Pelo menos sete pessoas ligadas à administração municipal são suspeitas de participar de uma fraude de remédios, investigada pela Polícia Civil. A denúncia foi feita há algumas semanas pelo Ministério Público de Arroio do Meio. A coordenadoria nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) abriu uma auditoria. População quer que programa permaneça.
A irregularidade apontada foi em uma lei criada há 12 anos, que concede descontos aos moradores da cidade na compra de medicamentos em farmácias locais.
Os benefícios variam de 40 a 100%, e a verba pública repassada é sem licitação. São cerca de R$ 200 mil gastos por ano para a execução dessa lei.
As farmácias favorecidas pertencem a um sobrinho do atual prefeito Ricardo Rockembach e a esposa do sobrinho do ex-prefeito Genésio Roque Hofstetter. A ligação de parentesco é avaliada.
Estão sob investigação os três prefeitos (Sérgio Odilo Nied, Hofstetter e Rockembach), os secretários de Saúde das três gestões, dois secretários da administração e os dois proprietários das farmácias.
O delegado de Estrela, João Antônio Peixoto, responsável pela investigação, diz que parte das testemunhas foi ouvida e nos próximos dias será a vez dos prefeitos. Peixoto se pronunciará em outubro, quando se encerrará o inquérito policial.
O três prefeitos acusados afirmam que não foram apontados pelo tribunal de contas e nem pelo conselho de saúde. Segundo eles, os vereadores aprovaram o projeto de lei por unanimidade.
As alterações feitas, em 2009, por Rockembach foram as mais comentadas na auditoria. O prefeito relata que elas foram um complemento da lei e necessárias para atualizarem as informações a demanda atual.
Ele conta que se em cada procedimento de solicitação de remédios houvesse licitação, a população receberia o pedido depois de 90 dias. “A pessoa não pode esperar tanto para receber um medicamento. Enquanto aguarda, pode morrer.”
Para Hofstetter, a parceria com as farmácias traz economia aos cofres públicos. Segundo ele, se o município comprasse esses medicamentos, teria que ter espaço físico para estoque, preocupação de conservação e prejuízos com aqueles que venceriam. O ex-prefeito diz que a compra na farmácia facilita o acesso ao medicamento.
População está receosa em perder descontos
Em Travesseiro, o principal assunto nas últimas semanas é o fato. A polícia tentou ser discreta na investigação, mas quando chegou aos ouvidos de pessoas partidárias o assunto se espalhou. Alguns criticam os administradores pelo ocorrido, mas a maioria se preocupa em perder o benefício.
Alguns recebem medicamentos do posto de saúde, da farmácia básica – proveniente de recursos federais – e recebem o limite de compra de R$ 300 pagos pelo município.
Mara Susana Feil, 44, precisou comprar medicamentos para a filha e o marido. Dois tratamentos eventuais lhe custariam cerca de R$ 600, se não tivesse auxílio do município. Ela critica as denúncias feitas. “O povo recebe pouco, quando ganha ainda querem tirar.”
Noeli Henz, 63, lamenta as investigações. Ela recebe ajuda de R$ 50 por mês em descontos. Segundo ela, há inclusive pessoas que procuram a cidade para morar devido a esse benefício.
O casal Albino, 78, e Alzira Quinot, 74, dependem desse desconto. Os dois recebem juntos dois salários mínimos de aposentadoria para se manterem. Como não tem filhos a vizinha é responsável pelo casal.
Albino está em uma cadeira de rodas, tem trombose e apenas o movimento de uma das mãos. Alzira tem diabetes, colesterol e outros problemas de saúde. Eles usam pelo menos sete tipos de remédios.
Alguns são concedidos pela farmácia básica, e os demais com descontos. Os dois ultrapassam por mês seus limites de compras de R$ 300 e gastam mais R$ 100 cada um na compra de medicamentos.
Dono da farmácia nega envolvimento em fraude
A cidade tem duas farmácias. Ambas ficam quase uma ao lado da outra e a menos de uma quadra do posto de saúde do município.
O proprietário de uma delas, o farmacêutico, Guilherme Dertzbacher relata que seu estabelecimento foi aberto em 2006 – sete anos depois da criação da lei e dois anos antes de seu tio assumir o posto de prefeito.
Para ele, as acusações são irrelevantes. Ele pretende seguir executando a lei até que a Justiça determine o contrário. Ele relata que em seu depoimento à polícia contou como funcionava o procedimento.
Segundo ele, os preços dos medicamentos vendidos em sua farmácia são tabelados e variam conforme sua composição – se são genéricos, similares ou originais. Ele acredita que muitos moradores terão dificuldades em manter a compra dos medicamentos sem os descontos.
O farmacêutico afirma que os remédios vendidos com desconto são aqueles que não estão disponíveis de graça no posto de saúde.
Como é feito o procedimento
A pessoa leva uma receita médica (particular ou posto) até uma farmácia do município. Esta faz um orçamento dos gastos descritos no receituário. O paciente entrega o documento na Secretaria da Saúde do município e recebe a autorização para comprá-lo.
Com a carteira do cadastro em mãos e a autorização do município o paciente poderá comprar o medicamento na farmácia e receber os descontos propostos.
Três alterações na lei
A lei que autoriza o subsídio de medicamentos à população de Travesseiro foi criada 1999, quando o atual vice-prefeito, Sérgio Odilo Nied, era prefeito.
Ela estipula que a população que necessita de medicação contínua receba 30% de descontos e os que necessitam da eventual 20%, na compra de remédios no município.
Em 2002, o prefeito da época, Genésio Roque Hofstetter alterou a lei, incluindo o benefício para as pessoas com mais de 65 anos de idade. Elas recebiam 100% de desconto pelos remédios receitados.
Há dois anos, a lei recebeu novas alterações. O prefeito Ricardo Rockenbach modificou a maioria dos artigos. Aumentou o percentual de desconto e as autorizações.
Para medicações eventuais o desconto passou para 40%, para os contínuos aumentou para 50% e para as pessoas com mais de 65 anos permaneceu o desconto de 100%, mas com limite de R$ 300 por mês.
Na alteração fica definido que o morador beneficiado deve residir na cidade há mais de seis meses para receber os 40%, e mais de dois anos para receber os 50% e 100%.