Bloqueio nas estradas desperta temor de 2018

MANIFESTAÇÕES

Bloqueio nas estradas desperta temor de 2018

Descontentes com o resultado das eleições, defensores de Bolsonaro mantêm vigília em diversos pontos no RS. No Vale, principais locais de concentração ficam em Encantado e em Lajeado. Justiça ordena que polícias atuem contra bloqueios no trânsito. No Estado, gabinete de crise monitora manifestações

Bloqueio nas estradas desperta temor de 2018
No bairro Conventos, em Lajeado, contrários ao resultado das eleições mantêm vigília na BR-386. Houve interrupções parciais, com o pare e siga a cada cinco minutos. Crédito: Felipe Neitzke
Vale do Taquari

Os dias após o 2º turno reverberam sobre a sociedade e elevam a preocupação quanto aos impactos na economia nacional. Da mobilização iniciada após a confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda na noite de domingo, 30, grupos contrários iniciaram protestos em rodovias pelo país.

A memória do desabastecimento dos postos de combustíveis, de alimentos nos mercados, de indústrias com restrições pela falta de insumos à produção, ressurge com as mobilizações. A chance de repetir acontecimentos como os de 2018, na greve dos caminhoneiros, passou a ser uma preocupação.
Transportadoras revisaram itinerários de entrega. Postos da Serra passaram a ter falta de combustíveis na manhã de ontem. Empresas de transporte coletivo intermunicipal interromperam a oferta de ônibus.

Na tarde de ontem, o presidente da cooperativa de transportes Valelog, Adelar Steffler adotou a orientação de parar toda a frota, composta por 180 caminhões. “Decidimos não sair. Mantivemos os veículos na garagem. Quem estava em trânsito, pedimos para não rodar. Ficar no pátio das empresas ou nos postos.”

De acordo com ele, as primeiras horas trazem como resultado atrasos nas entregas. O impacto no abastecimento de mercados, postos e indústrias depende de quanto tempo os bloqueios vão continuar. “Ainda é muito cedo para dizermos como isso vai interferir. Se vamos repetir o que houve em 2018 ou não. Vai depender de quantos dias de bloqueio teremos.”

Na atualização das polícias rodoviárias sobre os pontos de protestos, o Rio Grande do Sul contabilizava 33 locais com manifestantes. Destes, 22 em rodovias estaduais, todas com interrupção parcial (trânsito em meia pista ou com pare e siga após alguns minutos). Em estradas federais, eram 11, quatro com bloqueio total.

Em Arroio do Meio, cerca de 30 manifestantes se posicionaram às margens da ERS-130 sem interromper o fluxo. Crédito: Gabriel Santos

Bolsonaro quebra o silêncio e critica bloqueios

No primeiro pronunciamento após às eleições, o presidente Jair Bolsonaro, falou à imprensa por dois minutos na tarde de ontem. O chefe do Executivo nacional agradeceu os 58 milhões de votos e considerou que os movimentos populares nas estradas são fruto da indignação e do sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral.

Ao mesmo tempo, criticou atos que interferem no direito de ir e vir da população. “As manifestações pacíficas são sempre bem vindas, mas nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como a invasão de propriedades, destruição de patrimônio e o cerceamento do direito de ir e vir.”

Em nenhum momento ele citou o candidato vencedor do pleito de domingo e rebateu afirmações de que ele seria “antidemocrático”. “Sempre fui rotulado como antidemocrático e, ao contrário dos meus acusadores, sempre joguei dentro das quatro linhas da Constituição. Nunca falei em controlar ou censurar mídias e as redes sociais. Enquanto presidente da República e cidadão continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição.”

Logo após o pronunciamento do presidente, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, se apresentou como o líder da transição. “Quando formos provocados, com base na lei, iniciaremos o processo de transição.” O PT anunciou ontem que na quinta-feira formaliza o nome de Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito, como responsável pela interlocução com o governo de Bolsonaro.

Fábio Pozzebom/Agência Brasil

Cadeia do leite em alerta

O Sindicato da Indústria de Laticínios (Sindilat) adverte à urgência na liberação de caminhões tanque usados para o transporte de leite. Segundo o secretário-executivo, Darlan Palharini, a maior necessidade é a liberação de caminhões com leite cru ou vazios de forma a viabilizar a coleta nas propriedades rurais.

Por ser um alimento vivo, o leite tem tempo máximo de 24 horas para ser coletado nos tanques resfriadores. “Cada momento que passa, fica mais difícil o diálogo. Solicitamos ao movimento que libere os caminhões. São veículos identificados. O setor lácteo já passa por uma situação complicada, com ajustes e custos altos.”

