Lixo que vira arte

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Lixo que vira arte

Sucatas para alguns, matéria-prima para outros. Quando estão nas oficinas ou nos ateliês, artesãos do Vale deixam a criatividade tomar conta e dão novo uso para materiais que seriam descartados

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Lixo que vira arte
Há 30 anos, José Fernando Eckert fez as primeiras peças artesanais e ficou conhecido no bairro Moinhos, em Lajeado, pelos brinquedos de madeira. Crédito: Bibiana Faleiro

Antes das 6h, o artesão José Fernando Eckert, 68, liga as luzes de casa e começa a trabalhar. Qualquer pedaço de madeira é bem-vindo. Na oficina, corta, lixa, pinta e cria. Faz 30 anos que o morador do bairro Moinhos, em Lajeado, dedica parte do seu tempo para fazer brinquedos de madeira.

À medida em que os materiais chegam, ele corta e separa em caixas. Na hora de montar, já sabe onde procurar cada peça. O gosto pela marcenaria veio aos 35 anos, mais pela necessidade de renda do que por um hobbie. Mas, depois de atuar na Brigada Militar e no Corpo de Bombeiros, e se aposentar, o trabalho manual passou a ser uma ocupação para as mãos e para o psicológico.

As primeiras obras em madeira aprendeu a fazer com um amigo. Depois, comprou uma máquina para cortar e lixar. As formas e modelos começaram a refletir parte da criatividade e da imaginação do servidor aposentado. Eckert conta que se inspirou na experiência de artesãos mais velhos e em algumas pesquisas na internet. O resto é criado na hora.  “Comecei com os brinquedos porque fazia coisas para os filhos. Não tinha dinheiro para comprar e comecei a inventar uma coisa ali e outra lá”, conta. Hoje, tem peças 100% recicladas.

Um último brinquedo que fez foi um lagarto de madeira e câmara de pneu de moto, que auxilia a projetar o movimento no animal conforme as crianças o guiam pelo chão. Junto com isso, tem em estoque balanços, aviões, carrinhos e caminhões. Enquanto monta, é a esposa que pinta cada brinquedo.

“Tenho aqui um que meu pai tinha guardado no sótão da casa dele, em Estrela, um carrinho de corda feito com madeira, prego e elástico”, recorda.
Os objetos são vendidos no Shopping Lajeado e outras feiras pela região. O preço, por vezes, é apenas simbólico. “O pessoal me xinga que eu não sei colocar preço, mas eu calculo o que eu gasto, que é quase nada”, diz.

Entre motores e graxa, o artesanato

Tuchos valvulados dos carros da linha GM. Essa é a principal matéria-prima para Rodrigo Giovanella. Os materiais se transformam em corpos de bonecos que podem ser pescadores, levantadores de peso, músicos ou o que mais a criatividade der conta. Bastam mais alguns parafusos e tempo.

A inspiração veio durante a pandemia. Com todas as atividades suspensas pelo isolamento social, o mecânico e músico procurava fugir do tédio. “Aí minha mãe me mostrou uma arte que tinha visto pela internet. Me chamou a atenção e deu vontade de fazer também”, conta.

Depois disso, Rodrigo comprou um aparelho de solda. Incentivado pela família, começou a fazer as primeiras artes, menores. “Meu pai tem oficina faz 40 anos, e comecei a ajudar ele desde pequeno. Então sempre tive familiaridade com as peças”. O primeiro passo do processo é imaginar como será a escultura. Depois, começa a busca pelas peças, como pode ocorrer nas sucatas da cidade ou a partir dos materiais que sobram da oficina. Feita a soldagem, é hora de escovar e eliminar qualquer ferrugem.

Apesar de já ter recebido pedidos por peças coloridas, Rodrigo busca deixá-las da forma mais original possível. Cada escultura demora cerca de duas a três horas para ficar pronta e custa entre R$100 a R$150. Rodrigo conta que planeja fazer esculturas menores, que levem menos tempo e sejam mais baratas. “Eu fiquei um bom tempo sem fazer nenhum. Tinha deixado um pouco de lado, focado em outras, mas agora voltei”. No próximo Arte na Praça, ele deve expor as artes pela primeira vez.

Rodrigo Giovanella usa metais das peças de motores automotivos que seriam descartados para produzir peças cheias de significados. Crédito: Júlia Amaral

Nada é desperdiçado

Sustentável e feito a mão. É assim que Fernando Rocha define os trabalhos do Ateliê. As produções começaram faz cerca de oito anos, quando o artesão estava prestes a se aposentar e já pensava em como ocupar o tempo. No mesmo período, a necessidade de uma das filhas despertou para uma nova possibilidade.

“Ela faz uma ‘cachacinha’, lá em Porto Alegre, e precisava de um copinho que acompanhasse a ideia de uma cachaça artesanal. Aí fizemos o copinho de 60 ml, um shot certinho, com o gargalo de uma Corona”, lembra. Foi o copo que abriu as portas da criatividade. Por dois anos, Fernando trabalhou em uma máquina que o ajudasse a dar o acabamento correto e seguro para os vidros. Aos poucos, o artesão uniu plantas, pedras e madeiras as criações.

São vasos, luminárias, copos e até casa de passarinhos, tudo feito com materiais reutilizados. A maior parte dos vidros são doados por bares e pubs da cidade. A madeira também é de reaproveitamento. As sobras dos trabalhos de Fernando também servem para outros artesãos. “Tenho uma amiga que usa a serragem para a composteira dela. Poxa, é gratificante. É uma rede sustentável”, afirma. Hoje, Fernando expõem na Associação dos Artesãos de Lajeado, no Shopping.

Integrante da Associação dos Artesãos de Lajeado, Fernando Rocha escolheu o vidro como matéria-prima para seu trabalho. Crédito: Júlia Amaral

No caminho da reciclagem

A artesã Chani Bressan, 62, também busca reutilizar retalhos de roupas, em especial as calças jeans, para fazer o patchwork. Com os tecidos, ela faz acessórios, bolsas, e outros objetos. Além disso, gosta do crochê e faz bonecos conhecidos como os “amigurumis”.

“As pessoas já sabem que faço e doam os materiais. Eu ganho muitas calças das minhas filhas ou de pessoas que deixam na Casa do Artesanato”, conta Chani. Esse trabalho manual começou há cerca de 12 anos. A primeira encomenda foi um protetor de berço para o neto que estava prestes a nascer. “Minha filha me pediu, ela disse que pagaria o curso para eu fazer. Comecei e estou na área até hoje”.

A artesã Carmen Souza, 50, também busca formas de deixar o trabalho dela sustentável. Já familiarizada com pinturas em telas, durante a pandemia aprendeu uma nova técnica e começou a fazer bonsais de arame torcido.

Ela também utiliza tampinhas de qualquer garrafa, assim como rolhas para fazer a base das pequenas árvores. Por enquanto, Carmen ainda compra os arames, mas, agora, procura empresas retificadoras de motores para conseguir o fio de cobre que sobra das montagens. “Então é só limpar e posso trabalhar com esse cobre. É isso que estou buscando”. O atelier é na própria casa dela mas, por onde vai, leva a sacola com os arames e começa a torcer.

Chani Bressan (e) ao lado de Carmen Souza. Artesãs com especialidades diferentes e um mesmo propósito de reaproveitar matéria-prima. Crédito: Bibiana Faleiro

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