Pelo menos 2 mil casas destruídas na região, estima pesquisa

Calamidade pós-enchente

Pelo menos 2 mil casas destruídas na região, estima pesquisa

O saldo da maior enchente da história do RS acentua déficit habitacional e exige resposta rápida para reconstrução. Estudo da Ufrgs comprova dimensão do impacto, com pelo menos 10 mil imóveis atingidos. Sindicato da Construção Civil alerta para escassez de mão de obra no setor

Pelo menos 2 mil casas destruídas na região, estima pesquisa
Crédito: Filipe Faleiro
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“Destruiu tudo. Não há mais condição de voltar”. As palavras da dona de casa Rosani Teresinha de Borba, 54, são uma fração do drama vivido por milhares de famílias do Vale do Taquari após a maior enchente da história gaúcha.
Relatório preliminar feito pela Universidade Federal do RS (Ufrgs), feita pela equipe técnica do Grupo de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (Gespla), aponta foram mais de 10 mil residências atingidas. Destas, cerca de 2 mil com colunas de água acima dos três metros.
Moradora da rua Barão Santo Ângelo, em Lajeado, há mais de 20 anos, enfrentou outras enchentes, sem jamais ter presenciado uma inundação com essa violência. “Fui para a casa de dois andares de uma vizinha pensando em me abrigar. Não adiantou. A água chegou onde nunca tinha alcançado.”
A residência onde morava com o filho e os netos foi condenada. O forro desabou, parde da garagem cedeu. Assim como o piso. Toda a fiação elétrica foi comprometida. “Agora, vamos derrubar o que sobrou e tentar vender o terreno.”
O tamanho da destruição após o episódio dos dias 4 e 5 de setembro ainda precisa de mais tempo para análise, em especial quando se verifica a condição dos imóveis. Um esforço conjunto, com engenheiros civis voluntários, governos, universidades e defesas civis, aponta para uma necessidade urgente à reconstrução.
Conforme a engenheira civil integrante do grupo de voluntários, Rebeca Schmitz, pelos laudos preliminares, a estimativa é que pelo menos dois mil imóveis não tenham mais condições uso. Neste total, a maioria são residências. Mas também estão prédios públicos, empresas e escolas.
Essa organização tem visitado as cidades atingidas e feito laudos técnicos para garantir ou não segurança no retorno para casa. Em cima dos dados coletados em saídas a campo, os números se diferem dos dados da pesquisa da Gespla/Ufrgs. Os engenheiros voluntários estimam mais de 15 mil imóveis atingidos.

O dilema do laudo negativo

Morador da rua Marechal Deodoro, em Lajeado, Sérgio Bacci, 57, limpou a casa nesta semana. “Ainda não sei como está para voltar a morar. Só um engenheiro. Mas no que eu olho ela, a parte do segundo piso parece que saiu do eixo. Está torta, caindo para um lado.”
A residência é mista, toda a parte de baixo é de alvenaria. “Na parte de pedra acredito que resistiu”, diz. Bacci é artesão. Todos os materiais do atelier foram perdidos. Ele se inscreveu no cadastro social para receber materiais de construção e fazer a reforma.
Ao lado da casa dele, uma residência de madeira se soltou da base e foi levada pela rua. “Eu fiquei em casa, a previsão era da água chegar a 25 metros. Pensei, não vai chegar aqui. Levei tudo para o andar de cima, quando vi a água chegou e não parava de subir. Fui para cima do teto onde esperei socorro.”
Neste momento, viu a residência do vizinho se desprender pela rua e começar a ser carregada. “Passei minha vida inteira aqui. Enfrentei outras enchentes. Mas nada como isso. Eu em cima do telhado, naquele escuro, só escutava minhas coisas quebrando lá embaixo.”
Em cada contato com os moradores é preciso uma dose de empatia. “É muito difícil dizer para as pessoas que elas não podem voltar”, conta Rebeca. As chuvas desta semana também inviabilizaram a continuidade.
Há um trabalho em formato de mutirão, com uma repartição de comitivas justo nas cidades onde há escassez de profissionais com qualificação. “Quando vamos fazer uma visita, temos de entender o aspecto social. Conversar, entender a situação daquela família. Não é só chegar, fazer um laudo técnico e dar as costas.”
Em cima desta ação, a engenheira frisa: “ainda precisamos de mais tempo para entender a dimensão de tudo isso. Estamos em uma situação crítica e que vai exigir um comprometimento de diversas entidades.”

