O Morro dos Sete Barulhos
Nossa primeira abordagem é no interior de Arroio do Meio, na localidade de Arroio Grande, um vilarejo aparentemente pacato. Hoje com apenas três famílias, o Morro dos Sete Barulhos ficou assim conhecido porque habitavam sete famílias barulhentas.
Eles trabalhavam cantando alto e se comunicavam por meio de gritos de uma residência a outra, transferindo notícias ouvidas nos rádios ou de fofocas. As lutas por melhores estradas, energia elétrica e condições de vida também geravam altos ruídos.
Conforme o supervisor de Transmissão da Cooperativa Regional de Eletrificação Teutônia (Certel) Lotário Vallari, 59 anos, o nome Morro dos Sete Barulhos era uma forma de localização.
Era preciso dizer em qual parte de Arroio Grande necessitava de prestação de serviços. O nome ajudava os trabalhadores a localizarem onde deveriam instalar os postes e a energia.
Conforme o remanescente morador Inácio Dier, 48 anos, neste monte coberto por densa vegetação eram constantes as brigas entre os vizinhos, motivo do apelido que virou nome próprio.
Apesar de gostar do local onde mora, Dier deseja se mudar. Restam três famílias moradoras e isso trouxe problemas. Fatos estranhos e misteriosos passaram a acontecer.
“Há dois anos roubaram a motosserra e 20 litros de gasolina”, diz. O fato mais intrigante, entretanto, foi quando ao voltar para casa (que havia deixado chaveada), viu que todas as portas e janelas estavam abertas. “Não levaram nada”, conta.
Conforme Dier, o morador Alfredo Henkes (in memoriam) dizia que na verdade eram oito barulhos, somando quem apelidou a localidade. A Certel, que instalou os primeiros fios de luz na localidade, é uma das principais responsáveis pela nomenclatura.
O avô de Inácio nasceu em 1920 e mudou-se da Alemanha para Forqueta. Ele passou a morar no morro em 1964, quando tinha 26 anos, e morreu em 1993, aos 73 anos.
Brincadeiras e mistérios
A família Reckziegel foi uma das precursoras da localidade. Os agricultores Darlindo e Ilma Reckziegel (in memorian) chegaram com seus pais e adquiriram as terras, colonizadas por alemães. “Era muito divertido quando todos iam à roça cantando e falando muito alto”, conta Ieli, filha de Ilma, que ainda mora no local.
Segundo ela, a mãe, natural de Praga, na República Checa, fez parte de sindicatos que lutavam por aposentadorias para mulheres do campo.
Os moradores chegaram abrindo caminho para os trabalhos no campo. As sete famílias eram numerosas, pois cada casal tinha cerca de dez filhos, o que aumentava a barulheira.
Ieli afirma que notícias ouvidas pelo rádio se disseminavam rapidamente, pois os moradores gritavam informando aos demais. No golpe militar de 1964, a vizinha da família avisou a todos no morro com um só grito: “Estourou a revolução!”.
A mãe, preocupada, reuniu os filhos dentro de casa. Havia um plano, caso os militares invadissem a propriedade: fugir pela densa vegetação dos fundos da casa.
Ieli e Maria Gorete, únicas filhas do casal, e os oito irmãos estudaram em locais diferentes. Os homens, em seminários, forma mais prática de acesso aos estudos. As meninas, entretanto, contornavam o morro a pé para chegar até a estrada mais próxima e pegar a condução que lhes levaria à escola Onze de Junho.
A infância das meninas Reckziegel ficou marcada pela simplicidade e proximidade com a natureza. Avistar cobras dentro de casa era comum. Aparição de macacos se tornou um problema, pois destruíam as plantações e era preciso contê-los. “Eles arrasavam tudo numa noite”, conta Gorete.
As crianças fabricavam o próprio brinquedo. As meninas faziam bonecas à mão, com espigas de milho, prática ensinada pela mãe. Os meninos exploravam a mata atrás de aventuras. Sacos de açúcar e farinha, eram a matéria-prima das roupas costuradas pela mãe.
Em épocas de Natal e Páscoa, a mãe Ilma fabricava os presentes pela madrugada para distribuí-los de manhã. Um fato intrigante que marcou a memória dos moradores foi a invasão de gafanhotos. “Uma nuvem cobriu o céu e invadiu as plantações. Árvores foram derrubadas facilmente em questão de minutos”, lembra a moradora.
O agricultor e pai dos dez filhos, Darlindo Reckziegel, natural da Tchecoslováquia, só falava em alemão e foi preso por isso. No Brasil, entre os anos 1942 e 1945 era proibido falar o idioma.
Nesta época, na saída de um baile, militares escondidos prenderam Darlindo. “Os policiais estavam deitados numa valeta”, disse a filha. “O pai sempre afirmou que não havia falado nada.”
Morro hoje
Atualmente três famílias ainda residem no Morro dos Sete Barulhos, sendo que uma delas utiliza a casa para descanso, pois reside na capital. As outras duas famílias atuam no campo e produzem o suficiente para viver.
A diferença fundamental entre as decadas passadas é que hoje as famílias são menos numerosas. Inácio Dier e sua esposa, por exemplo, não têm filhos. A comunicação do grito foi substituída pela telefonia móvel, que apresenta falta de cobertura das operadoras. “Hoje um grita e o outro não escuta”, brinca Inácio.
Os filhos dos Reckziegel, que residem em Porto Alegre utilizam a propriedade nos finais de semana para lazer. Durante a semana, as famílias deixam caseiros para cuidar das residências e dos animais.
Outra diferença, é que se antes os colonizadores abriram caminho a mão para plantar e sobreviver da terra, agora os produtores utilizam outras técnicas agrícolas. O uso de agrotóxicos e venenos para combater a vegetação difere dos cuidados com a terra nos anos 1950. “O que mais gostava de fazer era capinar”, disse Ilma Reckziegel, referindo-se ao pai.