O Rio Taquari atingiu 26,8 metros acima do nível normal e no início da madrugada de quinta-feira a água forçou 1,3 mil famílias a abandonarem suas residências pela segunda vez neste ano.
O número estimado de desabrigados supera sete mil pessoas. Muitas casas ficaram submersas, e alguns moradores perderam todos os pertences. Os desalojados procuraram abrigos em casas de familiares e amigos ou nos ginásios municipais.
A energia elétrica foi interrompida em alguns bairros. Ficaram sem luz 5,9 mil pessoas. A ERS-130 ficou interrompida por 15 horas, e Lajeado e Encantado estão em situação de emergência. Os prefeitos de Bom Retiro do Sul, Cruzeiro do Sul, Taquari, Muçum, Roca Sales, Estrela e Arroio do Meio também decretarão.
Os prejuízos ainda não foram calculados e muitas famílias devem retornar para casa só no domingo. No Vale, a cidade mais atingida foi Encantado, onde mais de 450 famílias tiveram de deixar suas casas.
Em Arroio do Meio, foram 300 famílias atingidas, e o trânsito ficou restrito à área central. Forquetinha, Marques de Souza e Travesseiro alagaram em alguns pontos. Segundo o coordenador regional da Defesa Civil, major Vinícius Renner, a água está baixando, e até domingo a situação deve se normalizar.
Em Lajeado, principal cidade da região, as águas chegaram a invadir a ciclovia na Rua Osvaldo Aranha. Diversos pontos foram alagados, entre eles as ruas João Abbot, Santos Filho e Décio Martins Costa, principais ligações dos bairros ao centro. Fiscais de trânsito auxiliaram em pontos críticos.
Encantado com 450 famílias desabrigadas
Nos 12 bairros atingidos pela cheia, 1,6 mil pessoas tiveram que ser removidas. O bairro Navegantes foi o mais afetado, com 450 famílias desabrigadas. O coordenador da Defesa Civil, César Luís Moretto decretou estado de emergência ainda na quinta-feira. Segundo ele, a enchente chegou mais rápida do que em 2001. Morador do bairro, Adílio Lisboa, 54, viu sua residência, construída há 15 anos, ser encoberta pela água.
A água subiu em média 45 centímetros por hora. Na localidade de Jacarezinho cobriu a ponte. Foram 58 famílias levadas ao parque João Batista Marquese, 24 para o salão de Nossa Senhora Aparecida e 450 para casa de familiares e amigos.
A população da Vila Moça iniciou a retirada dos móveis na madrugada de quinta-feira. Ana Schuck, 57, se mudou aos 16 para Encantado e perdeu as contas de quantas vezes enfrentou a enchente. Devido a problemas de saúde teve dificuldades para retirar os móveis pela madrugada.
Uma das dificuldades enfrentadas pelos flagelados foi a de conseguir caminhão para transportar a mobília. Alguns reclamaram da falta de assistência na saúde e acompanhamento familiar depois das cheias. Não havia enfermeira para cuidar dos doentes. “Em outra enchente fui tocada como um cachorro para casa, mesmo doente e com tudo destruído”, disse Ana.
Inundação divide Roca Sales
Para chegar ou sair de casa, muitas pessoas tiveram que contar com a ajuda de voluntários. A única forma de chegar era de caíque. O centro da cidade foi o ponto mais alagado. A água invadiu casas, hospital, prefeitura, rodoviária e a Brigada Militar.
O Hospital Roque Gonzales foi atingido e parte dos equipamentos foram removidos. O comerciante Luís Arthur Schneider, 46, mora há 25 anos na cidade e enfrenta a segunda maior enchente. A primeira foi em 2001. Depois de ouvir o alerta pelo rádio, retiraram todos os objetos da casa.
Com seu barco a motor, Alcides Secchi, 55, e o filho Anderson transportaram pessoas ilhadas durante o dia. O resgate de seis crianças que ficaram presas na escola no início da tarde de quinta-feira foi a tarefa mais difícil.
O drama dos flagelados
O empresário Itamar Cortes trabalhou na madrugada com os funcionários para conseguir retirar os equipamentos de sua empresa, localizada na rua Capitão Leopoldo Heineck. Mesmo assim as perdas chegam a R$ 7 mil. “Em dez anos eu enfrentei 12 enchentes. A água leva parte dos nossos lucros e nos entristece. O jeito é mudar de endereço.”
Moradores da rua Rodolfo Hexsel, próxima à Décio Martins Costa, foram surpreendidos durante a noite, e muitos não tiveram tempo de retirar seus pertences. Mário Isan da Silva saiu de casa com água na altura da cintura, e deixou documentos para trás. “Não pensei que ia tão longe. Mas deixei carvão e carne em lugar seguro, para fazer um bom churrasco quando voltar para casa.”
José Cláucio ficou em casa até a água chegar ao pescoço, no segundo andar da casa. Não queria abandonar o lar adquirido em março deste ano. “Saí de caíque do local. O bom é que ninguém se machucou. É melhor água do que fogo.”
Instalada no ginásio do Parque do Imigrante, Carmen Pacheco não sabe dizer quantas enchentes já enfrentou. Ela mora no bairro Centro, e está com toda sua família em um canto do pavilhão quatro. “O susto foi grande, era muita água. Meus netos tiveram de sair quase nadando de casa.” Um deles, Bruno Pacheco, 10, mostrou-se corajoso ao ajudar a família. “Vi minha mãe na água e fui ajudar. Não senti medo.”