De acordo com ele, o principal prejuízo vai para o agro. “Os agricultores não tem como armazenar mais de um dia de ordenha. O leite vai fora. Atinge tanto as propriedades como a indústria.” Outra demanda do setor industrial é pela liberação de caminhões de lenha e diesel. A lenha é essencial para manter as caldeiras das indústrias em operação.

Governo do Estado cria gabinete de crise para monitorar paralisações. Crédito: Divulgação

Entidades contra protestos

Com mais de 48 horas de bloqueio nas rodovias, instituições representativas de diferentes setores econômicos passaram a condenar manifestações extremas, com bloqueios e até episódios de violência.

A Confederação Nacional do Transporte (CNT) inclusive buscou a Justiça para desbloquear as rodovias. “A entidade respeita o direito de manifestação, entretanto, defende que ele seja exercido sem prejudicar o direito de ir e vir das pessoas.”

Por meio de nota, ressaltou que as paralisações geram dificuldades à população, além de dificultar o acesso do transporte de produtos de primeira necessidade, como alimentos, medicamentos e combustíveis.

A Federação das Indústrias do Estado do RS (Fiergs) também manifestou preocupação diante dos bloqueios. Pela análise do órgão, essa situação compromete o transporte de cargas no território gaúcho e no país.

Segundo a entidade, caso essa prática se estenda por mais tempo, a cadeia de suprimentos ficará desorganizada, com impactos negativos sobre os níveis da produção industrial. Além disso, a Fiergs destaca que o problema requer solução urgente para que não haja desabastecimentos tanto de produtos essenciais à população quanto para os segmentos fabris.

ÚLTIMOS MOVIMENTOS 

  • Quase dois dias depois da eleição, o presidente Jair Bolsonaro se pronunciou. Ele agradeceu os 58 milhões de votos e criticou atos que prejudicam a população;
  • O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou que dará início à transição de governo;
  • O Superior Tribunal Federal (STF) reforçou em despacho que autoriza o uso de tropas da polícia militar pelos governadores para liberar rodovias;
  • No país, a PRF informou que 306 pontos de interdições liberados, mas que ainda havia bloqueios em 227 rodovias;
  • No RS, até as 17h de ontem, haviam 33 locais com mobilização. Sendo 22 em rodovias estaduais e 11 em federais;
  • No Vale do Taquari, há mobilizações em Lajeado, Arroio do Meio, Vespasiano Corrêa, Dois Lajeados e Encantado.

ENTREVISTA – Eloni Salvi • economista e consultor empresarial

“O pior cenário seria uma tentativa de virada de mesa”

A Hora – É possível estimar os impactos desta paralisação em comparação com o que ocorreu em 2018?

Eloni Salvi – Teríamos de fazer uma regra de três, com as variantes, quanto tempo de bloqueio e o volume de cargas paradas. Na comparação com a greve de quatro anos atrás, acredito que seja menor, pois já há, inclusive ações das autoridades para encerrar as barricadas.
Essa mobilização não tem nenhuma relação com os atos de 2018. Naquela ocasião, havia uma posição da classe dos caminhoneiros sobre o alto custo do diesel. Agora, se trata de pessoas descontentes com a eleição. Por isso, acredito que não vai durar mais muito tempo.

– E em termos de prejuízos para os setores produtivos?

Salvi – Não será tão forte como foi no passado. Em 2018, os dez dias de estradas bloqueadas geraram uma perda aproximada de R$ 17 bilhões à economia nacional. Agora teremos alguns prejuízos pontuais, de atrasos de voos nos aeroportos, alguns cancelamentos, talvez uma falta pontual de combustível em algum posto. O pronunciamento do presidente Bolsonaro ontem também deve arrefecer os ânimos.

– Quanto ao futuro governo. Após a vitória de Lula, houve um movimento surpreendente no mercado internacional, com queda do dólar, valorização do real e aumento na bolsa brasileira. A que se deve esses resultados?

Salvi – O mercado sempre precifica o futuro. Os investidores se preparam para o cenário e adianta algumas movimentações. De fato, o mercado mundial não ficou surpreso com a vitória de Lula. Quem tinha alguma previsão negativa comprou dólares nos últimos meses. Quando percebeu que as eleições estavam resolvidas, volta a colocar essa moeda na bolsa. Isso faz com que haja mais capital estrangeiro no mercado brasileiro. Para se ter uma ideia, o movimento normal na bolsa brasileira é de 25 bilhões de dólares por dia. Ontem passou dos US$ 47 bilhões. O pior cenário seria uma tentativa de virada de mesa. Isso traria instabilidade econômica.

Acompanhe
nossas
redes sociais