Poluição visual e riscos. Excesso de fios longe de uma solução

EMARANHADO SEM FIM

Poluição visual e riscos. Excesso de fios longe de uma solução

Um curto em um poste de luz nas proximidades da Avenida ACVAT, em Lajeado, provocou um incêndio e prejudicou o atendimento da Corsan à população. Unidade no bairro Americano ficou sem acesso ao sistema durante toda a terça-feira. Aumento da demanda por instalações de fibra óptica e falta de regulação jurídica sobre limites às prestadores de serviço de internet dificultam alguma solução

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Atualizado quinta-feira,
25 de Maio de 2023 às 12:15

Poluição visual e riscos. Excesso de fios longe de uma solução
Foto: Filipe Faleiro
Lajeado
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

O assunto é recorrente. Empresas de telecomunicações instalam fibra óptica para ligações de internet pela cidade e usam os postes das concessionárias de energia. Ainda que existam algumas normas, como a autorização para o serviço por meio das concessionárias, a falta de fiscalização provoca uma série de contratempos.

Afora a poluição visual, existe ainda o risco de algum incidente. Como o da madrugada dessa terça-feira. Um curto-circuito em fios entre a rua Leopoldo Sulzbach e a Avenida ACVAT, em Lajeado, provocou um incêndio. Ninguém ficou ferido, mas residências no bairro Americano, o serviço em empresas e o atendimento ao público na Corsan foram prejudicados.

Um servidor da unidade conta que todos os agendamentos precisaram ser transferidos. Pessoas que precisavam entregar documentos para religar a água foram avisadas para remarcar as datas. Quem buscava algum serviço específico era direcionado para o Tudo Fácil, no shopping.

O poste que pegou fogo fica em frente ao pub em que trabalha Leandro Lazzaron. “Chegamos após às 17h, ainda havia equipes trabalhando. Quando terminaram, ficou tudo de qualquer jeito. Os fios cortados espalhados pelo chão. Cabo pendurado. Nós é que limpamos.”

Essa afirmação de falta de acabamento dos prestadores de serviço se repetem por diversos bairros. “Aqui na frente de casa, vieram fazer instalações de internet. Deixaram os cabos soltos tudo na grama do meu pátio. Pedi para tirarem, mas ficou por isso mesmo”, conta a diarista moradora do Montanha, Evânia Severo.

Em uma das avenidas mais movimentadas de Lajeado, na Senador Alberto Pasqualini, um emaranhado de fios foi deixado no canteiro central faz pelo menos três meses. É o que afirmam frentistas de um posto de gasolina. “As pessoas passam por ali e se assustam, pensam que pode ser de energia”, conta um trabalhador. Também são vistos cabos amarrados em placas de trânsito, inclusive na identificação de ruas. “Poderiam caprichar um pouco mais. É muito feio.”

Na rua Júlio de Castilhos, uma loja de confecções foi interditada após um poste de luz na frente do estabelecimento pegar fogo. O episódio aconteceu em 24 de março. “Foi um susto. Eu avisei os funcionários para saírem, pois pensei que poderia atingir a loja”, conta a gerente, Sabrina Sebben,

Uma força-tarefa entre Ministério Público, concessionárias de energia (RGE e Certel) e governo de Lajeado foi constituída em junho de 2021. Na ocasião, foi iniciado um trabalho para identificar quais fios seriam sobressalentes e que poderiam ser retirados. A iniciativa foi mantida por cerca de três meses, sem resultados efetivos.

De acordo com a RGE, os procedimentos para o compartilhamento de infraestrutura de concessionárias de energia elétrica com empresas do setor de telecomunicações estão estabelecidos em resolução nacional.

Conforme a regra, as empresas com contrato para uso compartilhado dos postes são responsáveis pela manutenção de cabos e devem mantê-las regularizadas, observando às normas técnicas e regulatórias.

No bairro Montanha, fios caem sobre a calçada e resultam em preocupação para os pedestres

“Não vejo perspectiva de melhora”

O promotor de Justiça Sérgio Diefenbach acompanha o assunto desde 2016. Naquele ano, abriu um inquérito civil para ouvir empresas prestadoras de serviço de telecomunicações. Foram pelo menos 13 organizações consultadas.

Na época, o procedimento surgiu devido a reclamações da comunidade devido às constantes oscilações de energia e das conexões de internet. “Esse excesso de fios tem chamado atenção do Ministério Público em todas as cidades médias e grandes do Rio Grande do Sul. Inclusive tivemos uma reunião com todos os promotores, em Porto Alegre. É assustador a quantidade de relatos sobre essa temática”, destaca.

De acordo com ele, pela resolução conjunta das agências nacionais de Energia Elétrica (Aneel) e de Telefonia (Anatel), as concessionárias são responsáveis pelos postes e podem alugar para terceirizadas o espaço. “Temos empresas legalizadas e clandestinas. Ambas usam as estruturas e, muitas de forma equivocada. As concessionárias, que deveriam fiscalizar, fazem isso de forma precária e insuficiente.”

Como há um emaranhado de difícil identificação, cortar e tirar é um risco de prejudicar moradores, empresas e serviços públicos. “Sinceramente, não vejo perspectiva de melhora. Essa quantidade de fios acompanha o desenvolvimento das cidades. Cada vez mais as pessoas precisam de telefonia, de internet, de conexões.”

