A barreira criada nas importações ilegais de países asiáticos fortaleceu o mercado interno em 2010 e oportunizou uma nova chance ao setor calçadista gaúcho. No Vale a preocupação é encontrar mão de obra para atender pedidos de clientes.
Em 2010 foram contratadas, em 13 cidades da região, 15.489 pessoas para trabalharem em indústrias, 4.262 a mais que em 2009. Contudo, as agências do Sistema Nacional de Empregos (Sine) têm listas extensas de ofertas de emprego, com dificuldades de preenchê-las. A estimativa é de que mais de duas mil vagas estejam em aberto na região.
Na crise de 2009 mais de 13 mil pessoas do Vale foram demitidas no setor calçadista. Muitas voltaram para suas cidades, outras procuraram trabalho em estados como Santa Catarina e mais de 40% migraram para a construção civil.
O presidente do Sindicato da Indústria de Calçados e Vestuário de Lajeado, Marcos Signori, diz que as empresas da região apostaram em linhas exclusivas para trabalharem no mercado interno e acredita que isso as fortalecem. Signori cita que todas as empresas calçadistas precisam de funcionários, muitos são procurados em Lajeado.
Um estudo encomendado pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) ao Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi) apontou que no ano passado foram produzidos 894 milhões de pares de calçados no Brasil, 9,9% a mais que em 2009.
O diretor executivo da Abicalçados, Heitor Klein, avalia que o crescimento deve-se às compras do mercado interno. Ele cita que no ano passado as fábricas brasileiras exportaram 143 milhões de pares e importaram 29 milhões.
Reviravolta no mercado interno
Desde o ano passado há um crescimento na demanda do calçado devido ao aumento da renda da população consumidora e pela aplicação do direito antidumping. A medida tem base em uma legislação internacional que analisa quando um produto é vendido por um valor aquém do preço do mercado.
A fase atual de expansão começou depois que o governo brasileiro aplicou uma sobretaxa no calçado importado da China. Após uma investigação foram identificados produtos chineses vendidos por um preço abaixo do mercado, que fazia com que a indústria brasileira perdesse a competitividade. Para entrar no Brasil, as empresas pagam uma taxa de US$ 13,85 por par.
As dificuldades do setor
Em 1994, ano da implantação do real, o setor calçadista ficou abalado. A moeda brasileira valorizou em relação ao dólar e os exportadores perderam a competitividade.
Após esse período, a economia estabilizou-se e o mercado cresceu. Contudo até 2008 o setor seguiu com dificuldades. Nesse ano, o segmento voltou a atingir números históricos de exportações e no mercado interno foi registrado crescimento.
Nos primeiros dez meses de 2009, a indústria nacional enfrentou a concorrência chinesa com os baixos preços dos produtos e as exportações no país reduziram em 30%. Em 2010 o setor mudou de foco e com o trabalho voltado para o mercado interno apresentou expansão na produção.
A indústria calçadista está recuperada
Depois do enfraquecimento do setor calçadista na região, em que empresas diminuíram o quadro social para contenção de custos, funcionários confirmam o fortalecimento no ramo de calçados.
João Renato Dick, 57 anos, de Santa Clara do Sul, trabalha há 16 anos e meio na fábrica mais antiga de calçados da cidade. Ele atua no setor de montagem dos sapatos e conta que há meses a empresa enfrentou uma crise, mas agora se recuperou. “Os funcionários tinham medo de perder o emprego na época da crise”, conta.
Roque Gilberto Kuhn, 48 anos, de Santa Clara do Sul, trabalhou 32 anos na mesma empresa de calçados, no setor de pré-fabricados e de costura. “Nossa principal produção era destinada ao mercado externo”, lembra.
Kuhn notou que o setor de exportação não estava bem. Parou de trabalhar no município e pode optar por um novo emprego em uma fábrica de calçados em Arroio do Meio. “Um ano depois saí, pois a empresa estava enfrentando o mesmo problema”, diz.
Em setembro de 2010, trocou mais uma vez. Desta vez, foi trabalhar no setor de bordados de uma empresa que terceiriza o serviço. Ele diz que as empresas mudaram o foco, “direcionando as atenções para o mercado interno, houve uma grande recuperação”.
A vinda de novas empresas
No ano passado duas empresas de grande porte se instalaram na região e outras modificaram o foco do trabalho. Todas passaram a dar mais atenção ao mercado interno em 2010.
Em junho do ano passado a Calçados Andreza S/A vendeu 30% de sua capacidade produtiva para a Calçados Beira Rio e optou em trabalhar apenas com o mercado interno, fabricando mais de três mil pares por dia das marcas Wolp, Mormai e Puma.
A empresa era a maior de Santa Clara do Sul e em anos passados teve mais de mil funcionários. Hoje o quadro está reduzido e a maioria dos trabalhadores transferidos para a nova empresa.
Um mês depois, em julho, a Calçados Bottero comprou os prédios da empresa Majolo, em Arroio do Meio e mudou o quadro de empregos daquela cidade. Inicialmente ela teve dificuldades de encontrar funcionários e trouxe de outras cidades como Roca Sales.
A Calçados Bottero trabalha com o mercado interno, sendo que apenas 8% de suas atividades voltam-se para a exportação com marca própria. Mantenedora de 2,5 mil empregos no estado é considerada a maior fábrica feminina de couro do mercado interno brasileiro.
A empresa tem a pretensão de produzir cinco milhões de pares de calçados até o fim do ano. Suas unidades produtivas ficam em Parobé, Osório, Santo Antônio da Patrulha, Travesseiro e Arroio do Meio.