Prática corriqueira no passado, tanto para a manutenção das propriedades e da riqueza, quanto para garantir a continuidade das famílias e da dita linha de sangue, hoje os casos de união entre primos de primeiro grau vêm diminuindo. Para se ter uma ideia, atualmente no Brasil, apenas 2% dos casais têm entre si esse grau de parentesco.
Exemplos de uma tendência comum no passado, os primos de primeiro grau Leoniro e Lucena Borger, residentes em Alto Conventos, interior de Lajeado, superaram as apreensões da família por medo de descendentes “errados” e consumou uma relação de amor que se encontra às vésperas de completar 40 anos. Seus cinco filhos nasceram saudáveis e garantiram 17 netos que hoje são a alegria do casal. Lucena conta com saudade as histórias dos tempos de juventude, quando para aproveitar os bailes uma moça “direita” deveria sempre contar com a companhia de um parente homem. Segundo ela, geralmente irmãos e primos mais velhos eram incumbidos da missão e muitos amores nasceram do afeto gerado pela proximidade praticamente imposto pela família. “Naquele tempo se tinha o conhecimento que os filhos poderiam vir com problemas de saúde, mas em nosso caso o amor falou mais alto”, afirma.
Igreja exije autorizaçãodo bispo
O padre Antônio Puhl, da Paróquia Santo Inácio, em Lajeado, aponta que em 12 anos de atividades na diocese teve poucas oportunidades de realizar o sacramento entre primos de primeiro grau. O direito canônico é contra o casamento de parentes diretos, como tios e sobrinhos, avós e netos e assim por diante, e embora não recomendado, a possibilidade do enlace entre primos pode ser assegurada por meio de um processo protocolado junto ao bispo Dom Sinésio Bohn, no caso de Lajeado e região.
“A ciência considera arriscada a união entre primos de primeiro grau no aspecto genético de descendência mesmo assim essa é uma união que conta com amparo da sociedade e da igreja em casos aprovados pelo direito canônico”, afirma.
O padre explica que hoje a religião conta com o apoio da ciência na análise da compatibilidade genética entre os pretendentes para evitar problemas genéticos. O padre destaca que é sempre aconselhável ao casal fazer pelo menos uma avaliação médica antes de decidir ter filhos e acredita que a prática seja mais frequente nas áreas rurais, onde a família é mais centralizada e as opções de pretendentes mais limitadas.
Para noivos que vêm de famílias sem histórico de doenças genéticas, o risco é de fato baixo. Segundo dados da Unesco, casais sem consanguinidade têm 3% de possibilidade de ter um filho com alguma falha genética, valor que cresce para 4,7% nos casos de parentesco confirmado.
O casal Borger cita dois descendentes mais jovens da família que recentemente realizaram o matrimônio e apontaram a sua união para acalmar as apreensões do resto da família quanto a possíveis problemas genéticos. Lucena diz que a proximidade desde sempre foi um dos motivadores do amor, “às vezes os namorados mal se conhecem e se apressam em casar”. Ela acredita que seja importante que duas pessoas tenham tempo para se conhecer e amadurecer o amor antes de planejarem filhos e trocarem juras de amor eterno. Segundo Leoniro, o seu “lado” da família se opôs à união por medo de problemas com os descendentes, enquanto o de Lucena foi a favor desde a revelação do amor de ambos “mesmo assim tudo estava decidido, o amor é assim mesmo, eu acho”, declara.
Examespreventivos
A obstetra lajeadense Brigite Rance explica que o exame utilizado para detectar problemas de formação do feto durante a gravidez chama-se teste de triagem pré-natal e consiste na retirada de sangue ou de uma pequena amostra da placenta para definir a condição genética do bebê em gestação. “Para casais que desejam antecipar as chances de uma gravidez segura antes da fecundação o procedimento é denominado aconselhamento genético e determina a probabilidade de doenças por meio da análise da árvore genealógica da família”, afirma. A profissional conta que Lajeado contou com um profissional especializado nesta área, mas agora o serviço não está mais disponível e recomenda aos pais o Departamento de Genética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, cujo trabalho considera brilhante. Segundo Brigite, muitas vezes a natureza se encarrega de interromper gestações de risco e que casos de natalidade intrafamiliar têm decaído nos últimos anos pelo que considera uma tendência natural de descentralização do afeto e decorrência natural do aumento da população e da maior oferta de locais e ocasiões que proporcionam novas amizades e amores.