A cara da liderança feminina no campo

Liane Brackmann lidera o STR Teutônia/Westfália há mais de 20 anos (Foto: Julia Amaral)
Entre uma reunião e outra, Liane Brackmann, 66, encontra tempo para responder à reportagem do A Hora. Empolgada com a proposta de texto em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, ela começa dizendo que sempre esteve “na lida”, que cresceu livre e teve uma infância feliz em Linha Clara, em Teutônia, onde mora até hoje.
Liane é um nome importante nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) da região e que representa também a força da mulher agricultora. Há mais de 20 anos, lidera o STR sediado em Teutônia, grupo de 1,6 mil associados, que hoje compreende também Westfália, além de três estabelecimentos comerciais. Orgulhosa da trajetória que construiu, lembra com precisão do que a instigou para a liderança comunitária.
“Quanto eu tinha 15 ou 16 anos, apontavam para mim e diziam que eu era agricultora porque era o que restou, porque eu não tinha estudado”. Com o objetivo de mu dar essa percepção, a exemplo da liderança do pai, que sempre foi envolvido com a comunidade por meio de Círculo de Pais e Mestres (CPM) e do STR Estrela, Liane passou a integrar a mobilização sindical na década de 1980.
O primeiro movimento foi em busca da mudança da Constituição, para que as mulheres rurais fossem reconhecidas como trabalhadoras. “Se eu chegava e dizia que minha profissão era agricultora, me diziam que isso não existia. Existia só dona na casa, sabe?”
Em 2002, Liane concorreu pela primeira vez à diretoria do STR. Desde então, dedica a vida às melhorias das condições de homens e mulheres do campo. Nesses anos, viu as prioridades do grupo mudarem, a sociedade evoluir, e hoje trabalha com associados de 16 a 101 anos.
“Eu acredito que, nas últimas décadas, quem mais avançou em termos de direitos é a mulher rural. Ela praticamente só vivia para a família. Às vezes com uma jornada além do que é capaz. Mas ainda falta preencher espaços no campo, nas cooperativas, na política”, reforça.
Hoje, Liane divide o tempo entre o sindicato, a propriedade rural e a família. Mãe, esposa e avó, ela segue com disposição, sempre encarando desafios e trabalhos importantes. “Disse há pouco na reunião do Conselho do Idoso: a sabedoria está em nós”.
“Eu acredito que, nas últimas décadas, quem mais avançou em termos de direitos é a mulher rural. Ela praticamente só vivia para a família. Às vezes com uma jornada além do que é capaz. Mas ainda falta preencher espaços no campo, nas cooperativas, na política” – LIANE BRACKMANN LÍDER DO STR
Entre empresariado e trabalho voluntário

Maristela Etgeton é sócia-proprietária da Britagem Cascalheira e voluntária da Corrente do Bem e Ação Solidária Adventista (ASA) (Foto: Bibiana Faleiro)
Nascida em Tucunduva, distrito de Santa Rosa, Maristela Etgeton, 50, se mudou para Estrela com os pais aos seis anos. A Britagem Cascalheira surgiu em 1998, fruto do sonho dela e do marido, Emerson Etgeton.
O casal começou a empresa peneirando cascalhos para colocar nas estradas de loteamentos. Na época, eram só os dois, que exigia que Maristela ajudasse até mesmo a operar a máquina que selecionava as pedras. Sem escritório, tudo o que o casal tinha era uma pasta, duas canetas e um talão de notas.
“Aprendi a dirigir carro, depois caminhão e até máquina carregadeira. Eu e o meu esposo fomos parceiros e somos até hoje”, reforça. Aos poucos, o negócio foi crescendo e foi possível construir um escritório, comprar a primeira máquina e montar a planta da Usina de Britagem.
Depois disso, a Britagem Cascalheira passou a oferecer prestação de serviços de máquinas. Há três anos o negócio se ampliou com a Cascalheira Stone Garden em Estrela, que oferece serviço de máquinas, areia e pedras para jardim.
Mesmo com todos os compromissos, Maristela ainda encontra tempo para se dedicar ao voluntariado. Neste ano, completa 17 anos junto à Corrente do Bem e seis anos na direção da Ação Solidária Adventista (ASA). Para ela, o mais importante é fazer a diferença na vida das pessoas, mesmo que em atos pequenos. Em quase 20 anos, foram muitas situações marcantes. Entre elas, a última campanha do Mutirão de Natal.
Na ocasião, um homem contou sobre a tristeza de ter de escolher entre qual filho daria o último copo de leite. “Parece impossível. Parece que isso só acontece nas cidades maiores, em lugares distantes da gente. Mas não. Na nossa região, apesar de todo desenvolvimento e de ser tão próspera, ainda existem pessoas que vivem à margem da sociedade”, conta. Dias depois, Maristela recebeu uma ligação de um amigo dizendo que gostaria de doar um caminhão carregado de leite.
Antes de encerrar a entrevista, Maristela quis registrar o agrade- cimento ao marido e à filha, Sarah. “Se temos avançado no trabalho da Corrente do Bem, é porque tenho tipo o apoio, a ajuda e o respeito por parte do Emerson e da
Sarah”.
“Aprendi a dirigir carro, depois caminhão e até máquina carregadeira. Eu e o meu esposo fomos parceiros e somos até hoje”- MARISTELA ETGETON EMPRESÁRIA E VOLUNTÁRIA
Mãe e protetora das crianças e adolescentes