Reconstrução e mão de obra

Conforme o presidente do Sindicato da Construção Civil na região (Sinduscom-VT), Jairo Valandro, a média de idade do trabalhador supera os 40 anos. “Temos uma grande dificuldade de renovação do quadro. É difícil conseguir pedreiro, instalador hidráulico, pintor. Vemos uma desvalorização deste ofício que vem de muitos anos. Agora, em meio a calamidade, isso ficou ainda mais evidente.”
Em cima disso, destaca o desafio que vai ser ter mão de obra para reconstruir as residências. “Muito difícil termos tantas pessoas para esse trabalho. Quando se fala nessa perspectiva de 2 mil casas podemos afirmar de antemão: não há trabalhadores suficientes.”
Mesmo se buscar pessoas de outras regiões, Valandro acredita que seja necessário elaborar um projeto para formar os mais jovens. Algum curso de curta duração, que possa dar um conhecimento básico sobre os materiais e com alguma atividade prática. “Hoje são as empresas que treinam. Muitas vezes começam novos funcionários e nem mesmo sabemos o nível de técnica deles. Vamos vendo de acordo com o passar do tempo”.
Conforme dados do Sinduscom-VT, são mais de 4,8 mil trabalhadores formais do Vale no setor. Lajeado corresponde a 75% deste total. “A necessidade das empresas está no funcionário padrão. Aquele que vai fazer o reboco, a alvenaria, o concreto. Essa é uma mão de obra imediata, que tenha algum conhecimento para interpretar uma planta.”

Estimativa preliminar

A nota técnica do Gespla/Ufrgs é assinada por três pesquisadores (engenheiro ambiental, Iporã Possantti, e pelos professores Rodrigo Paiva e Guilherme Marques). As informações fornecidas têm como objetivo auxiliar no planejamento de políticas públicas e podem ser usadas para estimativas preliminares de danos e custos de adaptação.
Para os estudiosos, os mapas e resultados apresentados servem como base para decisões de planejamento estratégico e tático. Eles descartam a possibilidade do levantamento embasar movimentos operacionais, tais como métodos de prevenção, monitoramento e evacuação das áreas. “A gestão de eventos de cheia requer uma abordagem permanente, o engajamento da comunidade, e ações coordenadas entre diferentes entidades e níveis de governo”, sugerem no documento.
Como próximos passos, o grupo de pesquisadores incluem a avaliação do custo do dano material e a qualificação do grau de submersão com informações adicionais sobre a velocidade do escoamento. A partir dessas informações, consideram ser possível contribuir tanto no planejamento quanto na execução de estratégias para mitigar os danos das enchentes futuras.

Resumo da pesquisa

Os resultados foram obtidos por meio do cruzamento de informações de edificações mapeadas por inteligência artificial e a mancha de inundação identificada por sensoriamento remoto, com dados do Instituto de Pesquisas Hidrológicas (IPH). Confira:
• As cerca de 10 mil edificações afetadas representam 11,7% do total dos imóveis em Roca Sales, Muçum, Encantado, Arroio do Meio, Lajeado e Estrela;
• Estrela foi o município mais afetado em termos absolutos, com 2.786 edificações atingidas;
• Muçum registrou o maior percentual sobre o total de imóveis. A pesquisa aponta que 35,6% das edificações na cidade tiveram algum nível de alagamento.
• Cerca de 67% das edificações atingidas apresentaram um alto grau de submersão.
• Cerca de 30% dos imóveis permaneceram submersas até 3 metros;
• De 3 a 6 metros foram 23% do total.
• A água superou em seis metros algo perto dos 13% das edificações.

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