São crianças, adultos e idosos que vivem em abrigos, clínicas de recuperação ou nas ruas e pedem por uma atenção neste período de festas. Para eles, a mesa farta de alimentos, cercada de parentes e amigos, existe só na imaginação ou em lembranças.
Esta realidade está presente na Sociedade de Assistência à Infância e à Adolescência de Lajeado (Saidan), na qual vivem 12 crianças vítimas de maus-tratos, negligência da família ou pela falta de responsáveis legais.
Segundo a coordenadora do local, Ela Johann, toda equipe se mobiliza durante o período de festas para que as crianças não sofram com a ausência da família.
Ela diz que são proporcionadas atividades paralelas nos dias próximos a datas festivas desta época, em parceria com outras entidades e com auxílio da comunidade. “Doação de brinquedos é outra forma de amenizar a tristeza de alguns. A tradicional ceia será realizada nesta sexta-feira.
A coordenadora conta que para muitos o único Natal com significado positivo para as crianças ocorreu no abrigo. Segundo Ela, geralmente, as lembranças das festas com familiares são de violência ou descaso. “Todos os anos recebemos ligações na época natalina de crianças que foram adotadas”, orgulha-se.
Segundo a assistente social da Saidan, Josiane Pezzi, esta época serve de reflexão para as crianças. Ela diz que a maioria fica na expectativa de uma novidade, como uma adoção. “É um momento de esperança para eles”, diz.
Eles não gostavam do Natal
Para dois irmãos órfãos que hoje vivem sob cuidados da equipe, o Natal só teve significado dentro da Saidan. A menina, com 13 anos, se cala ao ser questionada sobre as festas de fim de ano com a família. Diz apenas que “era diferente” e que prefere passar junto dos funcionários da sociedade.
Seu irmão, de apenas 7 anos, abre um largo sorriso quando questionado sobre a data. “Gosto muito das festas e de ganhar presente”, diz. No entanto, o semblante muda quando a pergunta é sobre antigos natais. Assim como a irmã, ele fala pouco sobre o assunto, apenas comenta sobre a falta de carinho em outros locais durante as festividades.
Sem tempo para celebrar
Com quase dez anos vividos nas ruas, dormindo em praças, viadutos ou calçadas, sob a proteção de um papelão, Ari da Costa hoje vive no Abrigo São Chico. Lá, se mantém longe do álcool e da violência com a qual se acostumou nos anos de sofrimento. Ele diz que passou a maioria dos natais sozinho, perambulando pelas ruas em busca de alimento. “Passava pelas casas e enxergava as famílias comemorando, mas não tinha tempo para isso, precisava sobreviver”, lembra.
Ari esqueceu quando foi que passou um Natal em família e afirma que não sente falta deste contato. Para ele, o período é de solidariedade entre as pessoas. “Lembro que, na rua, sempre conseguia facilmente alimento nesta data”, diz. Hoje, ele garante que prefere passar o Natal com a equipe do abrigo, em vez de tentar uma reaproximar-se da família.
Longe da família, perto das drogas
Internado em uma clínica para dependentes de drogas, um homem de 34 anos lembra apenas do Natal quando era criança. Ele começou a usar drogas com 13 anos e desde então não participou mais das ceias e festas familiares. No início, conta ele, eram viagens com amigos para a praia a fim aproveitar as férias. “Mas isto me fez perder contato com a família”, diz.
Nos últimos anos, viciado em crack e cocaína, ele não parava em casa. As datas festivas eram insignificantes para ele. “Descobria que era Natal pelos enfeites nas ruas, mas pouco me importava”, conta. Sem usar drogas há quase três meses, ele pretende passar a ceia deste ano com a família. No entanto, teme a reação de seus pais e irmão. “Espero recuperar o espírito natalino e o tempo perdido longe de casa”, declara. Após passar as festas de fim de ano com a família, ele terá mais três meses de tratamento.