Na reunião mais recente, em 2021, o combinado era haver mutirões de vistorias periódicos, em uma ideia de mitigar riscos de incidentes e também de fios soltos sem uso. “Confesso, não sei quantas vezes isso aconteceu, nem se ainda está em operação”, admite Diefenbach.

Placa de identificação das ruas virou gancho para amarrar fios. Crédito: Filipe Faleiro

Vácuo jurídico

O prefeito Marcelo Caumo cobra do governo federal uma medida. “Existe um vácuo jurídico. Não existe normativas, ninguém assume essa temática”, critica e acrescenta: “organizamos ações, buscamos manter contato com as concessionárias. Gastamos uma energia tremenda nisso. Conseguimos resultados em um mês, dois. Passam algumas semanas, volta tudo a como estava.”

De acordo com ele, é necessário haver um diagnóstico sobre quais cabos estão em usos, quais podem ser retirados e quantas empresas irregulares aproveitam os postes. A partir disso, em conjunto com as distribuidoras de energia, acredita haver condições de minimizar o problema.

No entanto, repete: “é preciso uma legislação nacional, que dê conta desse problema para que tenhamos mais segurança jurídica para agir.”
Por meio de nota, o município informa que a Secretaria de Obras e Serviços Urbanos (Sosur), participou de audiência pública com a Certel Energia, RGE e mais nove concessionárias prestadoras de serviço.

Na ocasião, foi acordado que cabos não identificados poderiam ser removidos. Assim, após a definição, houve ações de remoção na Av. Senador Alberto Pasqualini, entre a Júlio de Castilhos e a BR-386. A partir de novas solicitações, muitos cabos já foram tirados, em especial na área central. “Por isso, segue a exigência para que as empresas identifiquem os cabos e façam a correta manutenção para que não corram o risco de ter o abastecimento interrompido”, diz a nota.

Conforme o Executivo, quando se verifica ou há denúncia de cabos baixos ou arrebentados, é aberta uma solicitação ao município. “Se houver identificação, a empresa responsável é notificada para remover ou providenciar o ajuste. Caso não houver identificação, o cabo poderá ser removido pela equipe do município”.

Pela região

Após um caminhão arrebentar a fiação de cabos entre as ruas Júlio de Castilhos e Treze de Maio, em Estrela, funcionários de uma agência bancária e

Na Av. Pasqualini. Conforme frentistas de um posto de gasolina, emaranhado de fios está no chão faz pelo menos três meses

moradores de um prédio próximo protocolaram um pedido de providências junto ao Procon do município.

De acordo com o documento datado de 12 de maio, empresas e edifícios temiam algum incidente, como incêndios, além de prejuízos pela falta de telefonia. O caso foi encaminhado à operadora Oi, responsável pelos cabos. Na semana seguinte, um novo episódio. Cabos rebentaram, caíram sobre um automóvel e danificaram a lataria. Servidores do município tentaram contato com a operadora, mas sem respostas.

No Vale do Rio Pardo, Venâncio Aires desde março é mantido um canal à comunidade avisar sobre fios soltos nas vias públicas. Ao total, 29 pontos que tiveram cortes dos cabos.

Os trabalhos foram nos bairros Aviação, Avenida das Indústrias, Centro, Cidade Alta, Coronel Brito, Morsch, Santa Tecla e União. Conforme o prefeito Jarbas da Rosa, a medida é necessária. “Precisamos dar fim a esse problema que, além de prejudicar o visual da cidade, representa perigo. Os fios são amarrados em placas de sinalização ou mesmos soltos pelo chão, isso é inaceitável.”

Gerente de um pub no Americano, Leandro Lazzaron, afirma que fios estão soltos faz meses. Na madrugada de terça, um poste pegou fogo na frente do estabelecimento em que atua, Crédito: Filipe Faleiro

Exemplos de outras cidades

No Brasil, diversos municípios desenvolveram algumas ações para reduzir o excesso de fios nos postes. Cobrança por tubulações subterrâneas, mais rigor na fiscalização e registro das empresas que usam as estruturas com a obrigação de identificar os cabos são algumas iniciativas.

PORTO ALEGRE

Em outubro do ano passado, projeto da CEEE Equatorial iniciou a remoção de fiação excedente. A ideia é beneficiar uma rua da cidade por mês. No entanto, ainda não há uma solução definitiva. Inclusive a administração da capital elabora um estudo sobre a possibilidade de cabeamento subterrâneo. A concessionária destaca que os materiais sem identificação serão removidos de qualquer forma nas ruas atendidas pelo projeto

SÃO PAULO

A partir de uma lei de 2005, as concessionárias são obrigadas a enterrar os cabos de rede elétrica, telefonia e outros serviços. Desde a aprovação do texto, pouco evoluiu. Uma meta parcial de retirada de 2.109 postes em 15 anos não foi cumprida. No entanto, a área central já conta com energia subterrânea faz quase duas décadas.

CAMPINAS

Projeto de reestruturação urbana da área central cobrava a conversão do cabeamento aéreo para o por baixo da terra. Porém, a empresa de energia alega não ter como arcar com os custos.

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