Estações hidrológicas e meteorológicas, tanto automáticas quanto convencionais (que dependem de um operador), do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), estão sucateadas e com vácuos no funcionamento.
Essa é a conclusão de pesquisa desenvolvida pelo vice-reitor da Unisinos, Artur Eugênio Jacobus. Integrante do comitê científico do Plano Rio Grande, o professor fez uma pesquisa sobre o funcionamento dos aparelhos no estado.
“A ausência de dados afeta a confiabilidade de previsões e de estudos sobre o clima, com potencial impacto nas ações de prevenção e resposta a eventos extremos”, destaca.
O estudo foi apresentado ao comitê gaúcho e entregue ao Inmet. “Dois aspectos me chamaram atenção. Nas convencionais, o monitoramento 24h por dia, toda a semana, não acontece. É como se funcionasse apenas em horário comercial. Não monitoram a noite, nem nos fins de semana. Isso, está claro, é falta de pessoal. Já as automáticas, a questão é manutenção”, explica.
Como o instituto é referência tanto no país quanto para modelagem em agências internacionais, a qualidade da informação fica comprometida. “Para se ter uma ideia, nas automáticas há o problema de sensores que param de funcionar por um tempo, ou pior, repassam leituras equivocadas.”
Ao todo, são 45 convencionais e 11 automáticas. Pelo estudo, 15 apresentaram falhas recorrentes na geração dos relatórios. Esse número alcança 26,7% das estações do instituto. No Vale do Taquari, existe apenas uma estação, fica em Teutônia.
Apagão no momento crítico
Durante as chuvas incessantes do fim de abril e início de maio de 2024, a estação de Teutônia parou de funcionar. “Fica muito difícil fazer um estudo climatológico, que precisa de continuidade, para se ver o padrão ao longo dos anos e das décadas”, destaca Jacobus. A estação de Teutônia não tem como missão acompanhar a subida dos rios, ou o risco de enchentes, mas de captar temperatura, umidade e quantidade de chuva naquela microrregião do Vale do Taquari.
As falhas, segundo Jacobus, criam o que ele chama de “deserto de informação”. Essa ausência compromete a eficácia dos modelos de previsão e da modelagem hidrodinâmica”, frisa o professor e continua: “a estação precisa operar com regularidade. Um estudo climático sério exige pelo menos 30 anos contínuos de dados.”
Um caso emblemático é o de Porto Alegre. “O monitoramento e relatórios sobre temperatura, chuva e nível do Guaíba começaram em 1910. Agora, em 2024, deixamos de registrar porque falta operador ou manutenção? É inaceitável.”
Soluções e caminhos
Para Jacobus, a solução envolve reforçar o quadro técnico do Inmet e criar um sistema de manutenção rápida, com contratos específicos para suporte em campo. Em termos estaduais, o comitê avalia junto com o Piratini a compra de estações e de equipes para garantir o funcionamento com dinheiro do Fundo da Reconstrução do RS (Funrigs).
“O problema não é só investimento. Em termos do Inmet, hoje há menos servidores do que se tinha há 20 anos. O mundo trabalha com sistemas de monitoramento em tempo real, com qualidade e resposta rápida. O Brasil precisa entender que informação climática é infraestrutura crítica.”
O relatório elaborado por Jacobus foi encaminhado à direção do Inmet e à imprensa. Ele afirma que pretende continuar o monitoramento e buscar articulações com cientistas de dados, universidades e outros órgãos públicos para ampliar a discussão sobre a qualidade da rede.
“Antes esse assunto interessava a poucos, agora é uma questão pública. Precisamos pressionar por melhorias. Não podemos mais aceitar trabalhar com o que temos. Precisamos de informação com qualidade e continuidade.”
Resposta do Inmet
Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia, está em curso um plano de recuperação e ampliação da rede de monitoramento meteorológico no país, com olhar especial para o Rio Grande do Sul. Entre as ações previstas, está a instalação de 98 novas estações automáticas, com início previsto para o segundo trimestre de 2025. Os recursos são oriundos de crédito extraordinário liberado pelo governo federal.
O Inmet também aponta um aumento de 46% no orçamento para 2025, destinado à produção e divulgação de dados meteorológicos e climatológicos. O plano inclui ainda a criação de 27 novas unidades de apoio meteorológico, uma em cada unidade federativa, substituindo os antigos seis distritos meteorológicos, além da convocação de novos profissionais por meio de concurso público.
A instituição afirma que todas essas medidas integram o Planejamento Estratégico 2025-2031.
Histórico do número de estações em funcionamento
- De 1961 a 1990, haviam 325 estações com dados publicados
- Até 2010, subiu para 334
- Em 2020, caiu para 190
Detalhes do relatório
- São 45 estações convencionais (com operador) no RS
- Outras 11 automáticas
- Convencionais com problemas: Porto Alegre, Santa Vitória do Palmar, São Luiz Gonzaga, Bagé, Cruz Alta, Caxias do Sul, Lagoa Vermelha, Passo Fundo, Pelotas (completamente inoperante desde janeiro de 2024) e Bom Jesus
- Erro mais comum: falta de monitoramento durante a noite e nos fins de semana.
- Santa Maria, a única estação convencional que nunca teve interrupções.
- Automáticas inoperantes: Mostardas (desde abril de 2024), Ibirubá (dezembro de 24), Santa Rosa (fevereiro de 25), Torres (agosto de 24), Teutônia (falha no sensor durante chuvas de abril e de maio de 24).
Consequências:
- População sem acesso a informações básicas do tempo;
- Previsões menos precisas por falta de dados;
- Impossibilidade de atualizar médias climáticas oficiais;
- Dificuldade para avaliar extremos e anomalias do clima;
- Comprometimento de estudos e pesquisas.