Comércio ilegal

Notícia

Comércio ilegal

A falta de fiscalização coloca em risco a saú­de de pacientes em Lajeado. Profissionais com curso técnico de Optome­tria se passam por médicos of­talmologistas e desrespeitam a lei ao receitar lentes de grau. Em alguns casos, atuam de for­ma conjunta com ópticas. Um op­tometrista foi flagrado realizando os exames dentro do próprio esta­belecimento, o que acarreta crime até mesmo para profissionais ca­pacitados para esses serviços.

Durante a semana, dez ópti­cas de Lajeado, Estrela e Arroio do Meio foram visitadas. Todas aceitam a prescrição dos opto­metristas para vender óculos de grau. Os exames são em média 75% mais baratos do que o dos of­talmologistas sem convênio. Mé­dicos alertam para danos causa­dos pelo uso prolongado de lentes de grau inadequadas. Entre eles, doenças não diagnosticadas e o agravo dos defeitos da visão.

No consultório do oftamologista Thomas Rodrigues há uma gave­ta com receitas de optometristas da região. A maioria com avaliações que considera falhas. En­tre elas, a de um me­nino de 7 anos com hipermetropia que re­cebeu uma prescrição com o dobro do grau necessário. Segundo ele, os exames dos técnicos não detectam casos como o glauco­ma ou o diabetes. “Quando não diagnosticados podem evoluir e ocasionar danos permanentes.” Alguns participam de feiras de saúde. Em diversas delas, há exa­mes e distribuição de óculos.

Em agosto de 2010, a 19ª Câma­ra Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reiterou que optometristas são proibidos de adaptar lentes de contato, pres­crever óculos e realizar exames de refração ocular. O órgão enten­de que é proibido o anúncio dessas atividades por qualquer meio.

O Conselho Regional de Medici­na (CRM) fiscaliza esses casos. Na região, o mais notório ocasionou uma prisão por curto período de tempo em Venâncio Aires. A acusa­ção: exercício ilegal da medicina por um optometrista. Cerca de 20 destes técnicos atuam no Vale, a maioria com algum tipo de vín­culo com ópticas. Uma empresa anuncia o serviço em um progra­ma de rádio local.

Os médicos oftalmologistas da região reúnem informações sobre casos de exercício ilegal da profissão. “A prática foi denunciada em algu­mas cidades, mas não houve provi­dências”, diz a oftalmologista Jiova­na Friedrich. Segundo ela, o processo estaria parado devido a outras prio­ridades do poder público.

Investigação comprova ilegalidades

Para comprovar as prescri­ções ilegais, um repórter do jornal A Hora se submeteu a um exame oftalmológico que custou R$ 170. O diagnóstico não verificou a necessidade de lentes de grau. A médica pres­creveu apenas o uso de um lu­brificante ocular, devido ao uso continuado do computador.

O jornalista se consultou com dois optometristas de Lajeado, ambos indicados por ópticas. O primeiro, indicado sob a premis­sa de “desconto” na compra do óculos. Com consultório próprio, o profissional afirmou estar des­vinculado da óptica, local onde a consulta foi marcada. Ele confir­mou o desconto e diagnosticou 0,25 grau para cada olho, utili­zando-se de equipamentos de exame exclusivos dos oftalmolo­gistas. A consulta custou R$ 30, e o recibo não foi assinado.

O segundo exame demonstra outra ilegalidade. Ele foi realiza­do dentro do estabelecimento pela proprietária da óptica e técnica em Optometria. O con­sultório improvisado fica nos fundos da loja, em um espaço com pouco mais de seis metros quadrados e pouco iluminado. Ela cobrou R$ 40 pela consulta, e utilizou equipamentos de uso médico. Ao final, prescreveu 0,50 grau só para o olho esquer­do. Na sua receita, inexiste nú­mero ou registro trabalhista, e não consta a assinatura. Todas as consultas foram gravadas.

Função exclusiva dos médicos

A Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul (Sorigs) tem 17 acusações de exercício ilegal da medicina tramitando contra ópticas gaúchas. A en­tidade reivindica o fechamento dos cursos superiores de opto­metria da Universidade Lutera­na do Brasil (Ulbra) e Universi­dade do Contestado e o fim da diplomação dos formandos.

