Estava eu numa das ruas de Porto Alegre, com seu ritmo frenético e caótico, conquanto floridas e sempre encantadoras -, quando percebi a presença de um cachorro na calçada e ao meu lado. Olhei para aquele ser um tanto frágil e perdido diante da idiossincrasia da vida. Ele tinha em seu pelo as marcas que o tempo não hesita em poupar, sendo que seu olhar opaco dizia muito do lugar que ele ocupara no mundo: a mendicância.
Estar nas calçadas era uma experiência um tanto triste como inusitada para o cachorro, já que ele não sabia qual seria a reação das pessoas ao vê-lo. Seu aspecto era sujo, com algumas falhas no pêlo e ao redor do corpo. De amizades só tinha realmente com um mendigo que morava na calçada do outro lado da alameda. Mas faltava-lhe afeto e cuidado, palavras tão nobres, entretanto tão difíceis de se encontrar. Era cachorro mendigo, sem casa, sem afeto, sem alma?
Todos nós, em algum momento, nos sentimos perdidos ou sem cuidados na nossa experiência como seres humanos, o que significa dizer que, na formação evolutiva, as cadeias hominal e a animal se interpassam numa visão complexa, integrativa e interdependentes. Assim, o cachorro mendigo não possuía nenhuma esperança numa mudança de vida dele, mas bastava a ele sentir alguns afagos de transeuntes que passavam rapidamente esperando sua locomoção. Quantas histórias ele tinha dentro de si de pessoas que o encontravam… Mas não tinha medo do seu destino de ser invisível como as pessoas que viviam, como ele, moravam na rua, usando papelão como cobertor, pedintes não só da comida, mas do afeto, do olhar sem julgamento, da descaracterização da identidade.
Era cachorro mendigo, sem casa, sem afeto, sem alma?
Dessa forma, o cachorro mendigo consiste num ser real e necessário para as reflexões. Contudo, muito se fala, mas pouco se faz em relação ao invisíveis, animais e seres humanos. Todos eles têm a sua importância no ciclo da vida e, por isso, a nossa reverência e preocupação em serem resgatados da deprimente condição em que vivem.
Era cachorro mendigo, sem casa, sem afeto, sem alma?