Iniciativa visa transformar antigo cemitério em memorial

NA ROTA DA REVOLUÇÃO

Iniciativa visa transformar antigo cemitério em memorial

Local ficou conhecido pelo sepultamento de combatentes da Revolução Federalista e, hoje, recebe estudo para recuperar a história que remonta ao fim do século 19

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Iniciativa visa transformar antigo cemitério em memorial
Escritora Ilsi Mattei relatou as origens do cemitério da localidade no livro “De Cruzinha a Sério”. Crédito: Bibiana Faleiro
Sério

Das cruzes de madeira indicando locais de sepultamento, hoje, só restam os vestígios no antigo cemitério de Sério. Conhecido como Cemitério da Cruzinha, o espaço foi palco de passagens da Revolução Federalista de 1893, mas perdeu sua identidade ao longo do tempo. Agora, uma parceria entre município e Univates resgata o contexto histórico da localidade para a construção de um memorial.

Antes mesmo da revolução, aquele espaço coberto por natureza à beira da estrada era onde se enterravam pessoas com pouco poder aquisitivo, que não tinham familiares, não eram associados à Igreja ou não possuíam assistência. Mais tarde, com a Febre Amarela, o local passou por superlotação. Os moradores mais antigos contam que o espaço chegou a ter quase 300 túmulos.

Diácono da Paróquia São José, Antonio Lazzari conta que este era o único cemitério da cidade por muitos anos, mas há mais de quatro décadas não é utilizado. Mais tarde, foi criado o cemitério central da cidade, onde ocorrem os sepultamentos hoje.

Diácono da Paróquia São José conta que os primeiros habitantes eram enterrados no local. Hoje, espaço possui apenas vestígios dos túmulos. Crédito: Marcelo Joel Morschell

De Cruzinha a Sério

A professora Ilsi Maria Schons Mattei possui registros desta história nos livros “Resgatando a História de Sério”, de 2000, e “De Cruzinha a Sério”, de 2012. Por décadas, ela lecionou em escolas do município, até que surgiu a curiosidade pelos fatos da cidade. “Eu queria saber mais e poder transmitir mais esses acontecimentos. Mas não foi fácil, porque temos que ter muita responsabilidade no que escrevemos”, destaca.

Em sua pesquisa, ela relata que há duas versões sobre as origens do Cemitério da Cruzinha. Uma delas afirmava que o nome surgiu quando os soldados do império abriam a grande estrada de Soledade rumo ao Rio Taquari. Alguns soldados passavam por enfermidades e morriam. Eram enterrados, então, à beira da estrada, deixando assinalado o local da sepultura com cruzes de madeira.

Outra versão diz que o local servia como refúgio de combatentes envolvidos nas lutas da Revolução Federalista de 1893. Acredita-se que os feridos que morriam nos conflitos eram enterrados junto aos demais corpos no cemitério que, de forma improvisada, foi aumentando.

As cruzes de madeira

Um dos combates da revolução foi o de Quatro-Léguas, em Boqueirão do Leão, ocorrido nos dias 6, 7 e 8 de agosto de 1894. De um lado, estavam os ervateiros serranos maragatos e, de outro, os republicanos.

O conflito se deu depois que os federalistas, ou maragatos, perderam uma batalha em Passo Fundo e, com muitos feridos, chegaram a Quatro-Léguas. Os republicados, sabendo do conflito perdido, quiseram atacar as tropas debilitadas dos adversários, mas foram surpreendidos pelos soldados federalistas, avisados do plano.

O combate resultou em uma batalha violenta. Muitos dos feridos dos dois lados da revolução morreram pelo caminho e foram enterrados no Cemitério da Cruzinha, que ficava na chamada “Estrada Serrana”, por onde os combatentes passavam. Mais tarde, alguns dos corpos foram retirados do cemitério e enviados às famílias dos combatentes.

O início

De acordo com o professor e historiador José Alfredo Schierholt, Cruzinha foi a primeira denominação da antiga Estrada Serrana e do morro e linha colonial entre Sete de Setembro e Sério.

