O primeiro painel abordou como as questões externas interferem nas condições climáticas. Em resumo, o diretor da Brasoja, Antônio Sartori, apresentou o cenário macro, das necessidades de alimentação nas nações mais populosas e como o Brasil se posiciona.
Também detalhou o impacto da queima de combustíveis fósseis, gás e carvão sobre as mudanças climáticas. “O modelo energético mundial é responsável pelo aquecimento global”, afirmou.
Com relação a formas de conter enchentes e secas, o geólogo e economista, Rogério Ortiz Porto, abordou quais obras e tipos de ações são mais indicadas frente às características do relevo do Vale do Taquari.
Para ele, a complexidade da formação regional cria um canal natural de drenagem da água, com um rápido escoamento. Com áreas acidentadas, obras estruturantes, como diques e barragens, são de difícil implantação.
Na organização regional, das iniciativas voltadas à reestruturação das cidades e das propriedades rurais, o promotor de Justiça, Sérgio Diefenbach, realçou a necessidade de repensar o modelo de pensamento, com mudanças culturais e de visão econômica profundas.
Em âmbito dos modelos de previsibilidade, monitoramento e pesquisa sobre padrões climáticos, o meteorologista, Daniel Caetano, destacou que para mitigar mortes e prejuízos, é fundamental ampliar a presença de equipes multidisciplinares, com mais salas de situação pelo RS.
“Uma sala de situação
para todo o estado é pouco”
O aquecimento global e o consequente aumento da temperatura no planeta têm provocado mudanças significativas nos padrões climáticos.
De acordo com Daniel Caetano, meteorologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), as alterações nas condições de chuva e seca, antes atribuídas a fenômenos como El Niño e La Niña, agora acontecem com maior frequência e intensidade.
“Esses eventos intensos, as chuvas, que esperaríamos a cada 50 anos, vão ser em menos tempo”, alerta Caetano. Ele observa que, com o crescimento populacional, as catástrofes resultantes terão impactos sociais e econômicos ainda mais severos.
“Os picos estão cada vez mais próximos, com menos tempo de recorrência para episódios extremos”, ressalta o meteorologista. No entanto, o Rio Grande do Sul enfrenta desafios significativos para se preparar adequadamente para esses eventos.
Hoje há um órgão, ligado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), responsável por monitorar 493 municípios. “Uma sala de situação para todo o estado é pouco”, afirmou Caetano.
De acordo com ele, o estado conta com duas universidades de excelência, que formam profissionais nas áreas de meteorologia e hidrologia. Por falta de oportunidades, muitos desses profissionais vão para institutos fora do Rio Grande do Sul.
“Ao longo das últimas décadas, o poder público não estabeleceu como prioridade o trabalho de prevenção aos episódios extremos. O resultado é esse distanciamento entre a informação certa e o alerta para a população.”
Responsabilidades
Caetano sublinhou a importância da prevenção, do monitoramento e do socorro, destacando que a Defesa Civil desempenha um papel importante na estruturação de planos de contingência. Segundo o meteorologista, esses planos precisam ser baseados em protocolos de conduta definidos, levando em conta as características topográficas, hidrológicas e geológicas das áreas mais suscetíveis a desastres.
Para que esses sistemas complexos de prevenção, monitoramento, alerta e socorro sejam eficazes, é necessário o envolvimento de conhecimentos distintos, que vão desde a meteorologia e hidrologia até as ciências sociais e a assistência técnica às famílias vulneráveis.
“O profissional do clima faz o aviso. Quem toma a decisão é o poder público, por meio das suas defesas civis”. Para Caetano, a criação de centrais regionais de situação, com profissionais científicos, que ultrapasse as limitações dos mandatos governamentais, é essencial.
Neste sentidoa educação e a comunicação são ferramentas fundamentais para garantir que a população não apenas receba os alertas, mas também acredite neles e saiba como agir. “As pessoas precisam não apenas receber alertas, mas acreditar neles e entender como agir.”
