Os sinais como voz e audição

Inclusão

Os sinais como voz e audição

Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais, celebrado em 24 de abril, marca a data em que a Libras foi reconhecida e regulamentada em lei, em 2002. Mais de 10 anos depois, pessoas surdas ainda buscam acessibilidade e inclusão

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Os sinais como voz e audição
Mãe e filho aprenderam a Libras juntos, para se entenderem e ajudarem outras pessoas. O sinal que fazem na fotografia significa “eu te amo”. Crédito: Júlia Amaral
Vale do Taquari
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Mãe e filho juntos na sala de aula. Foi assim que Marindia e Leonardo Terres viveram os cinco níveis do curso de Educação Continuada em Língua Brasileira de Sinais (Libras) da Univates. Leonardo, surdo dos dois ouvidos, só soube que os conhecimentos sobre a língua de sinais que tinha eram insuficientes quando chegou ao Ensino Médio.

A educação tardia de Libras é uma realidade para muitas pessoas surdas, pela falta de acesso ou profissionais para ensinar. “Quando meu filho começou a estudar no estado, não tinha intérpretes à disposição. Então eu tive que correr atrás, pedir isso, demorou um tempo. Quando a intérprete chegou na escola, ela me disse que o Leo sabia só o básico, que era uma coisa muito rasa para idade dele”, lembra Marindia.

Foi então que os dois buscaram pelas aulas da Univates. Mais do que se tornar fluente em Libras, mãe e filho fizeram novos amigos e entendem que a surdez não é um empecilho para a conquista de sonhos.

Ponte com o resto do mundo

“Quando falo que meu filho terminou o segundo grau, ele fez carteira de motorista, trabalha, que ele sai, tem amigos, amigos surdos, as pessoas ficam surpresas. É que Libras transformou nosso mundo”, conta. Para Marindia, a língua de sinais é como a ponte com o resto do mundo. Por outro lado, os esquemas criados em casa para conversas em família dificultam a criação de laços com outros grupos sociais.

Além de fortalecer o elo com o filho, a língua de sinais se tornou uma das grandes paixões de Marindia. Hoje, a teutoniense trabalha como intérprete em diferentes eventos pelo Vale, como a Paixão de Cristo do Imigrante, e produz vídeos com tradução de músicas em seu perfil no Instagram.

“Eu comecei a fazer libras para poder falar a língua do meu filho, para entender ele e ele me entender. É mais uma questão de amor. Libras também é amor. Às vezes só o olhar não basta, precisamos de palavras”.

O aprendizado

O contato com pessoas surdas é importante para os alunos da língua de sinais. A professora Daiane Kipper, 37, acredita que essa é a maior dificuldade dos estudantes que buscam pelo curso de Libras que, na Univates, tem carga horária de apenas 40 horas durante a graduação

Desde 2005, o ensino de Libras é obrigatório para quem cursa licenciatura. “A Libras é de muita importância por ser uma língua oficial do Brasil desde 2002 e de acesso para a comunicação de pessoas surdas. Quanto mais pessoas ouvintes com conhecimento dessa língua, maior será o acesso das pessoas surdas na nossa sociedade”, completa a professora.

Assim como Marindia e Leonardo, a comunidade também pode fazer o curso. “Muitas pessoas me procuram perguntando por locais que oferecem a Libras, tanto como curso de conversação, quanto tradução. Há muito interesse em aprender a língua, mas existem poucos locais que ofertam a mesma de forma presencial”.

Do aprender ao ensinar

Uma das professoras do curso da Univates é Tatiane Berté, 47. Natural de Putinga, ela só aprendeu Libras quando se mudou para Lajeado, em 1994. Antes disso, a comunicação era apenas com leitura labial. Com deficiência auditiva, foi uma amiga, também surda, quem se dedicou a lhe ensinar.

Pouco tempo depois, ela começou a participar da Associação de Surdos de Lajeado (Asla) e se dedicou ao curso de formação de instrutor de Libras da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), em Porto Alegre. Tatiane também fez a graduação em Letras/Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina, no pólo de Santa Maria, e se formou com a primeira turma do Brasil no curso.

“Todo o processo de aprendizagem não foi fácil, mas tive o apoio da minha família e sempre persisti, fui atrás dos meus objetivos e sonhos”, conta.  Para ela, a inclusão na vida acadêmica e na sociedade foi um marco. “Ser aceita com minhas deficiências onde a sociedade exige a perfeição não é simples e ainda servir de exemplo e inspiração para muitos foi uma conquista”.

Ela conta que na época em que estudava, teve dificuldades, porque não tinha o auxílio de intérpretes em Libras. Mas, depois da graduação e pós-graduação, se tornou professora. “Para mim é uma alegria ensinar a língua própria dos surdos e sua cultura para eles e possibilitar uma boa comunicação entre surdos e surdos, e surdos e ouvintes”.

Tatiane ainda destaca que o maior problema da Libras é que a linguagem não é universal. Cada país e região possui sinais diferentes para as mesmas palavras. Hoje, os surdos estão nas escolas, trabalham em empresas, mas a professora acredita que ainda há muito o que melhorar na inclusão social.

“Há falta de conhecimento sobre a surdez e a dificuldade de interação com o surdo pelo não conhecimento desta língua e cultura”. Para ela, um intérprete de Libras seria fundamental para garantir a acessibilidade das pessoas surdas e com deficiência auditiva na sociedade.

Um glossário acessível

Iniciativas pelo Vale do Taquari também buscam a inclusão. Uma delas é um glossário desenvolvido pela teutoniense Mariana Briese da Silva, 26. Ela conta que o material foi criado durante a elaboração de outro glossário pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Informação e Memória, do qual faz parte. Com um incentivo de uma amiga e com a percepção da inexistência de um diálogo entre a Biblioteconomia e a Libras, Mariana deu início ao projeto.

O glossário tem como foco as pessoas surdas que utilizam a Libras para se comunicar, com o objetivo de facilitar o acesso à assuntos da biblioteconômica. A iniciativa também busca ampliar os horizontes da comunidade surda em relação ao conhecimento de novas áreas de estudo.

O material é apresentado com 44 sinais-termos. Mariana conta que para a elaboração do glossário, foram selecionados três glossários da área de Biblioteconomia para identificar quantitativamente os termos mais recorrentes nesses materiais.

“Agregamos ao glossário também termos já existentes em Libras, que estivessem relacionados ao universo biblioteconômico, como as palavras ‘livro’, ‘multa’, ‘conhecimento’, entre outros”.

O glossário foi registrado no Tesauro Semântico Aplicado (THESA), e está disponível de forma gratuita. “É preciso que a sociedade reconheça e utilize a língua de sinais, para que haja realmente uma inclusão das pessoas surdas, uma vez que a língua de sinais é a voz do surdo”.

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