O diretor do Centro Terapêutico de Tratamento do Alcoolismo (Central) aguarda decisão do estado para reavaliar sua decisão de fechar a instituição. Ontem à tarde, o deputado federal Enio Bacci (PDT) se reuniu com o secretário estadual da Saúde, Ciro Simonis, para reavaliar a portaria que estabelece normas às clínicas de tratamento para dependentes químicos. O secretário pretende modificar algumas delas.
Depois de anunciado o fechamento da Central para o fim do mês de junho, autoridades começaram mobilização. Bacci se encontrou com o secretário e ele, à noite, se reuniu com sua equipe para estudar mudanças. Bacci ressalta que além da Central outras clínicas estão com dificuldades de atender as exigências.
Na manhã de ontem, contrariado com as exigências feitas pela vigilância sanitária e Promotoria, o presidente do centro terapêutico, Roque Lopes, anunciou o encerramento das atividades. Disse que entregaria as chaves do seu patrimônio à administração municipal para que sigam com os atendimentos.
O impasse começou em 2010, quando em uma reunião do Fórum da Drogadição ficou firmado entre os participantes que os centros de tratamento para dependentes químicos deveriam seguir a legislação. Todos os locais foram visitados pela vigilância sanitária e representantes da saúde.
A Central, por ser considerada uma clínica e ter uma Unidade de Desintoxicação, chamada por eles de UTI, foi a mais exigida. O grupo constatou que, segundo a Portaria 430 da Secretaria Estadual de Saúde, a Central tem irregularidades na estrutura, nas formas de tratamento e na especialização dos profissionais responsáveis.
Depois de um ano de negociações e advertências, no início do mês, a Central recebeu uma notificação solicitando que a administração municipal apresente um alvará da vigilância sanitária e registro no Conselho Municipal de Entorpecentes (Comen).
Na semana passada, o Ministério Público (MP) instaurou um inquérito civil para recolher e analisar documentos do centro – um processo semelhante a uma auditoria. Segundo o diretor, estas atitudes incentivaram a sua decisão.
Lopes confirmou as negociações e se mostrou disposto em cumprir as exigências. Mas, depois de alguns dias, mudou sua opinião e na sexta-feira comunicou aos 20 funcionários que a Central fecharia no dia 30 de junho, quando o último interno conclui seu tratamento. Os trabalhadores no mesmo dia receberam o pagamento do salário e aviso prévio.
“As circunstâncias, radicalização e a teimosia deles fecharam a central”, emocionou-se Roque Lopes. Ele diz que nenhuma clínica ou centro de tratamento funcionará com as normas exigidas.
Ele diz que as mudanças são uma visão prepotente e arrogante da Promotoria, “eles acham que podem tudo. A central deu certo nos 25 anos”.
Como é hoje
– O paciente é internado por 15 dias em uma Unidade de Desintoxicação (chamada de UTI)
– Há 114 leitos em uma área de 1,5 mil metros quadrados
– Os consultores recebem cursos, mas trabalham baseados em experiência
– Os quartos têm nove leitos
– Não há acessos para cadeirantes
– As roupas são lavadas pelos próprios residentes
– Não há tela de proteção nas janelas da cozinha
Como deveria ser
– Deve ser feito um exame de sangue e urina para constatar a gravidade do paciente
– A desintoxicação deverá ser feita no hospital
– Os consultores devem ser formados pelo Conselho Estadual de Entorpecentes (Comen)
– Deve ter capacidade máxima de alojamento para 90 residentes
– Quarto coletivo para no máximo seis residentes, com padrão mínimo de 15 metros quadrados com área para guarda de roupas e pertences
– Banheiro para seis residentes: 1 bacia, 1 lavatório e 1 chuveiro. Ao menos um banheiro de cada unidade deve estar adaptado para o uso de deficientes físicos
– Quarto para monitor
– As janelas da cozinha precisam ter telas
– É preciso ter dois médicos clínicos
– As roupas dos internos devem ser lavadas pela instituição
– O local deve ter acesso a cadeirantes
– O abastecimento de água deve ser tratado – pela Corsan
– A instituição deverá apresentar cardápio da refeição oferecida
Estrutura atual
A Central tem uma Unidade de Desintoxicação (UD) com capacidade para 33 pessoas. São 27 leitos masculinos e seis femininos. No total, são 114 leitos com as enfermarias.