Relevo do Vale dificulta controle de cheias
“Existem construções capazes de auxiliar no controle de inundações”. A afirmação do geólogo Rogério Ortiz Porto serve para instalação de diques, barragens, serviços de desassoreamento nos canais e um amplo zoneamento de risco.
No entanto, quando se trata de áreas ocupadas e com tantos desníveis como o território regional, a situação torna-se mais complexa . “O zoneamento de risco é uma ideia maravilhosa para áreas novas, ainda não ocupadas. Não é simples dizer a um produtor que ele está em risco e sugerir que abandone sua terra.”
Sobre obras de infraestrutura, o tipo de relevo da região torna inviável grandes construções. “Há locais em que a água chega a 22 metros de altura. Como vai construir algo?”
Porto também apontou a topografia do Vale do Taquari, com desníveis significativos e uma calha de rio estreita, como fatores que tornam o controle das cheias desafiador.
“O Vale do Taquari tem uma densidade demográfica muito alta e com uma topografia acidentada, com desníveis que tornam a correnteza da água muito rápida. Essa situação cria uma dificuldade enorme para qualquer tipo de intervenção, seja para controle de cheias ou para segurar água.”
Área de preservação
Porto enfatiza a importância de acumular água para retardar a velocidade da cheia. Outro fator também é garantir a irrigação durante os períodos de seca. O especialista defende que o conceito de Área de Preservação Permanente (APP) deve ser adaptado às realidades locais e às necessidades emergentes de cada região.
“A lógica federativa
está sendo posta à prova”
O promotor de Justiça, integrante do grupo de estudos de mudanças climáticas do Ministério Público, Sérgio Diefenbach, avalia que os desafios enfrentados pela região precisam de soluções coletivas.
Em cima disso, o modelo de soluções individualizadas se comprova como um equívoco. “Temos de repensar uma série de situações. Tenho constatado como agente do Ministério Público, que existe muita boa vontade, muito interesse de todos os gestores públicos de resolverem as coisas. Mas fazendo da mesma forma que no passado.”
De acordo com ele, a situação de catástrofe precisa de outras abordagens. “O governo federal lança um programa. Lá em baixo, os municípios têm que se cadastrar, atender seus critérios. Alguns com enormes dificuldades. A lógica federativa está sendo posta à prova aqui no Vale do Taquari.”
O promotor defende uma mudança de paradigma, onde a visão regional deve prevalecer sobre as estruturas locais e municipais. Ele sugeriu a criação de um consórcio intermunicipal para abordar de forma mais eficaz os desafios impostos pelas catástrofes climáticas. Assim, o organismo teria a missão de propor soluções coletivas, seja com planos de contingência, mapeamento de áreas de risco, preservação ambiental e compras de botes ou veículos de socorro.
Diefenbach destacou que essa abordagem não só é necessária, mas também uma missão para as futuras gerações, que precisam adotar uma mentalidade regionalizada para enfrentar os desafios climáticos e ambientais.
“Experimentamos nossas dissonâncias por muito tempo. Eu já disse várias vezes, não conseguimos chegar a um consenso sobre onde fica a praça de pedágio ou sobre a ponte. Tudo o que a região enfrenta agora deve servir como aprendizado. Temos de ter humildade e ter uma visão regional. Isso se aplica à Defesa Civil, ou para repensar os próprios municípios.”
Queima de combustível
e o aquecimento global
O diretor da Brasoja, Antônio Sartori, avalia o mercado internacional para a agricultura e afirma: a principal preocupação hoje é ambiental. De acordo com ele, o aquecimento global é, sem dúvida, uma consequência direta da ação humana, especialmente devido à matriz energética usada em várias partes do mundo.
