A comunicação é difícil. A fala em português é misturada com palavras em inglês. Documentos como RG e CPF não existem mais. Só há o passaporte de Estrangeiro Permanente. Mas, ele é insuficiente para que possam comprar imóveis ou ter direitos civis.
São cerca de 20 muçulmanos que vivem na cidade. Ibrahim Said Abazahra, 57, e a mulher Siham Mahmoud Abdallah, 53, chegaram à cidade há quatro anos e meio. O casal tem dois filhos, uma com 20 e outro com 30 anos. Trabalhou em fábricas e chegou a fazer pão árabe e esfirras para vender, mas a dificuldade de comunicação e os problemas de saúde foram decisivos para largar o trabalho.
Hoje, sobrevive com ajuda do irmão e do filho que moram nos Estados Unidos. Sabrina, filha do casal, é cabeleireira e dá curso gratuito de língua árabe. Durante dois anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) pagou um salário para que pudesse sobreviver e custear o aluguel. “Não fosse o prefeito, teria morrido de fome.” Afirma que a ONU não ajuda os palestinos por não reconhecer a sua independência.
Seus familiares estão espalhados em países diferentes como EUA, Canadá, Líbano, Dinamarca, Iraque e Israel. Um de seus irmãos morreu assassinado por rebeldes um ano e meio atrás. Fugiram porque eram perseguidos por tropas do governo e por rebeldes. “Vivíamos num inferno. Agora estamos num paraíso.”
Mesmo assim, sente falta da família e da cultura deixada para trás. “Os EUA querem roubar o petróleo, por isso matam o povo árabe.” Desde 2007, moram num apartamento de dois quartos no centro da cidade. “Meu país agora é o Brasil, mas minha terra é a Palestina.”
Ibrahim afirma que o período em que viveram no acampamento, na Jordânia, lhe deixou com a saúde debilitada.
Seu pai e avô nasceram no Iraque. Em 2005, foram morar num acampamento na Jordânia e rebeldes incendiaram os barracos. Perdeu tudo, inclusive parte dos movimentos das pernas.
No Iraque, exercia diversas atividades como encanador, auxiliar de pedreiro, tinha um táxi que garantia o alimento. Para os muçulmanos, este é o mês do Ramada (nono mês do calendário islâmico) e o jejum é obrigatório da alvorada ao pôr-do-sol. Só podem tomar água e fazer orações.
Governo brasileirodará casa nova
O projeto habitacional do governo federal Minha Casa Minha Vida poderá beneficiar refugiados dos conflitos na Faixa de Gaza. A família Abdallah, que mora no centro da cidade, receberá um dos 160 apartamentos.
Conforme o vice-prefeito e secretário de Planejamento, Giovane Wikert, na solenidade de entrega, a região poderá ter a presença da presidente Dilma Rousseff. “É um caso inédito no país que pode nos render o título nacional de Cidade Acolhedora.”
Wikert afirma que o governo paga o aluguel dos refugiados durante dois anos – período considerado suficiente para fixar trabalho e moradia. Os refugiados começaram a aparecer há seis anos e a administração municipal contribuiu com as despesas. Afirma que os refugiados são como os antepassados alemães, italianos ou portugueses. “Todos vieram fugidos em busca de paz.”
O maior problema enfrentado pelos palestinos é a falta de documentos como RG e CPF, que só são possíveis depois da naturalização brasileira. O único registro que têm é o passaporte de Estrangeiro Permanente – insuficiente para comprar imóveis ou ter direitos civis como acesso à Previdência Social.
Para se naturalizar brasileiro é preciso que tenham residência fixa durante, no mínimo, quatro anos e profissão ou posse de bens que possam manter a própria família.
Segundo a assistente social, Viviane Pegorara, a adaptação à cultura brasileira é tão difícil para os muçulmanos, quanto a definição de uma profissão. “São muito reservados e em sua terra natal trabalhavam em diversas profissões como pedreiro, encanador hidráulico e artesão.”
Onde fica a Palestina?
A Palestina é um território conquistado e divido entre Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia, que fica na costa oriental do Mediterrâneo e às margens do Rio Jordão. É um corredor entre a África e a Ásia, que fica às portas da Europa.
No século XII a. C. os gregos se referiam à região como Philistia e no século II d.C., os romanos nomearam o território como Syria Palaestina. Em meados do século II a. C. sob a hegemonia egípcia, a Palestina se organizou em cidades-estado.
Nos séculos posteriores sofreram invasão de imigrantes vindos do outro lado do Mediterrâneo, que instalaram moradia na costa, sendo chamados “Povos do Mar”. O histórico dessa terra apresenta constantes guerras. Os povos filisteus e hebraicos dominaram a região e quando não guerreavam, se uniam contra Israel, que séculos depois foi anexado à Assíria. Passados mais de 200 anos a Palestina e império babilônico perderam o território para os Persas Aquemênidas.
As sequentes disputas pelo território dispersaram a maioria dos judeus, que emigraram pelo Oriente Médio. Depois da criação do estado de Israel a terra foi dividida. Em 1988, a Organização para Libertação da Palestina (OLP) estabeleceu o estado palestiniano. O líder da organização, Yasser Arafat morreu em 2004.
Desde 2007, a Palestina é governada pelo primeiro-ministro Ismail Haniyeh, do grupo radical Hamas, e pelo presidente Mahmoud Abbas, do Fatah, provocando confrontos armados entre os dois grupos na faixa de Gaza até hoje.