No local, há um refeitório para cem pessoas que serve tanto para os pacientes como familiares. O auditório tem 196 lugares e é usado para as reuniões de Alcoólicos Anônimos (AA), terapias de grupo, seminários e programas familiares.
Há ainda quatro salas de terapia, quiosque, academia de musculação e ginástica, biblioteca, sala de palestras, espaços para leitura e cancha de bocha. São atendidos 81 pacientes, dos quais 35% por motivo de dependência alcoólica, os demais por drogas ilícitas.
Município não assumirá entidade
O secretário de Saúde de Lajeado, Renato Specht, relata que a administração municipal não poderá se responsabilizar por um trabalho privado, mesmo que o proprietário repasse o patrimônio.
Ele diz que a desistência de Lopes é lastimável porque as exigências feitas pelos órgãos competentes eram ajustes ao seu trabalho. “Não temos como fazer nada, se a ele quer fechar.”
Funcionários estão abalados
Emocionada, a cozinheira Odila Eberle conta que trabalha há 20 anos na Central. Os internos e os colegas de trabalho são chamados de família por ela. “Aqui vemos as pessoas renascerem (sic).” Ela cita que as famílias trazem seus filhos quando tudo parece estar perdido, e assim que os buscam sadios passam semanas ligando e agradecendo.
Odila conta que no sábado pela manhã amigos e funcionários da instituição se reuniram no centro da cidade para uma manifestação. Segundo ela, um homem se aproximou questionando se o problema era dinheiro e que se fosse o caso, mesmo pobre ajudaria com R$ 100. “Todos ficaram comovidos com a situação.”
A colega Márcia Gisela Galas tem uma relação singular com a entidade. Agora ela é funcionária, mas há 20 anos internou seu ex-marido por alcoolismo e, há quatro, seu filho por uso de drogas.
O filho meses depois de sair da Central recaiu no vício e foi morto. Hoje, ela diz que cada interno que passa na entidade é um pedacinho do seu garoto. “Não tenho mais ele, mas cuidando dos outros e incentivando eles a deixarem as drogas, parece que estou ajudando meu filho.”
Ela ressalta que todos os residentes saem da central com o intuito de não voltarem mais, mas o inconsciente deles sabe que se houver recaída terão ajuda. “Na sexta-feira, a maioria chorou, quando soube a notícia.”
O instrutor Ingo Stertz diz que está frustrado com o fechamento e ainda não sabe no que trabalhará. Há 23 anos, ele era dependente de álcool, se tratou, fez cursos e hoje ajuda outros a saírem de suas dependências. Conforme ele, os instrutores são como segundos pais.
Leonardo Silveira, 28 anos, de Mato Grosso do Sul (saiu da internação na manhã de ontem)
Sou filho de psiquiatra e ela não conseguiu me convencer de deixar as drogas. Hoje, depois de 36 dias em contato com instrutores que viveram a minha realidade não quero mais usar.”
Leonardo Lagranha, 31 anos, de Cruzeiro do Sul
Os consultores nos mostram o caminho sem drogas, porque passaram por isso. Estou internado pela segunda vez e para mim a Central é tudo. Não podemos viver em um hotel como as exigências estabelecem. Até porque iríamos querer morar aqui.”
Cícero Govere de Castilhos, 38 anos, de Caxias do Sul
Na minha cidade conheço muitas pessoas que passaram pela Central e estão recuperadas. Tenho a convicção de que o mesmo ocorrerá comigo. Somos muito bem tratados na instituição. Sinto-me em casa.”