Se existe uma fórmula para passar dos cem anos com lucidez e saúde, o agricultor Pedro Fermino Vieira conhece. Descendente de bugres, morador da Comunidade de Picada Café, Fontoura Xavier, aos 114 anos ele ensina uma receita caseira que funciona bem: boa alimentação e viver feliz sem medo da morte. Prestes a completar 115 anos no dia 6 de dezembro, atestados pelo Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), ele pode ser a pessoa mais velha do mundo.
Segundo o livro dos Recordes Mundiais, Guinness Book, a francesa Eugénie Blanchard, que nasceu em 16 de fevereiro de 1896, é considerada a mais idosa do planeta catalogada. Porém, ela é mais jovem que Pedro. A ex-freira herdou o título da japonesa Kama Chinen, de 114 anos, que morreu em 2 de maio.
Enquanto que a ciência trabalha para prolongar a vida e não descobre a fórmula eterna, Anderson da Silva Noronha, de 9 anos, se vale da experiência do bisavô para chegar bem até lá. “Se meu avô tem 114 anos e uma saúde de ferro, eu quero chegar longe assim. Para isso, tento seguir seus conselhos, me alimentar direito e nunca parar de me exercitar. Acho que o jeito é manter o corpo sempre em movimento”, conta.
Nas rodas de amigos e na companhia dos bisnetos Vieira ensina suas lições de vida. Ele desempenha atividades corriqueiras do dia a dia, mantendo o trabalho, cuidados com a família, vida social e encontrando disposição para um namorinho. “Meu pai é uma pessoa feliz, contador de histórias e muito namorador. Talvez seja por isso que tenho 19 irmãos”, brinca a filha Neusa, de 43 anos.
O médico Agostinho Both, especialista em Gerontologia Social e mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ), afirma que é cada vez mais comum o aumento do número de pessoas centenárias em todo o mundo, tanto pela preocupação com a alimentação quanto pela melhoria das condições sanitárias e do progresso do atendimento de saúde. “Todavia com essa extensão de vida, como a de Pedro, é muito raro. Acredito que a combinação de fatores genéticos, ambientais e costumes saudáveis possam ter garantido essa longevidade”, diz.
Segundo Both, pesquisas indicam que pessoas longevas vivem felizes, não temendo a morte, e por terem atravessado dificuldades são resistentes. Eles demonstram a possibilidade de outros sujeitos poderem celebrar a vida que se estende de forma saudável. Além disso, os fatores biológicos são importantes para explicar a saúde e a lucidez do centenário de Fontoura Xavier. “Se o pai dele viveu 125 anos, parece haver um caso interessante de estudos, indicando-se que a genética é decisiva nessa situação.Acho muito interessante esse evento fazer parte no Guinness Book. É uma boa iniciativa”, garante.
Ele é mais velho que o cinema e o rádio
Enquanto que os irmãos Louis e Auguste Lumière, franceses, criam o cinema no dia de 28 de dezembro de 1895 e o físico italiano Guglielmo Marconi faz a primeira transmissão de rádio, uma das maiores descobertas do mundo, Pedro na pequena comunidade de Guamirin, a região norte do estado, completava alguns dias de vida. Ele recorda que na época havia três famílias morando nas redondezas. “Tinha um escrivão, um moinho e uma casa comercial, o resto era mato. A gente se orientava pelo sol, pois não havia relógios. Rádio e cinema só fui conhecer uns 40 anos depois. Vivíamos do plantio de milho, feijão, erva-mate e da caça de animais silvestres”, lembra. Vieira diz que à noite, enquanto que uns dormiam, outros ficavam em vigília cuidando da fogueira, uma das formas de amedrontar os animais selvagens, como tigres e onças. “Eu era um bom caçador. Matei até tigres”, se empolga, interpretando os movimentos da caça. Pedro aprendeu a calcular e ler por conta própria, pois na época não existiam escolas.