Ela Johan teve forte participação na comunidade, com passagem pelo Conselho Tutelar, antiga Febem e Saidan (Foto: Bibiana Faleiro)
O único chalé da rua Quinze de Novembro pertence a Ela Lúcia Petry Johan, que gosta de deixar a casa sempre arrumada às visitas. Aos 80 anos, a moradora de Lajeado ainda é conhecida como Tia Ela ou Dona Ela e, mesmo depois de aposentada, continua recebendo pessoas que cruzaram por ela durante os anos dedicados à proteção de crianças e adolescentes do município.
Nas paredes e nos álbuns de recordações, ela guarda memórias de quando atuou no Conselho Tutelar, na antiga Febem, Saidan e como voluntária em uma instituição para dependentes químicos e no Lar São Chico. O espírito comunitário vem de casa, do exemplo da mãe e da avó.
Parte da caminhada de Ela foi dedicada ao cuidado dos sete filhos. Quando adultos e com a morte do marido, decidiu que era hora de cuidar de outras crianças e adolescentes. Ela começou a pesquisar sobre as funções de um Conselheiro Tutelar e, na primeira vez que se candidatou, foi uma das eleitas, com o maior número dos votos.
Mais tarde, foi convidada para integrar a política e dirigir a antiga Febem, um espaço de ressocialização de menores infratores. A instituição foi fechada em 2002, e ela assumiu, então, a diretoria da Saidan. Dona Ela quebrou preconceitos com o bairro Santo Antônio, onde a instituição está localizada e, mais uma vez, dedicou seus dias a cuidar dos menores. Por oito anos, foi referência na entidade, até se aposentar aos 70.
Depois disso, passou um tempo em casa, mas o descanso durou duas semanas. “Um casal passou aqui na frente. Eu não conhecia, disseram que eram do Lar São Chico e pediram se eu não queria assumir como voluntária”, recorda.
Hoje, com problemas de saúde, precisa ficar mais em casa. Mas Dona Ela ainda é lembrada por quem cruza por ela na rua. “Até hoje vou no centro e quando passam por mim falam: Oh tia Ela!”.
A história dela foi lembrada pela Secretaria de Trabalho, Habitação e Assistência Social (Sthas), quando recebeu a homenagem “Mulheres Destaques do Ano”. Outro certificado que guarda na parede da sala é um reconhecimento do Ministério Público, pela dedicação à infância e juventude na cidade.
“Até hoje vou no centro e quando passam por mim falam: Oh tia Ela!” – ELA JOHAN EX-CONSELHEIRA TUTELAR
Líder, mãe, amiga e referência

Diulien Cristiele Pereira dedica os dias para cuidar da família e vizinhos (Foto: Bibiana Faleiro)
“Sempre morei em Lajeado, sou cria do Santo Antônio”, conta Diulien Cristiele Pereira, 33. Moradora do Novo Tempo 1, é o nome de “Diuli” que chamam na hora de pedir qualquer ajuda, seja 1 kg de alimento ou a montagem de um currículo. Com o tempo, ela se tornou uma líder comunitária e um exemplo na localidade.
Há cerca de quatro anos, Diulien conheceu o projeto Move Mães, hoje, Associação Marinês. Desde lá, é usuária do serviço, que destina roupas, alimentos e presta auxílio aos moradores do bairro. Hoje, também é voluntária.
Não faz muito tempo, ela conta ter se separado e passado por um momento de dívidas. Mesmo assim, tinha ânimo para continuar com as boas ações. “Talvez tenha pessoas que estejam precisando mais do que eu”, destaca.
Há alguns dias, bateu na porta de casa uma mulher pedindo alimentos. Diulien tinha 2 kg de arroz, 1 kg de feijão e dois pacotes deassa. “E aí, como faz? Entra, eu mando entrar”, diz. No fim do dia, ela doou metade dos alimentos que tinha para a vizinha.
É também ela quem ajuda a organizar as festas no Novo Tempo 1, como o Natal e a Páscoa. Em dezembro do ano passado, foi a primeira vez que preparou o evento sozinha. “Foi muito lindo pra mim. Não tem nada melhor do que ver essa alegria, principalmente das crianças”, garante.
Desempregada e sem estudo, ela vai fazer as provas da Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Eu sei que mesmo com estudo vai ser difícil, porque sou da periferia, sou negra, hoje é difícil algum lugar me dar serviço. A sociedade ainda é muito preconceituosa. Mas quero estudar e trabalhar”.
Outro sonho de Diulien é emagrecer e cuidar da saúde, já que, por muitos anos, deixou a vida pessoal de lado. Agora, por meio da Associação Marines, conseguiu parceria com a Academia Em Forma, e começou, nesta semana, uma rotina de exercícios físicos.
Em meio ao estudo e à saúde, quer continuar como voluntária da associação. O próximo evento que pensa em organizar no bairro é um São João. Quem quiser auxiliar ou conhecer a Associação Marines pode entrar em contato com as voluntárias por meio do Instagram @associacaomarines.
“Eu sei que mesmo com estudo vai ser difícil, porque sou da periferia, sou negra, hoje é difícil algum lugar me dar serviço. A sociedade ainda é muito preconceituosa. Mas quero estudar e trabalhar” -DIULIEN CRISTIELE PEREIRA LÍDER COMUNITÁRIA NO NOVO TEMPO 1