Há anos autoridades de segurança da região alertam para o perigo que passam os presos e os agentes penitenciários no Presídio Estadual de Lajeado. A superlotação reduziu comparada com 2010, mas ainda é o dobro da capacidade permitida. Há 260 presos para 122 vagas.
Desde a segunda-feira, a projeção saiu das previsões e os fatos se confirmaram. O presídio está insustentável. É desumano. Numa cela de nove metros quadrados para seis presos estão amontoados 17 – um deles foi morto na noite de segunda-feira por facadas e asfixia.
Os agentes penitenciários notaram o crime às 22h35min. Cheular Bergmeier, 33, estava deitado no chão, morto. O detento cumpria pena por homicídio tentado e roubo. Teria que ficar 20 anos preso, mas depois de cinco conquistou o regime semiaberto: saía da penitenciária para trabalhar e retornava à noite.
Desde o dia 28 de julho, foi punido com a reclusão ao regime fechado por conduta indevida, visto que retornou para o presídio com crack. Bergmeier pediu para ficar na cela do seguro (local onde ficam os criminosos que cometem crimes contra os costumes, como estupro e lei Maria da Penha). Esta cela é a com maior superlotação e menor vida social.
As visitas e os horários de sol são restritos, porque os apenados são discriminados pelos demais.
Em gíria de cadeia são chamados de “Duque”. Contudo, essa cela é considerada a mais segura.
Conforme o administrador do presídio, Luis Fernando Ferreira, os agentes não ouviram barulho na cela e sequer sabiam que o apenado estava com problemas com outros presos. Os outros 16 não falam sobre o crime.
Ferreira diz que não recorda e não tem registros de outro assassinato na cadeia, mas admite que ocorrem brigas violentas com frequência. Há poucas semanas, dois presos foram levados ao hospital depois de serem espancados. “Tentamos resolver os conflitos antes das brigas.”
O delegado de polícia, José Romaci Reis afirma que não há suspeitas e nem motivo do assassinato. Os presos começaram a ser ouvidos pelos agentes da investigação na tarde de ontem.
Cela pode ser interditada
Conforme o juiz da Vara de Família e 1º substituto da Vara de Execuções Criminais da comarca de Lajeado, Luís Antônio de Abreu Johnson, a penitenciária da cidade é a segunda pior do estado. Fica atrás apenas do maior – o Presídio Central de Porto Alegre.
Hoje, a cela em que o detento morreu é a mais superlotada do estado e conforme Johnson, em no máximo dez dias a situação estará resolvida. Ele estuda a possibilidade de fechar ou interditar a cela. “Ela é a única destinada para o ‘seguro’ e a cada dia entram novos presos. Preciso analisar com calma qual a atitude tomarei.”
Município ainda é contra a penitenciária
Em um ano vence o prazo para o estado receber a área cedida pelo município no bairro Santo Antônio. Para que o trâmite não seja perdido lideranças locais se mobilizam para que o estado apresente o projeto dentro do período.
Conforme o juiz Johnson, o município não mostra desejos em permanecer com o contrato. A prefeita se encontrou com o magistrado e solicitou a ele que procurasse outra área em outro município, admitindo não ser parceira do processo.
Johnson comenta que a área que receber um projeto de segurança ganhará toda estrutura por consequência. Ele afirma que o estado não concederá as contrapartidas solicitadas no ano passado e diz que as melhorias na cidade são obrigação da administração municipal.
A prefeita Carmen Regina Pereira Cardoso diz que se preocupa com o comprimento das contrapartidas solicitadas. Segundo ela a renovação só ocorrerá se a atual área voltar a ser do município.
Secretário deverá entregar projeto em 60 dias
Há dois meses o secretário da Segurança Pública do Estado, Airton Michels, esteve em Lajeado em uma reunião-almoço e declarou que o projeto do novo presídio seria entregue apenas em 2012.
