O Rio Taquari atingiu 33,35 metros na tarde do dia 2 de maio em Lajeado e se tornou a maior enchente e a maior tragédia já registrada na região. Até o momento, as cheias que atingiram todo o Vale deixaram pontes destruídas e acessos bloqueados. Milhares de casas foram levadas pelas águas e dezenas de vidas perdidas. A região ainda se recuperava da cheia de setembro de 2023, que vitimou 54 pessoas e ainda conta com quatro desaparecidos. Os prejuízos ainda são incalculáveis e a comunidade trabalha para reerguer os municípios.
A enchente de 2023 se tornou histórica. Antes disso, a região só tinha vivido algo parecido em 1941, até então, considerado o ano da maior cheia do Taquari, quando as águas atingiram 29,92 metros em Lajeado.
Em 41, choveu no estado por cerca de 20 dias seguidos entre abril e maio. A data exata em que as pancadas iniciaram é imprecisa. Em suas pesquisas, o historiador José Alfredo Schierholt aponta que a água caía desde 13 de abril. Já o jornal O Taquaryense (única imprensa do Vale na época) registrava chuvas desde o dia 19.
As precipitações começaram fracas. A situação mudou em 22 de abril, quando choveu mais de 120mm em apenas um dia.
A exemplo do Taquari, as principais bacias hidrográficas gaúchas transbordaram naquele ano. Em Porto Alegre, o auge do Guaíba foi registrado no dia 8 de maio, quando o nível do rio passou dos 4,7 metros no cais do porto (normal é 1,2 metros).
Cerca de 25 mil quilômetros quadrados do RS foram inundados, dezenas de cidades ficaram isoladas, faltaram subsídios básicos como alimentos e praticamente todos os meios de transporte terrestres ou aquáticos pararam.
Embora os prejuízos econômicos tenham sido incalculáveis, não há registro de mortes no Vale em função da violência das águas. Sem defesa civil na época, salvamentos foram feitos por populares, pescadores e empresas de navegação.
Em Lajeado, as águas cobriram a Rua Silva Jardim, até onde estão localizados hoje os prédios dos antigos Correios e Fórum. Moradora da cidade, Ernesta Kerta de Souza Pfaff, 96, conhecida como Dona Guerta, vivenciou a enchente de 41. Hoje, ela não mora mais em área com risco de ser atingida pelas cheias mas, a cada vez que as chuvas intensas chegam ao município e causam inundações como estas, ela relembra aquela enchente quando, aos 13 anos, ajudou a subir os móveis na casa da avó, na rua Borges de Medeiros.
Naquela época, com pouca habitação, os danos não foram tão severos. Ela lembra que a água era limpa e as crianças viam aquilo como uma brincadeira. As destruições também eram em proporções menores e as lembranças nem perto de se tornarem traumas.
“Não dava medo, a gente andava na rua, andava brincando na água, nas valetas, a água era bem limpinha, era mais um brinquedo pra gente”, lembra.
Dona Guerta conta que como as camas eram de ferro e mais altas do que as atuais, todos os móveis da casa da avó foram colocados no segundo piso, em cima das camas. Ela recorda, em especial, de uma máquina de costura que, no fim, acabou caindo na água, pela força da correnteza que atingiu a casa da avó. A água chegou a subir 50 centímetros do segundo andar.
Inundação no Forqueta e no Fão
Outra enchente histórica foi registrada em 2010, desta vez, com a cheia nos Rios Forqueta e Fão, que inundou, em especial, as cidades de Marques de Souza e Travesseiro. Não há registros do quanto os rios subiram naquele ano, ou mesmo na cheia da última semana, mas moradores afirmam que há 14 anos, o nível das águas foi ainda maior.
Em 2010, essas duas cidades foram devastadas. O nível dos rios começou a subir de forma rápida no dia 4 de janeiro. Relatos da época contam que a água invadiu as casas em menos de 1h e impossibilitou a retirada de materiais. As chuvas chegaram à noite e pela madrugada, conforme explica a edição de 6 de janeiro de 2010 do Jornal A Hora.
Em menos de 24 horas, choveu cerca de 324mm nas cabeceiras dos principais rios do Vale do Taquari. A força da água transportou centenas de toneladas de detritos que ficaram presos na ponte da Barra do Duduia, em Fontoura Xavier, criando uma espécie de “barragem natural” no Rio Fão.
Quando a estrutura ruiu, formou-se uma onda de água, árvores e detritos com até quatro metros de altura que se espalhou também pelo Rio Forqueta. Essa enxurrada passou pelos municípios de Marques de Souza e Travesseiro por volta das 18h do dia 4 de janeiro de 2010.
Cerca de 325 residências foram atingidas pela cheia, conforme levantamento da administração municipal. Dessa, pelo menos 120 registraram perda total ou parcial do mobiliário.
Outras tragédias
Apesar dos prejuízos, nenhuma morte foi registrada. Relatos da época indicam que só não houve óbitos porque a enchente veio durante o dia.
Os campings, famosos em Marques de Souza, ficaram irreconhecíveis. Uma das cenas mais chocantes foi o Cemitério Católico de Tamanduá, onde as covas foram reviradas. Crânios e ossos estavam espalhados pelo terreno. Na época, os governos municipais falavam que seriam necessários mais de R$ 20 milhões para recuperar pontes, estradas e pinguelas afetadas pela cheia.
Perdas outras vez
Moradores de Marques de Souza, Clair Happel, 67, e Darnilo Happel, 71, passaram pela cheia de 2010 e vivem o drama da tragédia outra vez. Há 14 anos, a casa de madeira onde residiam foi destruída e eles construíram uma nova moradia feita de alvenaria que também foi danificada pela enchente da última semana.
“Estávamos em casa, o pessoal começou a chamar, descarregamos algumas coisas e escapamos. Num instante a água já estava aqui”, conta Clair. Para ela, a enchente deste ano foi pior do que a de 2010, porque as águas vieram com força. A falta de comunicação com a família também a deixou apreensiva.
Maiores enchentes no Vale
Maio de 1941 – 29,92m
Janeiro de 1946 – 27,40m
Setembro de 1954 – 27,35m
Abril de 1956 – 28,86m
Outubro de 2001 – 26,95m
Outubro de 2008 – 26,65m
Julho de 2011 – 26,85m
Julho de 2020 – 27,39m
Setembro de 2023 – 29,62m**
Novembro de 2023 – 28,94m
Maio de 2024 – 33,35m*
*Medição conforme dados do Governo de Lajeado
**Medição conforme dados do Governo de Estrela.
Demais dados são do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da engenheira ambiental Sofia Moraes.