As letras que antes eram conhecidas apenas por semelhança por Cezário e Eronita Bueno, ambos com 60 anos, hoje começam a se definir, formando palavras e frases. Mesmo analfabetos, viajam para estados vizinhos, trabalham e até mesmo têm lista telefônica. “As pessoas perguntam como conseguimos conquistar tudo o que temos sendo analfabetos”, diz Cezário.Aposentado, após trabalhar durante 38 anos em uma indústria, Cezário é o único homem dentro da sala de aula da Escola de Jovens e Adultos (EJA) de Santa Clara do Sul. Desinibido assumiu a responsabilidade ao lado da esposa Eronita, que costura e assa pães para vender. Juntos, há um mês eles frequentam as aulas que duram duas horas nas noites de quarta-feira.
Um dos principais assuntos para eles é o tema de casa, em que recebem uma ajuda especial da neta de 10 anos. Em aprendizagem, tudo para o casal é novo. Eronita conhece o alfabeto e lentamente escreve seu nome emendado. Cezário consegue completar frases. Ambos almejam aprender a ler e a escrever o mais rápido possível para seguir a outra etapa – a educação digital.Há poucos anos, o casal realizou o sonho da casa própria, possível depois de um financiamento bancário, que necessitou de leitura e diversas assinaturas. Conforme Eronita, sempre encontraram pessoas honestas que os instruíam de forma correta para assinar documentos.“Queremos entender o que está escrito na TV e ler a bíblia”, contam. Agora que estão mais tempo em casa assistem a programas televisivos e explicam que às vezes não entendiam assuntos porque não sabiam ler a legenda.Cezário diz que vários integrantes da família trabalham como repórteres e lamenta não ter tido a mesma oportunidade que eles. “Vou estudar e quem sabe também posso me tornar um repórter”, entusiasma-se. Eronita teve mais 15 irmãos e em função disso frequentou pouco a escola. “A casa da família ficava a seis quilômetros de distância da escola e as meninas não podiam sair à rua sozinhas”, lembra.
Casados há 36 anos, Cezário e Eronita sempre incentivaram os filhos a estudar. Ela conta com orgulho que os livros foram o principal companheiro na adolescência de seus filhos. Eles consideram-se mais responsáveis aos 60 para a educação e contam que fazem tudo o que a professora pede. “Nossa vida mudará muito, porque agora vamos entender melhor as coisas que nos rodeiam”, diz Eronita.Na semana passada, eles participaram da feira do livro, o que para eles foi extraordinário, visto que agora sabem o sentido das obras.
Adultos valorizam mais a educação
A professora do EJA, Ivone Kist, leciona há 28 anos. Segundo ela, um adulto, pela bagagem de conhecimento que tem, se interessa muito mais por educação do que um jovem. Ela explica que há uma valorização maior do conteúdo, porque são utilizados assuntos do cotidiano deles. “Alguns frequentam para aprender, outros para aumentar a autoestima e há aqueles que criam um novo objetivo na vida”, diz.Ivone relata que a maioria dos analfabetos tem vergonha de revelar-se como tal, mas quando começam a aprender descobrem um mundo novo, porque passam a entender melhor a própria rotina. “Quem procura a escola aos 60 anos é corajoso e admirável”, expressa.
Mais de cem alunos passaram pela EJA
O município iniciou as aulas para jovens e adultos há quatro anos. O objetivo principal era melhorar a educação e a forma de agricultores administrarem suas propriedades. As atividades passaram pelas localidades de Alto Arroio Alegre, Sampainho e Nova Santa Cruz, totalizando a formação de 98 alunos. Neste ano, o atendimento é feito no centro da cidade e estão inscritos 32 alunos para de 5ª a 8ª série e mais nove alunos analfabetos a 5ª série, em que pessoas de mais de 60 anos participam.
O secretário da Educação, Gilmar Antônio Hermes, conta que, em 2007, a cidade recebeu um prêmio de município livre de analfabetismo. Ele que também foi professor do EJA explica que quem leciona para adultos precisa ser particularizado no conteúdo, porque o próprio aluno exige mais do profissional. Hermes diz que um dos alunos formados na EJA trabalha como frentista de um posto de combustíveis de Lajeado e deixou o trabalho para voltar para o campo e colocar em prática o que aprendeu na escola. “Hoje ele produz mais em sua propriedade e administra ela muito melhor”, salienta.