O advogado Antão Abade Var­gas, de Cruz Alta, defendeu opt­mometristas em processos judi­ciais semelhantes. Segundo ele, a prescrição de lentes de grau e o uso de aparelhos oftalmológi­cos não são permitidos. “O des­respeito a este princípio afeta a credibilidade e a importância da classe profissional.”

Vargas diz que conforme a necessidade cabe a eles orien­tar que o oftalmologista seja procurado e cuidar para que os óculos ou lentes de contato es­tejam adequados ao paciente. Eles podem trabalhar em ópti­cas e vender produtos e serviços deste ramo.

“Risco à saúde pública”

A oftalmologista Jiovana não questiona se os técnicos são ap­tos a avaliar a necessidade de lentes de grau. Ela diz que os exames não são autorizados por lei e avaliam o paciente de for­ma incompleta, o que considera um “risco à saúde pública”.

O exame oftalmológico é uma forma de analisar a estrutura do olho e sua relação com a saú­de do corpo. Ela destaca que as pessoas que usam lentes de grau receitadas por optometristas de­vem procurar um médico para reavaliar sua condição ocular. Dores de cabeça e desconforto com as lentes são indícios de que pode haver algo errado. O exame médico verifica condi­ções que não têm relação com os problemas visuais e pode pre­venir graves problemas, como a cegueira.

Falta fiscalização dos órgãos públicos

Segundo a coordenado­ra da Vigilância Sanitária de Lajeado, Sandra Maria Dossena, foram conce­didos quatro alvarás de funcionamento para op­tometristas no município. A renovação é anual. O órgão entende que eles exercem as atividades permitidas pelo Ministério do Trabalho e possuem consultórios adequados.

Ela diz que a legislação sanitária é de 1974 e não prevê regras claras para a atuação desses técni­cos. A fiscalização das atividades, na maioria dos casos é motivada por denúncias.

Em 2010, uma pessoa reclamou da utilização de equipamentos médi­cos em exames de visão. No processo judicial foi entendido que o alvará deveria ser liberado e o procedimento proibido.

O Ministério do Tra­balho e Emprego (TEM), na nova Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), impede o opto­metrista de tratar de do­enças dos olhos, realizar cirurgias, ou prescrever medicamentos e lentes de grau. Ele só pode emitir laudos técnicos, se res­ponsabilizar tecnicamente pelos laboratórios ópticos, indústrias do ramo, clí­nicas de visão, postos de saúde, estabelecimentos comerciais. No de doen­ças, devem orientar que o paciente busque um of­talmologista para exames detalhados.

Material entregue à Promotoria Pública

As prescrições dos optome­tristas, recibos de pagamento e orçamentos das ópticas envol­vidas foram entregues na tarde de quinta-feira ao promotor de Justiça Pedro Rui da Fontoura Porto. As gravações das consul­tas irregulares serão repassadas ao Ministério Público (MP).

Segundo Porto, os documen­tos apresentados e a matéria serão usadas para abertura de processo criminal, e serão en­viados para a área civil, a qual averiguará crimes contra saúde pública. Ele alerta que o profis­sional que exercer de forma ile­gal a medicina, ou exceder as atribuições médicas, pode sofrer pena de seis meses a dois anos de prisão com recolhimento de ma­terial e possível perda de diplo­ma do profissional envolvido.

É permitido aos optometristas

-Emitir laudos técnicos com orientação para consulta oftalmológica

-Trabalhar em laboratórios, clínicas, lojas e indústrias ópticas

-Cuidar para que os óculos ou lentes de contato estejam adequados

-Vender produtos e serviços deste ramo

-Trabalhar em equipes de saúde para a prevenção de doenças

É proibido aos optometristas

-Receitar lentes de grau

-Utilizar equipamentos médicos exclusivos de oftalmologistas

-Adaptar lentes de contato

Riscos à saúde

– Não diagnóstica doenças, como diabetes e glaucoma

– Tratamentos não especializados

– Uso contínuo de lentes de grau inadequadas

– Não realizam medição da pressão ocular

Acompanhe
nossas
redes sociais