Das grandes obras, novos cenários e histórias de vida

VILAS DO PROGRESSO

Das grandes obras, novos cenários e histórias de vida

As construções do Porto de Estrela, da Barragem Eclusa e da Ferrovia do Trigo trouxeram novos moradores e habitações que, com o tempo, viraram núcleos habitacionais, vilarejos e bairros conhecidos até hoje

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Atualizado sábado,
22 de Abril de 2023 às 09:34

Das grandes obras, novos cenários e histórias de vida
Luiz Evaldo da Silva, 72, trabalhou na Barragem Eclusa por 51 anos e morou em duas casas na Vila Barragem. Crédito: Júlia Amaral
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Entre 1970 e 1980 o cenário de diferentes pontos do Vale mudou de forma radical. Foram novas casas, novas trabalhadores e novas obras que, até hoje, são marcas do progresso.

Em Estrela, um dos primeiros movimentos ocorreu em 1973, com a assinatura do documento que concedia as terras do Aero Clube para construção do Porto de Estrela. Na época, tudo em volta era área agrícola. Parte dos trabalhadores, que vieram de todo o país, estabeleceram as primeiras casas em volta da obra. Dez anos depois, em maio de 1983, foi sancionada a lei municipal que criava o bairro das Indústrias.

“Eu sou um dos primeiros que residiu lá, antes de ter casa. Morei onde era o Aero Clube, nos barracos em que os trabalhadores ficavam”, lembra Airton Engster dos Santos, 61. Antes de se tornar o coordenador do Memorial Estrela, ele trabalhou na construção da Farol, empresa no entorno da área portuária, os 16 anos, enquanto o pai, Norbertos dos Santos, trabalhava no Porto.

8 mil pessoas em 10 anos

Conforme Engster, Estrela nunca teve um crescimento populacional tão grande como entre 70 e 80, com o aumento de quase 8 mil pessoas. O historiador lembra das dificuldades que o município enfrentou. “Nos anos 70 era um caos. Além da necessidade de moradia, precisava de escola, de água, de luz. Aí começa assim e, na medida que as pessoas foram ganhando mais dinheiro, foram melhorando suas casas e o local foi se estruturando”, conta. Hoje, o bairro que se criou na margem esquerda do Rio Taquari conta com mais de 3 mil moradores.

Crédito: Júlia Amaral

Novo emprego e nova casa

Era 18 de novembro de 1969 quando Luiz Evaldo da Silva, 72, chegou em Bom Retiro do Sul para trabalhar na construção da Barragem Eclusa, aos 19 anos. Natural de Taquari, ele passou por diferentes trabalhos dentro de uma das principais obras do Vale. “Eu cheguei carregando cimento, no braçal. Só que eu era muito metido. Aí o cara veio um dia pedir para eu trabalhar de ajudante de eletricista e eu só fui”, lembra. Depois que a Barragem foi inaugurada, Silva seguiu trabalhando com a operação do local, e lá ficou por 51 anos.

Além do trabalho pesado da época da construção, ele lembra dos campeonatos de futebol organizados entre os trabalhadores, das grandes panelas de comida e dos gatos que rondavam a obra. Os operários eram muitos, vinham de diferentes lugares do estado e, por isso, ter acomodação para todos era um desafio.

Vila Barragem

Onde hoje é um terreno vazio, havia um alojamento para 20 pessoas. Na mesma área, ficavam cerca de 20 casas que formaram a Vila Barragem, de frente para a obra. As residências foram feitas e mantidas pela Brasília Obras Públicas.

Assim que a Barragem foi inaugurada, as coisas mudaram. “Aí a firma disse ‘ó, vamos cortar a luz, a hora que terminar a obra, vocês já sabem’. E aí o pessoal foi saindo. O último morador foi eu mesmo. Mas aí comprei a casa”. Assim como ele, outros também compraram as residências.

Aos poucos, a Vila Barragem mudou. As moradias, que na década de 70 tinham todas a mesma arquitetura, foram vendidas, perderam espaço para novas construções e os trabalhadores passaram a morar no centro da cidade.

