Sonho da emancipação cada vez mais distante

ESFORÇOS PELA INDEPENDÊNCIA

Sonho da emancipação cada vez mais distante

O Brasil não tem novas cidades há 10 anos. Entre os entraves, a exigência de pelo menos 12 mil habitantes e as indefinições na lei federal. Na região, das nove comunidades que buscavam a emancipação entre o fim de 1990 e 2013, a maioria já desistiu da iniciativa

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Atualizado sábado,
04 de Fevereiro de 2023 às 09:05

Sonho da emancipação cada vez mais distante
Moradores de Bela Vista do Fão iniciaram movimento pela emancipação em 1988. Localidade completa 116 anos de distrito em 10 de fevereiro. Crédito: Felipe Neitzke
Vale do Taquari

Geração de emprego, pavimentação asfáltica e proximidade com a gestão pública. Esses eram alguns dos argumentos para a emancipação de localidades do Vale. Sem conseguir efetivar o plano, percebem queda populacional e maior dificuldade em conquistar a independência administrativa.

Entre os últimos movimentos, em 2013 quatro distritos da região ainda tentavam se tornar cidade. No RS, eram 46. Na época, a legislação exigia ao menos 12 mil habitantes, o que inviabilizou as tratativas. Foi também naquele ano que houve a última emancipação no Brasil – Pescaria Brava, em Santa Catarina.

Desde então, o Congresso propôs alterações na lei federal. As sugestões foram vetadas pelo Executivo e os critérios seguem em aberto. Enquanto líderes de comissões emancipacionistas defendem a independência das localidades para assegurar melhor qualidade de vida, especialistas na área pública alertam para aumento de custos.

O entendimento é que, ao constituir mais cidades, haverá nova redistribuição de recursos em nível federal e a elevação de despesas com a máquina pública. Sem uma definição sobre o tema, a transformação de distritos em municípios parece estar cada vez mais distante.

Tratativas de Bela Vista do Fão

A localidade de Bela Vista do Fão, em Marques de Souza, completa 116 anos de distrito em 10 de fevereiro. O sonho de ter a independência administrativa mobilizou a comunidade, com os primeiros movimentos em 1988, quando houve a emancipação de Progresso. Ex-moradores se uniram à causa e formaram comissão para levar a demanda ao Estado.

O distrito atendia os critérios da época, entre eles, a população mínima de 2,5 mil moradores e 170 imóveis na área urbana. A localidade já contava com cartório distrital, posto de combustíveis, subprefeitura e economia diversificada. Além do setor agropecuário, há tradição no segmento de olarias.

O engajamento perdurou até 2010, mas sem sucesso. “Tivemos várias oportunidades, porém em alguns momentos faltou maior presença junto ao Estado”, lembra o morador Ivo Pavi, 71. Ele integrou a comissão emancipacionista no fim da década de 90. Destaca que em meio a essas tratativas, Marques de Souza conseguiu se emancipar e incorporou o distrito.

Pavi recorda do anseio dos moradores em contribuir com o desenvolvimento de Bela Vista do Fão. “O entendimento era de ter melhores condições de gerir os recursos públicos. Com isso também se queria ampliar a visibilidade para fortalecer a economia e viver melhor”, pontua. Entre as prioridades estavam a educação, saúde e acesso asfáltico.

Com o passar dos anos e diante da perda de população, o sonho da independência ficou cada vez mais distante. “Muitos jovens foram embora na busca de um futuro mais promissor. Hoje mesmo sem ser cidade as nossas condições estão muito melhores. O município faz investimentos na pavimentação de ruas, tem internet de fibra óptica e atendimento médico no posto.”

Valdir Pellenz integrou grupo pela emancipação do distrito de Campo Branco, em Progresso, em 2010. Crédito: Felipe Neitzke

População diminui em Campo Branco

“As comunidades estão ficando velhas. Se a gente tivesse se emancipado, teria gerado mais emprego e os jovens poderiam permanecer na cidade”, lamenta um dos líderes do movimento emancipacionista de Campo Branco, em Progresso, Valdir Pellenz.

Para conquistar a soberania, a comissão visitou as pequenas comunidades com as quais faz divisa, como Linha Santo Antônio e Barra do Bras. Ali, buscava apoio e aval para anexar as localidades ao futuro município. Conforme reportagem do jornal A Hora de maio de 2011, as áreas atingiriam 45% de Progresso, 15% de Boqueirão do Leão e 15% de Barros Cassal.

Assim, a cidade de Campo Branco teria 2 mil eleitores e 4,5 mil habitantes. Hoje, a comunidade conta com 1,5 mil moradores. Na época das campanhas emancipatórias, o local reunia quase todos os requisitos para se tornar um município. Além do número de moradores e eleitores, tinha também posto de saúde e o número suficientes de residências que a lei exigia. Só faltava um banco. “Com o tempo a gente ia buscar isso.”