No dia 19 de julho, depois de uma audiência com o juiz Johnson; com o presidente do Conselho da Comunidade Carcerária, Miguel Feldens; e com o promotor de Justiça, Pedro Rui da Fontoura Porto, houve mudança nos planos. Michels recebeu um dossiê com todas as informações da penitenciária e confirmou entrega do projeto em 60 dias.
O processo foi confirmado há dez dias em um novo encontro com o superintendente dos serviços penitenciários, responsável pelo projeto.
“Sentimos medo todos os dias”
O drama de quem vive o dia a dia em uma penitenciária. Veja entrevista com uma das poucas agentes penitenciárias da cidade que trabalha no sistema há dez anos.
Jornal A Hora do Vale – Como é trabalhar em uma penitenciária superlotada?
Agente – É preciso ter bom senso, controle emocional, profissionalismo e saber separar a vida particular do trabalho. Trabalhamos com pessoas que a sociedade não quer mais ter por perto.
A Hora – Como é a relaçãocom os presos?
Agente – Sou mulher. Isso favorece aqui dentro. Homens sempre se batem de frente. Nesses anos todos, tive apenas um problema de desrespeito. Tento sempre tratar os presos com igualdade, sem julgar seus crimes. Aqui dentro somos assistentes sociais, enfermeiras, mães e psicólogas. Tudo para ter um bom relacionamento.
A Hora – Você sente medo da reação de algum deles?
Agente – Claro que sentimos medo. É inevitável. Mas o imprevisto é rotina pra nós. Estamos acostumados com a situação. Trabalhando e convivendo todos os dias com eles acabamos sabendo do perfil de cada um. Às vezes, o problema é carência e eles só querem conversar.
A Hora – Em caso de conflito como você reage?
Agente – Diferente do que a maioria das pessoas acredita, o agente penitenciário não é mais um servidor que usa a força para conseguir conter o preso, mas a conversa. Quando ocorre algo não entramos em choque, e se for preciso solicitamos reforço policial.
Provas de vulnerabilidade
– 2007 = presos incendiariam albergue e foram transferidos para um ginásio sem segurança no centro da cidade. Conselho da Comunidade e prefeitura uniram verbas e construíram um novo espaço;
– 2008 = houve uma tentativa de resgate de presos com troca de tiros entre presidiários e Brigada Militar;
– 2009 = BM estadual faz revista e encontra drogas, celulares e armas brancas. Dias depois agentes penitenciários encontram explosivos em uma cela;
– 2010 = Apenado foge da penitenciária pulando o muro. Os policiais militares e os cães não viram a fuga;
– 2011 = Mais um apenado foge da penitenciária no horário de visita;
– 2011 = presos tentam fuga coletiva do pátio;
– 2011 = apenados de alta periculosidade foram transferidos para outras casas prisionais e Susepe e Brigada Militar realizam revista minuciosa.
Lembre dos entraves
– 2008: Ação movida pelo procurador Nilo Marcelo de Almeida Camargo barrou o início das obras;
– 2009/novembro: estado perde R$ 16 milhões para a construção porque o processo não estava concluído;
– 2010/agosto: a governadora anunciou a construção de seis presídios, incluindo Lajeado;
– 2010/agosto: moradores do bairro Santo Antônio não aceitam as obras na comunidade e pedem uma audiência pública;
– 2010/setembro: moradores aceitam obras, mas exigem diversas contrapartidas;
– 2010/setembro: tribo caingangue que vive nas proximidades da área do presídio não aceita a penitenciária;
– 2010/outubro: Ministério Público de Contas entra com ação para paralisar obras por falta de licitação;
– 2011/ novembro: eleições barram decisões;
– 2011/ janeiro: desculpa é de que o novo governo precisa se inteirar das ações realizadas;
– 2011/ maio: secretário Airton Michels declara que não há verba e que novo presídio sai do papel apenas em 2013;
– 2011/ agosto: líderes pressionam secretário, que garante entrega do projeto em até outubro.