O hospital

Opinião

Carlos Schäffer

Carlos Schäffer

Advogado

O hospital

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Depois de muitos anos de desinteresse, fui forçado a me internar para fazer um check up. Não gosto de hospitais. Um hospital, para mim, é como uma cidade onde nunca se sabe se é dia ou noite. Ao se andar por aqueles corredores, a iluminação artificial torna tudo sempre igual.

Praticamente prostrado numa cama, vestido com aqueles ridículos aventais que se amarram nas costas, me senti quase que o próprio Ivan Ilicht, da novela A Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, um dos maiores escritores do mundo, uma obra que todos deveriam ler para pensarem sobre a vida e sobre a morte. Digo “quase”, porque o personagem tinha uma porção de defeitos que eu não tenho.

Era um juiz. Ocupava um cargo de alto escalão no regime czarista. Era considerado a pérola da família. Respeitava os colegas, seus subalternos, tratava todos, inclusive os réus, com gentileza e urbanidade. Julgava os casos que lhe apresentavam com objetividade, com base nas leis. No entanto, fazia de tudo para não frustrar as expectativas da sociedade em relação a sua pessoa. Sua maior preocupação era a opinião que a sociedade tinha dele.

Usava ternos exclusivos; casou por conveniência e pensando no dote; comprou uma casa e a mobiliou com móveis e objetos caros. Tudo era feito para que admirassem o seu sucesso. Certo dia, ao colocar uma cortina na janela da casa, caiu da escada e machucou-se. E aí começaram os seus problemas. Os médicos não sabiam dizer qual era a sua doença. Acostumado a decidir com base na lei, objetivamente, não aceitava que não soubessem qual era a sua doença e não encontrassem uma solução para o problema

Acamado e sofrendo de dores intensas, foi praticamente abandonado ali pela família, que não aguentava seus gritos de dor. Passou a pensar que era um peso e um incômodo para a esposa e filhos. Só conseguia conversar com um dos seus escravos, até então uma humilde e insignificante personalidade. Passou a pensar na finitude da vida, da sua, e o que tinha feito dela. Lembrava da mãe e do carinho que ela lhe dava, dos doces que ela fazia, da felicidade da infância, e de qual era a verdadeira dimensão da espiritualidade.

Não aceitava a sua morte iminente, que só imaginava que fosse acontecer com os outros. Era adepto daquela premissa da lógica que é assim definida: “Premissa maior: todos os seres humanos morrem. Premissa menor: Caio é um ser humano. Conclusão: logo, Caio vai morrer.” Caio não era ele. Era outra pessoa. E surge em sua mente a dúvida do para onde vamos depois da partida, se vamos realmente para algum lugar ou tudo termina aqui, debaixo de sete palmos de terra.

No dia da sua morte, seus colegas, tidos todos por ele como amigos e fiéis admiradores, só discutiam quem o substituiria no cargo. Sua mulher, no dia seguinte, dirigiu-se à repartição para saber quanto receberia de pensão e de como seria sua vida daí em diante. No final da história, a gente passa a pensar na certeza da finitude da vida, e se valeu a pena termos feito tudo o que fizemos até chegar ao fim.

Era nisso que eu pensava, desalentado, naquela cama de hospital, enquanto aguardava o resultado dos exames, nem todos concluídos até hoje.
E ficou em mim a dúvida: será que valeu a pena todo o esforço realizado? É deprimente, mas é uma história que se deve ler para compreender o sentido da vida diante da morte, para que se pense sobre a a importância, a dimensão e o valor da espiritualidade.

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