O Vale retrocedeu. Essa é a análise do pós-inundação de maio. As soluções paliativas remontam às dificuldades do século passado. Balsas, passadeiras, pontes improvisadas, estrada de chão. Tudo até então esquecido, mas que voltou a fazer parte do cotidiano da população.
Tais dificuldades testam a paciência dos motoristas, geram prejuízos em grande escala à produção gaúcha e desmobilizam tanto o interesse de investidores externos quanto nos planos das empresas locais.
Superar esse momento também passa por projetar um futuro com mais alternativas. Nesta afirmação, representações locais tanto da iniciativa privada, dos conselhos comunitários e de agentes públicos da região criam um movimento de unidade para ultrapassar os limites da região e mostrar o quanto a logística travada no Vale do Taquari é um problema para todo o RS e para o país.
Depender apenas de uma ligação entre o norte e o centro do estado expõe a fragilidade para o transporte. Essa análise sustenta a cobrança da comitiva local e que já encontra eco nas federações representativas do setor empresarial, como a Federasul e a Fiergs.
A reivindicação de alternativas logísticas perpassa a construção de uma nova ponte sobre o Rio Taquari e também de um anel viário, com a possibilidade de ligar rodovias estaduais à federal.
“Não podemos pensar que é uma ou outra. As duas propostas são necessárias, pois reduzem a dependência da única ligação entre Lajeado e Estrela”, destaca a presidente do Conselho de Desenvolvimento (Codevat), Cintia Agostini.
O assunto foi debatido com o superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Hiratan Pinheiro, e será apresentado ao vice-governador, Gabriel Souza, em reunião na próxima terça-feira.
“A região é unânime em apontar: do jeito que está não é possível. Precisamos de alternativas para o trânsito e à logística. Sabemos que é um projeto de médio e longo prazo, mas precisa começar”, ressalta o vice-presidente de infraestrutura da Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil), Nilto Scapin.
Presidente da cooperativa de transporte Valelog, vice-presidente da Câmara da Indústria e Comércio da região (CIC-VT), Adelar Steffler, destaca o risco de perdas econômicas devido aos gargalos nas rodovias.
“Saímos de uma situação ruim para outra pior. O caixa das empresas está sangrando, perdemos competitividade, na atração de investimentos externos e de profissionais. O motorista de caminhão hoje não quer vir para a região. Não quer entregar carga aqui por causa dos engarrafamentos.”
Pela BR-386 passa cerca de 70% do Produto Interno Bruto gaúcho. No trecho da 4ª delegacia da Polícia Rodoviária Federal, que abrange Tio Hugo até Tabaí, a estimativa é que transite uma média de 20 a 25 mil veículos por dia. Só no trecho urbano entre Lajeado e Estrela, de acordo com a CCR ViaSul, são 15 mil veículos/dia.
Mobilizar todas as regiões
Os benefícios de investir em mais rotas de ligação, com nova ponte sobre o Rio Taquari e um anel viário para desviar o trânsito leve dos caminhões, traria resultados para além dos limites da região. Por isso, a representação local cobra dos poderes públicos o início dos projetos sobre locais para construção destas alternativas.
“Temos que plantar a semente para colher no futuro”, frisa Nilto Scapin. Tudo começa por um estudo de viabilidade técnica e financeira. “Temos de dar o início. Ficamos falando que poderia ser por tal lugar, ligar a 453 de Cruzeiro do Sul a Santa Rita, ou a 130 pegando trecho da 129. Isso são apenas ideias. Temos de saber quais condições de engenharia para tanto.”
Neste sentido, tudo começa pela pressão política. Tanto que a organização regional mobiliza líderes de outras localidades gaúchas, para mostrar aos governos que se trata de uma reivindicação de todo o Rio Grande do Sul.
O grupo protocolou o pedido para estudos e planejamento para construção de pontes sobre o Rio Taquari no governo do Estado. Também busca audiência com os ministros Paulo Pimenta e com Renan Filho (Transportes).
Em paralelo, há reuniões previstas com deputados federais da bancada gaúcha e comunicação com todos os sindicatos ligados à cadeia da produção e dos transportes. “Saímos das fronteiras do Vale”, resume Scapin.
Esforço de Lajeado e Estrela
As duas prefeitas eleitas, Gláucia Schumacher (Lajeado) e Carine Schwingel (Estrela), colocam como prioridade a necessidade de pontes internas. Inclusive há o encaminhamento para contratação de um estudo de viabilidade. “Com esse estudo, teremos uma conversa efetiva”, diz Gláucia.
A ponte está dentro de um dos três principais compromissos da próxima gestão de Lajeado. “É um ponto chave para nós, tanto essas conexões intermunicipais quanto às vias intramunicipais”
Neste sentido, Carine adiciona a necessidade de pressão por obras estruturantes, com investimento dos governos do Estado e da nação. “Mesmo tendo uma terceira ponte, continuaria jogando todo o fluxo para a BR. Então precisamos olhar para essa possibilidade do anel viário.”