Devido à proximidade do centro da cidade, Cruzinha foi a primeira denominação da Vila Sério. O historiador acredita que a primeira menção documentada e histórica de Cruzinha tenha sido as memórias de Miguel Raymundo Schauren, intituladas Aus Grossvaters Zeiten, contadas pelo sogro João Francisco Alves, personagem da Revolução Federalista e que estão sendo traduzidas do alemão gótico pelo escritor Wolfgang Hans Collischonn.

Homenagem

“Por isso se criou uma referência forte com a cidade. Inclusive, os moradores de regiões próximas se referiam a Sério como Picada Cruzinha, chamando o local pelo nome do cemitério”, conta o presidente da Câmara de Vereadores, Ivan Henz. Por isso, em 2017, ele sugeriu, por meio do vereador Tiago Arioti, a recuperação do espaço. Na época, ele identificou que o terreno pertencente à prefeitura estava sendo utilizado como potreiro.

Ainda naquele ano, Henz foi atrás da documentação e de pessoas que pudessem auxiliar na delimitação do espaço. “Depois disso começamos uma conversa com as pessoas da comunidade, perguntando se lembravam de pessoas que foram enterradas e qual a história do cemitério”, recorda.

O levantamento foi apresentado ao Poder Público e, com a nova administração, surgiu a ideia de iniciar o estudo com a Univates. Depois disso, será feito o cercamento e embelezamento do local. A ideia é fazer um memorial com uma placa que resgata nomes de pessoas e a história do cemitério.

“É difícil dizer quem está enterrado ali, porque esse cemitério, depois dos federalistas terem sepultado algumas pessoas, começou a ser utilizado pela comunidade também para sepultar seus entes”, comenta o prefeito Moisés Sidnei de Freitas.

Pesquisas

A parceria do Centro de Memória do Museu Ciências da Univates com o município resulta em um trabalho de pesquisa histórica. O projeto consiste em contextualizar as informações do Cemitério da Cruzinha. “Quando e porque teria começado, quem foi sepultado neste local e qual o significado deste espaço para o município”, destaca a historiadora Patrícia Schneider.

Para o trabalho, os pesquisadores buscam associar informações dos documentos históricos com relatos de pessoas da comunidade. “Com as informações, é montado o processo da história do local, sempre contextualizado com o cenário à sua volta”, ressalta Patrícia. A equipe que executa o projeto é composta também pelos historiadores Neli T. G. Machado e Marcos Rogério Kreutz.

Até o momento, foram consultados os registros das igrejas, prefeitura, câmara de vereadores, jornais, cartórios e outras instituições. De acordo com Patrícia, foi descoberto que o cemitério surgiu no final do século 19, utilizado ao longo do período pelos moradores da localidade. Os detalhes da pesquisa serão apresentados em maio deste ano em um dossiê histórico.

Pesquisas são feitas pelo Centro de Memória do Museu Ciências da Univates. Crédito: Divulgação

O combate de Quatro-Léguas

  • O combate em Boqueirão do Leão ocorrido nos dias 6, 7 e 8 de agosto de 1894 colocou de um lado os ervateiros serranos maragatos de Zeca Ferreira e, de outro, os republicanos comandados por Antônio Carlos Chachá Pereira.
  • Chegaram a Quatro-Léguas, Boqueirão do Leão, as tropas maragatas, vencidas na batalha de Passo Fundo (Pulador), com muitos feridos. Os 300 combatentes estavam escondidos entre árvores e arbustos e surpreenderam as tropas republicanas.
  • Os republicanos, sabendo da derrota dos maragatos em Passo Fundo, resolveram aniquilar o exército ainda cambaleante dos maragatos e saíram de Santa Cruz do Sul com seus 700 homens.
  • Os republicanos foram atacados pelos federalistas e o comandante dividiu seus soldados em dois grupos. Um seguiu de volta para Santa Cruz e o outro, o mais castigado, retornou pelo trilho que ficou conhecido como “Estrada Serrana”, que passava por Cruzinha, que depois seria a Vila Sério.
  •  Os mais gravemente feridos, dos dois lados do combate, morriam pelo caminho, onde assinalavam as sepulturas com cruzes. Por isso a localidade ficou conhecida como Cruzinha.

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