Uma das suas maiores paixões é a sanfona que não toca há décadas. “Eu adorava animar os bailes no chão batido, realizados de sol a sol”, lembra.Pedro, como de costume, acorda às 6h, toma café e reserva tempo para os bisnetos. Ele afirma que adora uma taça de vinho antes do almoço, “faz bem ao coração”. “Como de tudo, feijoada, ovos fritos, torresmo, toucinho, carne de porco e frutas. Não existe coisa melhor”, ressalta.
Quando perguntado sobre o segredo que o levou a testemunhar tantos fatos históricos, ele não reluta em responder. “Mantenha-se ocupado, trabalhe duro, não tenha medo de morrer e namore bastante. Isso mantém o espírito jovem”, pondera. Vieira teve duas esposas, 20 filhos, 25 netos e nove bisnetos. Ele apenas se queixa de problemas de audição e visão, mas segue acreditando na vida. Segundo o centenário, o pai faleceu com 125 anos.
Cem anos regados a bastante vinho
Considerado um santo remédio, um copo de vinho mantém a memória e a lucidez de seu Antônio Girardi, de Alta Forquetinha, em Canudos do Vale. Ele completou um século de vida no dia 7 de maio deste ano.
Girardi é natural de Garibaldi, onde viveu até os 11 anos, antes de se mudar com a família para a comunidade de Lajeadinho, interior de Boqueirão do Leão. Foram dois dias de viagem de carroça, costeando o arroio. “Por muitos quilômetros a mudança teve de ser levada a cavalo. Não tinha escola, igreja ou hospital. As pessoas não têm noção da dificuldade que vivíamos. Hoje vivemos num mundo novo. São tantas as facilidades que as pessoas não sabem valorizar”, comenta.
Há 15 anos, ele mora na comunidade de Alta Forquetinha, em Canudos do Vale, onde reside com um dos sete filhos, Oli Pedro Girardi, vice-prefeito e secretário de Obras do município. Antes da aposentadoria Antônio foi carroceiro e levava produtos coloniais para Lajeado. Depois foi agricultor e administrou uma serraria movida com a força da água. Ao longo desses cem anos, largou muitos vícios como o cigarro, o chimarrão, mas não dispensou o vinho feito em casa. “Esse é o meu remédio e a minha receita para chegar nesta idade com saúde. Além disso não podem faltar verduras e produtos, como linguiça feitos em casa, de forma artesanal”, conta.
A bengala é o apoio inseparável. Com ela, ele realiza caminhadas, dentro e ao redor de sua casa. Nestes cem anos de vida ficou internado uma vez. Nunca tomou remédios, preferindo chás de ervas cultivadas em sua horta. “Deus dá o sol para todos e a sombra para quem merece. Do que é ruim não lembro, do que é bom tenho saudades. Todos podem chegar aos cem anos, basta se ter vontade de viver e muita fé”, afirma.
Genética e boa alimentação
A nutricionista Priscila Azambuja Lopes de Souza concorda que a combinação dos fatores genéticos com o ambiente onde Pedro morou durante toda a vida são a garantia de longevidade e de lucidez ao idoso. Ela destaca o vinho, rico em nutrientes, que garante proteção para o bom funcionamento do coração e, com um consumo regrado, é um importante aliado da boa saúde. “As frutas e verduras livres de agrotóxicos cultivados em horta caseira e os produtos sem conservantes, ricos em sódio, são fundamentais para se chegar à terceira idade com uma boa saúde”, afirma. Ela destaca a influência de frutas, verduras, legumes, peixes, linhaça, feijão, vegetais verdes escuros como influência na lucidez e a boa memória do centenário. Além disso, o estímulo mental deve ser sempre priorizado por meio de estudo, leitura e atividades intelectuais. “Também é importante cuidar da saúde cardiovascular, por meio do controle dos níveis de colesterol, glicemia, manutenção do peso e da pressão arterial”, informa.
Foto carolina leipnitz