O pedreiro Valderi Soares, de Cruzeiro do Sul, vive o mesmo drama. Em cinco anos, passou por seis enchentes. Quase sempre perdeu tudo. “Às vezes dá vontade de desistir, mas temos que continuar e agradecer a Deus por que ainda estamos vivos.” Com os constantes alagamentos, ele comprou uma canoa para facilitar sua saída de casa.
Perdas na agricultura
A agricultora Heda Dullius, 66, de Bom Fim, em Cruzeiro do Sul, perdeu os dois hectares de pastagem que havia semeado. Ela comenta que não lembra quando foi a última vez que as águas subiram tanto. “Os prejuízos são enormes. Tenho vizinhos que perderam tudo. É uma tristeza. Ainda bem que ninguém se machucou ou morreu.”
Enquanto que a pastagem se recupera, ela terá que comprar ração para alimentar os animais. O engenheiro agrônomo Nilo Cortez diz que choveu além da média do mês que é de 120 milímetros. O acúmulo de água no solo começa a preocupar. “É necessário para as culturas como a do trigo e para as pastagens (aveia, azevém) que estão em fase de crescimento o clima mais seco e dias de sol com intensa luminosidade, caso contrário teremos prejuízos.”
Medo em Forquetinha
Quando uma catástrofe natural deixa como resultado uma cidade devastada, nem mesmo o tempo consegue apagar as lembranças. Esta semana completou 10 anos da enchente que praticamente destruiu a cidade de Forquetinha.
As imagens de animais mortos boiando, casas e pontes destruídas e pessoas sem rumo ainda estão bem vivas na memória da população que viveu aquele drama. Marciana Presser, da Vila Storck, tem histórias de sobra para contar sobre as enchentes. “Foi tudo muito rápido. A água subiu e levou tudo o que encontrou pela frente. Ninguém esquecerá aquele episódio. Foi assustador.”
Esta semana, quando as águas do arroio Forquetinha transbordaram na ponte do Storck, Marciana ficou com medo. “As enchentes estão cada vez mais comuns. Só este ano tivemos três. Rezo todos os dias para que nunca mais precise passar por este pesadelo.”
Problemas em Marques de Souza, Travesseiro e Estrela
Na quarta-feira, choveu em torno 123 milímetros em marques de Souza. No quilômetro 317 da BR 386, próximo do camping Palm Hepp, a água abriu uma cratera no meio do asfalto. Nas imediações de São João, em Travesseiro, duas pinguelas foram destruídas.
Em outubro de 2010, elas foram reconstruídas, pois tinham sido levadas pela enchente de janeiro de 2010. A obra custou aproximadamente R$ 100 mil. “Quando construíram logo vi que a pinguela seria levada embora”. A reforma não tem previsão de início.
Em Estrela, mais de 30 famílias atingidas pelas cheias do Rio Taquari foram removidas para o Ginásio Ito Snel, no bairro Oriental. Outras foram levadas para casa de familiares e amigos. O trabalho de remoção começou na madrugada de quarta-feira pela equipe da Defesa Civil.
Arroio do Meio ficou sem luz
No município, há cerca de 300 famílias desabrigadas, e 3,8 mil pessoas ficaram sem luz. Os ginásios dos bairros Glória, Rui Barbosa, Barra da Forqueta e Bela Vista acolheram 58 famílias, cerca de 240 pessoas.
O coordenador da Defesa Civil Lauri Gasparotto afirma que a maioria dos desabrigados foi acolhido por familiares e amigos. Foram utilizados 20 caminhões para remoção dos desalojados e seus pertences.
Na localidade de Palmas, diversos moradores deixaram suas residências ou ficaram ilhados. A água invadiu a estrada geral por volta das 8h. Para o pescador Camilo Wilsmann, 51, a enchente veio mais rápida do que a de 2008 e de forma diferente. Estranhou a mudança no curso da água. Mesmo com a experiência de 35 anos na pesca, perdeu 22 redes de 70 metros de largura. Calcula um prejuízo de R$ 5 mil.
No centro, a água invadiu diversas residências e comércios. O motorista Ari Dutra, 55, ajudava a recolher equipamentos da empresa atingida e afirma que a água lhes pegou de surpresa. Mesmo assim, ainda deu tempo para retirar alguns objetos.
No bairro Navegantes, a população aguardava o socorro dos caminhões da prefeitura para retirar os móveis. No fim da rua Campos Sales, moradores se mobilizavam carregando os pertences para lugares mais altos.
Rodovias interrompidas
A ERS-130 ficou interrompida desde o meio dia de quinta-feira em três pontos, formando uma fila de veículos. Em Mariante, o trecho entre os quilômetros 28 e 38 foi bloqueado. Em Arroio do Meio, o quilômetro 84 foi interrompido, próximo ao distrito de palmas.
O caminhoneiro Marcos Betinelli faz o trajeto entre Arroio do Meio e Encantado há cinco anos e nunca tinha visto situação semelhante. Dormiu no caminhão até as 3h de hoje, quando a água baixou e pode prosseguir viagem.
Maria Sônia é proprietária de uma tenda de produtos coloniais na beira da rodovia e afirma que esta é a terceira maior enchente que enfrentou. Alguns motoristas tentar desviar pelo interior do município, em direção a Capitão.
O eletricista Angelo Sangale foi trabalhar de ônibus em Arroio do Meio e não pode retornar para sua casa em Encantado. Procurava carona para ir pelo município de Capitão, mas temia que a rodovia estivesse submersa em outros pontos.
Em Estrela, a ERS 129 ficou interrompida no trecho entre Estrela e Colinas, e também no quilômetro 82 em Muçum. A BR-386 foi bloqueada de forma parcial no quilômetro 317 em Marques de Souza.