“O mundo queima 21 bilhões de toneladas de petróleo, carvão e gás. Tudo isso cria essa desregulação no clima”. Sartori ressaltou que, enquanto o Brasil tem uma matriz energética diferenciada, baseada em hidrelétricas, energia eólica e solar, o resto do mundo ainda depende de combustíveis fósseis.
Frente aos desafios globais, também há uma crescente demanda por alimentos. Países populosos como China e Índia, enfrentam escassez de água e têm lavouras insuficientes para alimentar suas populações.
Nesse contexto, Sartori apontou que o Brasil tem uma oportunidade única de ampliar sua produtividade agrícola e aumentar as exportações, especialmente de soja e carne, gerando desenvolvimento e renda para o país.
No entanto, Sartori também fez duras críticas à falta de industrialização no Brasil, ressaltando que o país perde oportunidades ao exportar soja em grão em vez de produtos com maior valor agregado.
“O agro carrega o
país nas costas”
“O agricultor precisa fazer valer a sua voz. Cobrar dos setores públicos ações efetivas”, afirmou Sartori. Com mais de 50 anos de experiência e estudos na área de mercado internacional e produção agrícola, o empresário destaca que as medidas governamentais para recuperação econômica gaúcha são pífias.
“O agro carrega o país nas costas. E, mesmo assim, as medidas do governo, em especial o federal, são burocráticas, difíceis e com poucos recursos. O produtor precisa ser ajudado neste momento, do contrário, vamos perder pessoas, pois muitos vão desistir da atividade.”
Para o produtor rural, Sartori destacou: “o Brasil segue importante para o comércio mundial. O que o agricultor pode fazer? Se envolver na cotação dos cereais? Não. Na Bolsa de Chicago? Chance zero. Nas confrontos geopolíticos internacionais? Também não. Ele tem que ser extremamente competente e competitivo.”
Sugestões dos painelistas
Controle de cheias e acúmulo de água
• O relevo acidentado do Vale do Taquari e a calha de rio estreita, dificulta o controle das cheias e a implementação de obras de infraestrutura.
• O zoneamento de risco é eficaz em áreas novas, mas a aplicação em locais ocupados é complexo, pois envolve a retirada de produtores das próprias terras.
• Adaptar para a realidade local o uso das Áreas de Preservação Permanente (APP). Locais podem ser usados para segurar água nos períodos de chuva e garantir umidade do solo durante a seca.
Regionalização e políticas públicas
• O modelo federativo, com soluções individuais, postas de cima para baixo, dificulta a execução de políticas públicas.
• As soluções para o Vale do Taquari dependem de uma visão coletiva e regionalizada.
• Uma das alternativas seria um consórcio intermunicipal, responsável por reunir necessidades gerais, com a missão de coordenar planos de contingência, mapeamento de áreas de risco e iniciativas de preservação ambiental de maneira integrada.
Contexto global e oportunidade
• Devido a matriz energética global, existe um consumo de 21 bilhões de toneladas de combustíveis fósseis. A ação do homem interfere sobre o aquecimento do planeta e altera padrões climáticos.
• Países mais populosos do planeta têm cada vez menos acesso a água e terras de plantio. Neste contexto, o Brasil pode ser um dos principais exportadores de alimentos.
• Para os agricultores de todos os tamanhos, o desafio é aumentar a produção e pressionar os poderes públicos a adotar medidas mais efetivas para o apoio ao setor primário, em especial após as catástrofes.
Preparo e resiliência
• As mudanças climáticas fazem com que extremos climáticos sejam mais frequentes. Essa situação tem se acentuado na última década.
• Há duas universidades no RS com formação de meteorologistas, hidrólogos e geólogos. Porém, a maior parte dos profissionais deixa o estado devido à falta de institutos de pesquisa.
• Instalação de centrais regionais de monitoramento e previsão. O Brasil e o Rio Grande do Sul demoraram a se preparar de maneira adequada. No RS, há uma Sala de Situação para emitir alertas aos 493 municípios gaúchos.