Verão de 61

Opinião

Carlos Schäffer

Carlos Schäffer

Advogado

Verão de 61

Por

No ano de 1961, como fazíamos todos os anos, o pai nos levou passar as férias na praia, em Capão da Canoa. Fomos para lá, ele num carro com a família e eu dirigindo o meu fusquinha, comprado naquele ano. Eu tinha 17 anos.

Em Capão me enamorei de uma menina que morava em São Leopoldo. Foi uma daquelas paixões de verão, momentaneamente ardentes, que acabam não dando em nada quando terminam as férias.

Foi como um castelo de areia: uma onda veio, destruiu tudo e levou, como compreendi – passados alguns meses e depois de algumas cartas trocadas – quando findou a ilusão de um caso que eu pensei duraria para sempre. Mas foram momentos bonitos que vivi com aquela garota. Não conseguia esquecê-la.

Naquele tempo, a Lilian era uma das minhas amigas mais íntimas. Ficávamos conversando e trocando confidências nos intervalos das aulas, antes ou depois delas, sentados nas pedras das escadarias, pelos cantos, ou no pátio do colégio onde estudávamos.

Nessas conversas eu contava a ela todos os detalhes da minha “paixão” pela namorada da praia. Eu só falava naquela mulher. Mostrava a ela as cartas que enviava (tenho o hábito de fazer cópia de tudo o que escrevo) e as que recebia.

Passado algum tempo, não recordo exatamente em que momento, mas naquele mesmo ano de 61, acabamos chegando à conclusão de que nossas afinidades eram muitas, tantas, que estávamos gostando um do outro, e começamos a namorar.

Assim teve início uma das mais emocionantes e intensas histórias de amor que você poderá imaginar na vida. A Lilian era uma mulher linda, poderia ter escolhido qualquer homem da cidade para namorar e casar, mas escolheu a mim, que não sou, disso estou certo, nada de especial.

Numa daquelas cartas que recebi, veio escrita a seguinte poesia (nunca procurei saber quem era o autor. Fiz de conta que acreditei ter sido aquela menina quem a criou exclusivamente para mim, assim):

“Beijo
Se o teu beijo doesse e torturasse,
transmitisse um veneno e uma doença,
inoculasse o germe da descrença
e destruísse a fé que não renasce!
Se o teu beijo ferisse e condenasse.
Fosse um pecado, um crime, uma sentença.
Se eu te beijasse e numa angustia imensa,
fosse ficando negro de uma face!
Se o teu beijo deixasse uma ferida
e meus lábios sangrassem toda a vida,
e eu tombasse murchando sobre o pó.
Se tu fosses o horror de toda a gente,
mesmo assim, eu te ampararia docemente,
e pediria em troca um beijo só! ”

Desculpem se insisto nesse assunto. Meus filhos até já me criticam, dizendo que tenho que olhar para a frente e não para o retrovisor. Mas a verdade é que eu nunca amei alguém com tanta intensidade como amei a Lilian, a minha esposa, que Deus levou, contra a minha vontade. Me permitam desabafar. Tenho muita saudade dela. E mesmo sabendo ser uma coisa que nunca mais vai acontecer, peço licença ao autor, seja ele quem for, para dedicar a ela esse poema.

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