fez com que outro farmacêutico vendesse mais uma caixa do produto, também de forma ilegal. Ele diz que a venda deveria ser feita sob orientação médica, mas que entregaria para ajudar a aliviar a dor da jornalista.
Material foi entregue à Promotoria Pública
Os medicamentos comprados e as gravações dos áudios das irregularidades foram entregues na manhã de quinta-feira ao promotor de Justiça de Lajeado, Carlos Augusto Fioriolli. As compras foram feitas mediante autorização da Promotoria, que elaborou um termo de comparecimento.
Fioriolli garante que o material será utilizado para abertura de um processo criminal e que as empresas envolvidas serão penalizadas.
Investigação semelhante está em andamento no MP. Suspeita-se que parte dos medicamentos vendidos de forma irregular é de carga roubada. O promotor diz que muitos usuários estão migrando das drogas ilícitas como cocaína e maconha para as lícitas, vendidas em drogarias, pela facilidade da compra.
Falha na fiscalização dos órgãos públicos
A 16ª Coordenadoria Regional de Saúde, de Lajeado, é a responsável pela fiscalização de irregularidades em estabelecimentos farmacêuticos. Há três anos a vigilância sanitária do órgão trabalha sem um farmacêutico. Ele supervisiona o trabalho do fiscal sanitário, que vai até o estabelecimento.
Na região há apenas um fiscal, Luis Carlos Lenz. Ele controla 142 drogarias e mais 46 farmácias de manipulação espalhadas por 42 municípios, além de outros trabalhos. Conforme o coordenador Leo Bolsi, quando é necessário fazer uma supervisão maior é chamado um profissional de Porto Alegre.
O fiscal relata que ainda não autuou farmácias por venda sem prescrição porque precisa flagrar a irregularidade. Segundo ele, a comunidade deve informar quando ocorrer o crime para haver a fiscalização.
Ele diz que há pelo menos dois anos fontes lhe informam que farmácias da região trabalham com medicamentos roubados, mas relata que esta fiscalização fica a cargo da polícia.
Bolsi e Lenz dizem que o controle de remédios controlados como fluoxetina, rivotril e sibutramina (os mais vendidos) é eficaz. “Se houve venda irregular possivelmente é medicamento roubado. É difícil burlar o sistema.”
Como é feito o controle
Em no máximo sete dias os estabelecimentos farmacêuticos são obrigados a lançar, em um sistema nacional da saúde, a relação de entradas e saídas de medicamentos controlados, o que não ocorre com os antibióticos. Ainda não há nenhuma obrigação oficial de registro desse tipo de medicamento.
Os livros de registros dos estabelecimentos são comparados com a quantidade de remédios vendidos e as prescrições retidas. Entre os antibióticos que passam a ter prescrição médica obrigatória estão: amoxilina, azitromicina, cefalexina, eritromicina, metranidazol, neomicina e tetraciclina.
O que determina a lei 11.343 sobre o crime
Artigo 33
Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de cinco a 15 anos e pagamento de 500 a 1,5 mil dias/multa
Artigo 38
Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e pagamento de 50 a 200 dias/multa. A condenação é comunicada ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertence o agente
É ilegal:
Vender antibióticos e medicamentos controlados sem prescrição médica, nota fiscal e sem informar o sistema de saúde no controle geral;
Indicar dosagens de medicamentos a clientes sem receituário.
Crime:
Tráfico de entorpecentes;
Prescrição ilegal.
O que mudou desde o dia 28 de novembro de 2010
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que esses medicamentos, assim como os controlados, deverão ser vendidos sob prescrição médica;
O paciente deverá ficar com uma via da receita de controle especial, carimbada pela farmácia, como comprovante do atendimento. A outra ficará retida no estabelecimento farmacêutico;
A validade é de dez dias;
A receita deve informar o nome do medicamento ou da substância prescrita sob a forma de Denominação Comum Brasileira (DCB), dosagem ou concentração, forma farmacêutica, quantidade e posologia; nome completo do paciente; nome do médico, registro profissional, endereço completo, telefone, assinatura e marcação gráfica (carimbo); identificação de quem comprou o remédio, com nome, RG, endereço e telefone; data de emissão. O que hoje ocorre em poucas farmácias.
Deve ser anotada pela farmácia a data, quantidade e número do lote do remédio, no verso. Na embalagem e no rótulo dos medicamentos contendo substâncias antimicrobianas deve constar, na tarja vermelha, em destaque a expressão: “Venda sob prescrição médica – Só pode ser vendido com retenção da receita”. A mesma frase deve constar com destaque na bula dos medicamentos.