Presente de domingo

Opinião

Júlia Amaral

Júlia Amaral

Jornalista

Colunista do Caderno Você

Presente de domingo

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Depois que o avô morreu, a mãe mandou que ela morasse com a avó para não deixar a matriarca sozinha. Junto dos pais e irmãos, a rotina era monótona, mas em seu novo lar as coisas eram ainda mais lentas. Sentia saudade de casa e contava os dias sem saber quando avistaria a carroça que trazia a visita de sua mãe.

Quando se sentia triste, as histórias da avó eram um consolo. Em dia que o minuano amansava e o céu clareava todo azul, as duas caminhavam em direção a casa de algum parente que morasse perto. Durante o percurso, a avó fumava seu fino cigarro de palha e lembrava de tudo o que aconteceu naquele pampa, as guerras e os encontros.

Era difícil saber o que era verdade nas histórias. O único registro era a bala presa em um banco da cozinha. Algum soldado valente passou por lá e deixou sua marca nos móveis feitos com capricho pelo avô. Mas ninguém nunca mais viu o banco, nem bala, nem soldados.

O casebre era o único em meio ao verde das plantações que se estendiam até onde os olhos pudessem ver. Seus pais e avós plantavam tudo o que tivessem chance de vingar naquela terra. Mas nem todos os parentes eram assim. Para estudar, alguns tios saíram da cidade que de tão pequena não tinha escola com Ensino Médio.

Ela só saiu de lá depois de casada e só se aproximou das terras dos arredores do Rio Taquari quando já tinha três filhas. Volta e meia ela lembra de todos os cheiros que cercavam a infância: pão de milho, café e cigarro de palha.

Ninguém tem muitas fotos daquela época e nenhum dos irmãos têm registro da avó. Tudo o que resta são as lembranças que gostam de invadir as ideias na hora do café, de noite. Talvez sejam os cheiros, talvez seja apenas a ordem natural das coisas. Talvez seja o interesse pelas histórias de minha mãe.

Nesta edição do Caderno Você falamos sobre diferentes possibilidades de ser mãe. São histórias lindas e emocionantes, que me fizeram lembrar da minha mãe, não pela semelhança dos enredos, mas pelo amor que sentem pelos filhos.

Neste domingo, desejo que todos os filhos se encantem e se interessem pelas histórias de suas mães, que antes de tudo, são mulheres, com amores, com memórias, com saudades. Me parece um bom presente.

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