A impossível tarefa  de noticiar a realidade

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

A impossível tarefa de noticiar a realidade

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Será que vivemos no mundo real ou na sua cópia? A essa pergunta o filósofo francês Baudrillard responderia que vivemos a simulação de algo que nunca existiu realmente, “A realidade está morta” . E chamaria isso de “simulacro”. Basta ler um jornal ou assistir ao noticiário para perceber que a mídia, ao explorar a notícia (sua matéria-prima), acaba por criar múltiplas interpretações. Tendo múltiplas verdades, acabamos sem ter nenhuma. Estamos então no mundo do simulacro.

Mas o universo da mídia é limitado pelas leis da gramática que reúne toda sorte de regras, limitando as possibilidades do escritor e do falador. Em um mundo real, a mentira seria desmascarada pelos fatos, mas em um mundo de simulacros o uso antiético dos substantivos, dos adjetivos, das figuras de linguagem associados à força na construção das redes que repassam a informação, podem criar um mundo (ou uma percepção do mundo) totalmente diferente.

Os adjetivos acabam por tomar posição antes ou depois do substantivo. Adjetivo é toda palavra que caracteriza o substantivo, indicando-lhe qualidade, defeito, estado, condição, etc… Um substantivo pode ser comum, como por exemplo “politica”, mas pode se tornar hipócrita dependendo dos adjetivos a ele colado, como se faz em antepor “velha política” a “nova política”.

Há uma figura de linguagem chamada metonímia, que consiste em empregar um termo em lugar de outro para dar mais ênfase à comunicação. Uma das mais frequentes é usar “a parte como se fosse o todo”. Dessa forma uns são “petralhas”, enquanto outros são “bolsominions”. Os “petralhas” são “xiitas”, já os “bolsominions” são “gado”. Essas generalizações vistas de longe parecem tolas, mas dividiram o país ao meio.

Vejamos um exemplo da força dos adjetivos e figuras de linguagem nessa publicação do blogueiro Ricardo Kertzman, em O Estado de Minas em 11/12/2021: “Não aguento mais esse sujeito! Como eu, 70% da população brasileira, no mínimo. Salvo a seita idólatra que lhe lambe as botas sujas – uma gente ignorante, brega, sabuja, carente de amor próprio e figura paterna – apenas os filhos, se muito, lhe têm algum tipo de apreço.”

Antes que o chamem de “petralha”, convém analisar um texto do mesmo sujeito, porém publicado em 2017: “Rede Globo, Pezão (já que Sérgio Cabral está em cana), Eduardo Paes, Dilma e Lula. São estes os responsáveis pelo caos no Rio de Janeiro. Dois presos, dois processados e dois investigados: cobrem deles! Há um ano, estes canalhas vendiam a Cidade Maravilhosa como o paraíso na terra.”

Na recente campanha política, assistimos de camarote o confronto entre o jornalismo e as redes sociais, cada um tentando, a seu modo, noticiar a “realidade”. O jornalismo inclusive, após perder seu status oficial de “divulgador dos fatos e da realidade”, tentou voltar a estado anterior criando as agências de checagem de fatos. Bastou pouco tempo para que os consumidores insatisfeitos se voltassem também contra tais agências. Enquanto isso, ao invés de dissecar melhor o fenômeno raro na vida política brasileira que reúne milhares de pessoas nas ruas e estradas, muitos órgãos da imprensa preferem bradar respostas velhas para perguntas novas.

Para a Folha de São Paulo, os atos atuais são vistos da seguinte forma: “Atos antidemocráticos são ‘herança maldita’ de Bolsonaro e criam novo desafio para o Brasil”. Obviamente que o agronegócio brasileiro tem uma visão bem diferente: “O povo está nas ruas: multidões de brasileiros seguem se manifestando sobre legitimidade do processo eleitoral.” Site: Notícias Agrícolas.

Eliane Cantanhede, no Estadão, tem uma visão mais irônica: “O Brasil vai voltando ao normal, só falta os golpistas entenderem que fazem papel de bobos.” Logo depois, ela emenda uma série de adjetivos com o objetivo de moldar os fatos à sua visão de mundo: “O Lula que chega a Brasília nesta semana, para pôr seu governo de pé, é o melhor dos Lulas, e a oposição ao seu terceiro mandato ameaça ser a pior de todos os tempos.” Ou seja, quando Lula vence, vem o melhor dele. Já a oposição, que também ganhou nas urnas seu lugar no Congresso, será a pior de todas.
O futuro que se avizinha promete muitas turbulências.

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