A comissão acreditava também, que a emancipação traria melhoras na educação. A ideia era implementar o Ensino Médio na escola da comunidade e, assim, os estudantes não precisam se deslocar até Progresso. Em 2010, a escola São Luiz Gonzaga, a maior da localidade, tinha 250 alunos. Hoje, tem 130.

Até mesmo adesivos fizeram parte da campanha em busca da emancipação. A movimentação durou cerca de um ano. Quando todos os documentos estavam reunidos para provar ao governo do estado a capacidade de emancipação, a lei mudou. “Não nos tornamos município não pela falta de vontade da comunidade, mas pela lei”, ressalta Pellenz.

Legislação e custos da máquina pública

O debate para emancipar ou aglutinar localidades passa pela decisão de onde virá os recursos. Esse é o entendimento do advogado e especialista em direito público Juliano Heisler. Segundo ele, a mudança provoca a redistribuição de recursos públicos e pode comprometer cidades maiores que já operam no limite orçamentário.

“Antes de retomar o debate sobre a independência de distritos, o país precisa fazer uma reforma tributária e reavaliar os parâmetros do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).” De acordo com Heisler, no modelo atual cidades com pouco mais de 1 mil habitantes recebem o mesmo valor de municípios com quase 10 mil moradores.

Outro ponto destacado pelo advogado é a necessidade da definição do governo federal sobre o tema. Em 1996, foi aprovada uma emenda à Constituição que condicionou a criação de novas cidades à aprovação de lei pela União. Desde então tramitaram várias normas que acabaram vetadas pelo Poder Executivo.

“A decisão não mais é dos estados e sim da União. Por isso, com regras mais rígidas ficou difícil avançar com os movimentos emancipacionistas.” Na percepção de Heisler, um distrito bem articulado consegue mais por meio de líderes atuantes do que com a independência e custos para manter a máquina pública.

Comunidades estruturadas

Mesmo sem ter se tornado cidade, o bairro Teutônia percebe os efeitos positivos do movimento emancipatório. Há 15 anos, a tentativa de criar a Teutônia Norte formou a comissão capaz de articular com a administração pública e fazer com que o bairro ganhasse relevância na cidade.

“Logo depois, Teutônia criou o plano diretor e o crescimento da urbanização unificou a cidade. Hoje, não vejo mais motivos para rasgar o município ao meio”, afirma o administrador e membro da comissão Márcio Mügge.

Ao contrário de outras localidades do interior, o bairro Teutônia não perdeu habitantes e seguiu se desenvolvendo no compasso da cidade. “Para nossa região, esse processo emancipatório proporcionou melhora na qualidade da vida como um todo”, declara Mügge.


Hélio Musskopf, ex-prefeito de Estrela.

ENTREVISTA – Hélio Musskopf – Ex-prefeito de Estrela e ex-deputado estadual pelo MDB. Durante o período em que atuou na Assembleia Legislativa, de 1983 a 1991, foram criados 12 novos municípios no estado

“Muitas comunidades, se não fossem emancipadas, teriam sumido”

Como foi seu envolvimento com a emancipação de Bom Retiro do Sul?

Hélio Musskopf: Eu votei pela primeira vez em minha vida em 1958, aos 19 anos, pela emancipação de Bom Retiro. E lá, em 1969, eu fui eleito vereador. Em janeiro de 73 eu me mudei para Estrela para ser secretário. Então, o início de minha caminhada na vida foi a favor da emancipação da minha terra natal. Depois, como deputado, fui presidente da Comissão de Assuntos Municipais por seis anos consecutivos.

Quais foram os principais desafios das comunidades para conquistar a independência administrativa?

Musskopf: Na época havia uma lei muito rígida que regulava a emancipação. Então praticamente nenhuma comunidade que pretendia se emancipar tinha condições para atender as exigências da lei, como ter no mínimo 5 mil habitantes e 1,8 mil eleitores. Por isso, todos os outros precisavam negociar com o município mãe para que nenhum entrasse com recursos de inconstitucionalidade da lei. Precisava negociar com os prefeitos. Aí, muitas vezes uma determinada comunidade escolhia uma área, mas o prefeito achava que não, que naquele local tinha coisas importantes que o município não poderia abrir mão. Assim a gente foi negociando.

Quais foram os ganhos das emancipações?

Musskopf: No fim, acho que todos tiveram a alegria de se emancipar perceberam um novo desenvolvimento. Muitas comunidades se não fossem emancipadas teriam sumido. A administração pública não tinha condições de entender aquela comunidade, mas agora a localidade tinha recursos federais, tinha a sua prefeitura. Além do mais, isso trouxe um aumento de arrecadação para o Estado.

Como eram as campanhas organizadas pelas comunidades? Havia grande envolvimento da população?

Musskopf: Todas as localidades tinham que criar comissão local pró emancipação, que tinha diretoria eleita em assembleia e tudo mais para satisfazer todas as exigências da lei. Haviam alguns líderes que incentivavam a vontade de permanecer como município mãe e não ter um novo, pois entendiam que era muito difícil começar do zero.

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