No plano de governo de Carine, uma das obras é uma ponte entre Estrela e Cruzeiro do Sul. “Tem que ter essa outra forma de ligação, por meio do anel viário, e entre Arroio do Meio e Colinas também. Mas precisamos ter um conceito regional. Falamos muito em região, mas aplicamos pouco”.
Situação atual
A limitação de tráfego sobre a ponte do Rio Taquari, entre Lajeado e Estrela, mostra a fragilidade regional em termos de estradas alternativas à BR-386. Com a interrupção parcial do trânsito na rodovia, motoristas convivem com transtornos diários.
Com poucas rotas alternativas, estradas vicinais em Estrela, Colinas e Imigrante registram aumento de fluxo e danos nas passagens devido ao excesso de peso.
A única possibilidade para desviar é por Taquari, depois pela ERS-453, em Venâncio Venâncio Aires para depois se dirigir a Lajeado. Um trajeto que aumenta em mais de 120 quilômetros a viagem, em rodovias de pista simples e com limitação para caminhões pesados.
A reforma nos pilares da ponte vai até o primeiro trimestre de 2025. De acordo com a CCR ViaSul, há três frentes de trabalho. São duas equipes nas pontes (do Arroio Boa Vista e sobre o Rio Taquari), para a recuperação dos pilares e aumento no volume de concreto e base de aço.
A concessionária venceu o leilão para gerir as BRs 386, 101, 290 e 448 em novembro de 2018. O contrato faz parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), e a concessionária terá que investir mais de R$ 7,8 bilhões em 30 anos de concessão.
Por que é necessário uma nova ponte e o anel viário?
“Sobre a nova ponte, é a necessidade de termos alternativas de mobilidade e logística. Não só para momentos de crise, mas também quando o trânsito fica intenso e é necessário ter um desvio. Já o anel viário, é deslocar o trânsito de áreas urbanas consolidadas. Hoje, quem vai para Porto Alegre, de qualquer rodovia, a 129, 130, 453, precisa ir até a área central de Lajedo e ingressar na BR-386. A lógica do anel viário é fazer com que esse fluxo seja deslocado. Então, não é uma ou outra, são as duas, pois estamos em uma região em que circula metade do Rio Grande do Sul.” Cintia Agostini – Presidente do Codevat
“Temos dois objetivos distintos. A nova ponte precisamos para ontem. A estrutura atual comprova que está defasada. Foram duas grandes enchentes e a pista interrompida. Essa é uma imposição das condições climáticas. Por mais que a gente torça para não acontecer mais, não tem como assegurar isso. Sobre o anel viário, hoje somos um grande centro urbano, com tráfego interno. Todos dependem da 386. Ter ligações para desviar das áreas de maior densidade é estratégia para segurança e agilidade no transporte.” – Diego Tomasi, Vice-presidente da Setcergs
“A ponte é primordial. Não só para o Vale, para Lajeado e Estrela. Mas para o estado e para o país. A BR-386 liga o norte ao sul do RS. A maior parte da produção gaúcha passa neste ramal. Hoje, são quatro pontes. Duas secas, sobre o Arroio Boa Vista, e a sobre o Rio Taquari. Essa é a solução que precisa ser mais rápida de ser feita. Já o anel viário é outra grande necessidade, mas precisa de mais tempo. A região precisa distribuir a logística em mais ligações. Estamos reféns de um trecho. Se trancar, compromete toda a circulação do estado.” – Leandro Eckert, Diretor de Infraestrutura da CIC-VT
“Ouvi o secretário Costella (Juvir, responsável pelo setor de infraestrutura e transportes do RS) dizer que 75% das estradas acabaram. Faz tempo que estamos com rodovias esburacadas, sem sinalização, sem duplicações e inseguras. Antes até das inundações. Eu me pergunto, por que em Santa Catarina conseguiram fazer o anel viário de Florianópolis, de Tubarão e vão fazer o de Itajaí? Nossos governantes perdem tempo discutindo e não agem. A BR-386 e as rodovias do estado já tinham de ser mais modernas. Ter estradas em condições significa desenvolvimento. Acho que o Estado não está precisando de dinheiro, né?”. – Sérgio Gabardo, Presidente da Setcergs
“O desenvolvimento acelerado do Vale do Taquari nas últimas décadas, o crescimento das cidades além da média na comparação com outras localidades do estado e do país, junto com a geração de riquezas que passam por aqui, exigem opções para desafogar o trânsito. Precisamos de mais pontes urbanas, para reduzir a dependência da BR-386. Sobre o anel viário, teríamos mais segurança aos condutores, por desviar o fluxo pesado dos carros. Além disso, geraria mais agilidade logística, com menores custos.” – Nilto Scapin, Vice-presidente de infraestrutura da Acil