Julgamentos demorados, insistência de jogadores e pena branda para quem é pego com máquinas caça-níqueis fazem com que cada vez mais pessoas apostem no crime. A cada mês pelo menos uma nova sala de jogatina é fechada.
Desde o início do ano, 26 máquinas e 91 computadores foram apreendidos pela Polícia Civil de Lajeado, porém ninguém foi preso. Por lei os proprietários dos estabelecimentos e dos equipamentos recebem da polícia apenas um Termo Circunstanciado (TC).
Algumas casas, mesmo depois de fechadas e de os proprietários receberem multas altas, reabrem. “O lucro desses criminosos é superior à pena”, cita a delegada de polícia, Flávia Colossi Frey.
Ela diz que a polícia deixa de atender a crimes mais graves para fechar esses locais. “Preciso de uma equipe grande de polícias para simultâneamente invadir os espaços”, diz. A delegada relata que há comunicação entre os donos das salas de jogos e quando um é fechado os demais ficam sabendo.
Neste ano, mais de 20 pontos foram fechados. Destes, em dois os donos são reincidentes no crime. Um reabriu uma casa de máquinas caça-níqueis na rua 17 de dezembro, no bairro Hidráulica e outro um bingo na rua Alberto Torres, no centro da cidade. Nesse, na sexta-feira da semana passada, a polícia apreendeu 31 computadores, móveis e R$ 944 em dinheiro.
O valor que é recolhido fica retido em um fundo da Justiça até que o crime seja julgado.
Se o réu for absolvido, o valor retorna para ele, mas se condenado fica no fundo.
Devido à demanda de trabalho na Justiça, o julgamento dos acusados ocorre depois de dois anos. Na presença do juiz, a Promotoria oferece um acordo para o acusado que pode ser um serviço comunitário ou multa – varia conforme a gravidade do crime.
Para a delegada, na maioria dos casos é solicitado que o acusado pague a multa. Esse entra na conta da Associação Lajeadense Pró-segurança Pública (Alsepro) que reverte o recurso aos órgãos da segurança pública.
Se o réu recusar a oferta, inicia-se um processo criminal que leva mais tempo. Enquanto isso, todo o material apreendido fica retido na Delegacia de Polícia de Lajeado. Mas, com a falta de espaço acaba abarrotado e deteriorado.
Segundo a delegada, perícias feitas pelo Instituto-geral de Perícia (IGP) a pedido da delegacia comprovam que as máquinas são programadas para que o jogador sempre perca. Assim o dono da casa fica com o lucro.
Formas de fuga
Mesmo com penas amenas, os bandidos aprimoram os equipamentos para facilitar a fuga, quando a polícia aparece. De grandes caixotes, as máquinas caça-níqueis passaram a serem fabricadas em maletas. A polícia precisa montar um cerco e pegar os envolvidos em flagrante. Isso demanda mais policiais, tempo e viaturas.
O jogador sabe que as máquinas são programadas
O psiquiatra de Lajeado, Roberto Lima, afirma que a maioria das pessoas utiliza os “jogos de azar” de forma recreativa sem caracterizar dependência. Um exemplo são as loterias oficiais – Quina, Mega-Sena, Loteria Esportiva e outras.
Segundo o psiquiatra, algumas pessoas desenvolvem uma relação doentia com o jogar. “O tempo e o dinheiro gastos com o jogo assumem uma proporção exagerada na vida do indivíduo. Ele coloca o jogo entre suas prioridades, o que é anormal”, relata.
Ele diz que assim como em outras dependências o sujeito sente “fissura”, ou seja, uma vontade intensa, uma compulsão para jogar. Ao mesmo tempo, enquanto o dependente se envolve mais com o jogar se dedica menos a outras atividades. A resistência em admitir o problema, e/ou a procurar tratamento é comum.
Lima afirma que as pessoas sabem que as máquinas são programadas para dar lucro, mas acreditam, a cada vez que apostam, que “dessa vez” ganharão. “Da mesma forma que há drogas mais potentes, com mais chance de provocar dependência, há jogos que aumentam esse risco”, diz. As máquinas caça-níqueis e outros jogos de premiação instantânea têm essa característica.
O tratamento pode ser com medicamento e principalmente psicoterápico. O médico conta que há técnicas de psicoterapia desenvolvidas para esse tipo de problema, habitualmente o tratamento de poucas sessões. Em alguns casos, é necessário o envolvimento da família.
O desmanche das máquinas
Após o julgamento, as máquinas apreendidas precisam ser destruídas ou receber um destino adequado. Em Lajeado, os sócios José Paulo da Cunha e Guilherme Cordeiro criaram uma empresa para reciclar o lixo eletrônico. É a única no estado com licença ambiental para esse trabalho.
Eles recolhem as máquinas caça-níqueis e os computadores, desmontam o equipamento e fazem a triagem – separação de plástico, metal e outras peças. Os que têm mais capacidade e estão em boas condições são reciclados. Mesas, cadeiras e outros materiais apreendidos passam pelo mesmo processo.
Os sócios recebem apoio da Alsepro e da Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil) e trabalham com projetos, como o de ressocialização do preso. Em parceria com a ONG Drogas Tô Fora – que atende detentos dependentes químicos – serão admitidos na empresa dois presos do regime semiaberto nos próximos dias.
Outro projeto, que ainda não está em prática, é o destino de um computador reciclado por mês a um adolescente carente da cidade.
A internet dá dicas aos jogos
Há páginas na internet que ensinam a jogar em máquinas caça-níqueis. Em algumas os criadores citam mitos e fatos sobre as jogadas, contrariando a Lei Federal de 2007 de proíbe instalação, manutenção e qualquer tipo de ligação com jogos de azar.
Armário escondia bingo
Em setembro, a Brigada Militar (BM) investigou por duas semanas um bar no bairro Americano e descobriu uma sala de jogatina atrás de um armário. Dois jogadores e o proprietário receberam TC e foram indiciados, mas respondem em liberdade.
Oito máquinas caça-níqueis e R$ 260 que estavam dentro delas foram apreendidos. A porta para entrada da sala ficava dentro de um armário em um dos quartos. O ambiente tinha ar-condicionado, exaustor e isolamento acústico, visto que no local não havia ventilação.