Ainda hoje, Silva, que mora com a família no Bairro Imigrante, mantém residência junto da Barragem. “É que eu amo o rio. Se eu ficar eu dia sem ver o rio… Meu Deus. Acho que eu morro”.

Na parte alta do Vale

Nem todas as mudanças estavam ligadas ao Taquari. Em Muçum, o avanço veio de trem. O que hoje é o centro da cidade, em 1970 era conhecido como Vila Militar. Lá ficavam as 144 casas de civis e 30 casas de militares que trabalham na construção da Ferrovia do Trigo. Da época do vilarejo, resta a praça central e uma única casa que preserva a planta original.

“Lembro que chegamos para morar aqui e uns dias depois chegaram uns três militares. É que aqui era a casa de hospedagem deles. Aí eles tiveram que sair, porque a casa já estava ocupada”, lembra Joana Zanin, 84, esposa de Leonelo Zanin, maquinista aposentado, e moradora da residência construída por militares.

Joana lembra também de como era pacífica e regrada a vida na Vila. Enquanto os homens saiam para trabalhar na ferrovia, as mulheres que ficavam em casa cuidavam das crianças. Na entrada no local, uma placa indicava que aquela era uma área militar e, por isso, era incomum ver gente desconhecida no local.

Lembranças de infância

Saul Ferreira da Rosa, 52, conhece a família Zanin desde criança. O pai dele trabalhou no 1º Batalhão Ferroviário e chegou a Roca Sales, cidade em que o filho nasceu, em 1970. Seis anos depois, ocorreu a mudança para Muçum.

“Em Roca, lá em Arroio Augusta, o quintal de casa era o trilho do trem. Eu lembro que quando viemos para Muçum, tinha padaria perto, tinha mais quarto na casa, tinha uma pracinha. Tudo mudou”, recorda. Rosa conta como eram as casas: todas com três quartos, com triliches que vinham dos quartéis e uma área do lado de fora.

As vilas surgiam por onde o batalhão passava, mas, conforme Rosa, a vila de Muçum foi a maior do estado. A obra foi inaugurada em 1979. Boa parte dos trabalhadores, porém, só saiu da cidade em 1990. Hoje, restam na Vila cerca de 15 famílias que fazem parte da história da ferrovia.

 

Há cada dois anos, os filhos dos trabalhadores do 1º Batalhão Ferroviário promovem o encontro. Assim, as lembranças e a história daquela época permanecem vivas, mesmo que a paisagem já não seja mais a mesma de 1970.


Entrevista | Samuel Martim De Conto • professor de economia e logística na Univates

“Esta infraestrutura possibilitou o desenvolvimento acima da média”

A HORA – O que essas construções significaram para o Vale?

Samuel – Essas obras são marcos dos governos militares a partir de 1964, que embasam suas ações de desenvolvimento em construções de infraestrutura logística. Claro que o país estava crescendo significativamente em relação à sua população, e estas obras foram fundamentais para escoar e interligar a produção das suas regiões. O desenvolvimento dos municípios do Vale têm como um dos pilares a estrutura logística que possibilitou (e ainda possibilita) o deslocamento de produtos e de mercadorias das empresas da região.

– Como essas mudanças, sobretudo de aumento da população, impactam na cultura da região? 

Samuel – Esta infraestrutura logística possibilitou o desenvolvimento acima da média. E isso se reflete na qualidade de vida das pessoas. Então, esse fator também é um elemento fundamental na atração de pessoas para cá. A migração em busca de melhores oportunidades de trabalho, estudos, moradia, possibilita que esta mescla da população impulse e dinamize o desenvolvimento, onde toda a população seja favorecida por esta cultura que foi se moldando ao longo do tempo.

– As obras citadas são da década de 1970. Temos algum movimento recente que possa ser comparado ao que ocorreu naquele momento? 

Samuel – Não há nada semelhante às obras ocorridas na década de 70. O que temos são melhorias e ampliações na estrutura existente, sobretudo nas rodovias. Na verdade, são obras que já deveriam ter acontecido, haja vista o aumento populacional e de veículos transitando, e na direção contrária, redução ou encerramento dos outros modais (ferroviário e portuário).

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